Por Thaís Souza
Utilizamos a linguagem para nos comunicar e não há como fugir disso. Na escola aprendemos que pronome de tratamento VOCÊ é oriundo da evolução das palavras vossa mercê, vosmicê, mercê e agora você. Este processo durou anos, uma vez que, estudos mostram que a vossa mercê era utilizada no século XV para dirigir a todas as pessoas sem distinção de classe social. Com a implementação dos pronomes de tratamento a reis (Vossa Majestade), ministros (Vossa Excelência), surgiu no século XIX o pronome você. Apesar de popularizado no Brasil, em Portugal, por exemplo, o termo ainda é muito pouco usado e a referência ocorre apenas para pessoas com um grau de amizade elevado.
Do início do ano para cá, nos deparamos com mais frequência do termo TODES. A partir daí me veio à cabeça uma série de questionamentos que se resumem em: inclusão ou desserviço? É preciso levar em questão as regras ortográficas e gramaticais, que convenhamos, quando se trata do português “dá um show”. Até que ponto essa luta atrapalha a compreensão e o aprendizado do nosso idioma? A neutralização da linguagem pode até ser um movimento distante no Brasil, mas ela já deu o seu pontapé, tem sido usado com muita frequência de modo informal e confundido a cabeça de muitos, inclusive a minha.
Se você tem pouco mais de dez anos de idade, certamente foi lhe apresentado uma sociedade com os gêneros masculino (Ele) e feminino (Ela), no entanto sabemos que existem os não binários, pessoas que não se identificam homens nem mulheres. Qual pronome utilizar para se referir a este grupo? O termo TODES é usado pela comunidade não binária como forma de inclusão e respeito.
Para começar este debate é preciso entender a diferença entre gênero e identidade. Um homem trans, transgênero ou transexual é uma pessoa que nasceu do sexo feminino, contudo se atribui ao gênero masculino. Para se referir a ela normalmente utilizamos a linguagem masculina. Mas e os não binários? Pessoas que não se sentem homens ou mulheres? Eles querem o todes! Mas nesta escala de tratamento me vem mais perguntas. Partindo do princípio que nasci com o gênero feminino, mas me considero não binário ao invés de chamada deveria ser chamade? As mulheres são chamadas para a festa. Os não binários são chamados ou chamades? Segundo eles, chamados refere-se ao termo masculino. A ortografia, no entanto, pontua o oposto.
Como ficamos gramaticalmente até a formalização de todos estes termos? A sociedade está preparada para a mudança? Esta formação requer um amplo debate e muita desconstrução. Sempre critiquei quem utiliza de forma redundante o termo todos, pois trata-se de um “pronome plural indefinido”, no qual significa todo mundo. A partir daí despende a necessidade de todas, as mulheres já foram incluídas. A pessoas que integram a comunidade LGBTQIAP+ também. Caso seja formalizado no nosso vocabulário o termo TODES, qual será o cumprimento? Todos (já é todo mundo), Todas (só as mulheres) e Todes (o grupo não binário). Este grupo que tanto luta pela inclusão do termo já não faz parte de todos, do indefinido?
O mundo tem mudado e acompanhar essas transformações sociais é um constante desafio que está além da escrita, do ensinar e aprender o bê-a-bá, mas envolve questões morais, batalhas políticas e muito debate.
*Thaís Souza – jornalista