Especial fakenews

A partir de provedores localizados em diferentes países, notícias falsas, as chamadas fake news, têm impactado os últimos debates públicos mais relevantes, como as eleições nos Estados Unidos e os plebiscitos sobre a saída do Reino Unido da União Europeia e o acordo de paz entre o governo colombiano e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc).

O Brasil se vê diante do problema. Com um debate polarizado, o país corre contra o tempo. Diferentes instituições públicas convocam debates sobre medidas que podem ser adotadas para garantir um processo eleitoral democrático e transparente. Algumas propostas preocupam movimentos sociais, que temem que o alarde em torno das notícias falsas leve ao controle dos conteúdos pelas plataformas digitais e, com isso, à censura na internet.

Atualmente, o Marco Civil da Internet permite empresas como o Facebook a adotar políticas para manutenção ou remoção de determinado conteúdo, caso a informação ofenda os termos de uso. Além disso, estabelece que a plataforma remova os dados em caso de decisão judicial neste sentido.

Na Declaração Conjunta sobre Liberdade de Expressão e Notícias Falsas (Fake News), Desinformação e Propaganda, órgãos das Nações Unidas trataram da questão. Apontam que as fake news corroem a credibilidade da imprensa e interferem no direito das pessoas à informação.

Robôs e eleições

A internet hoje é a segunda fonte de informação mais popular no país, segundo a Pesquisa Brasileira de Mídia 2016 – Hábitos de Consumo de Mídia pela População Brasileira, da Presidência da República. Por meio da rede, citada por 89% dos entrevistados, é possível obter informações mais diversas do que aquelas disponíveis, por exemplo, nos poucos canais de TV aberta existentes no país. Porém, na rede mundial de computadores diferentes grupos têm usado artifícios para influenciar os debates ou ajudar a “viralizar” (disseminar) informações que lhes interessam, muitas vezes, sem que as pessoas que recebem os conteúdos saibam desses procedimentos.

O coordenador do Comitê, Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), Maximiliano Martinhão, alerta que este ano, durante a campanha eleitoral, a internet “sedia” esses debates. “Muitos dos embates entre planos de governo, propostas políticas, transparência e ética acontecerão nesse ambiente, fazendo com que o espaço de debate político criado por provedores de aplicações de conteúdos na internet se consolide cada vez mais como parte da esfera pública”. Diante disso, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) criou o Conselho Consultivo sobre Internet e Eleições, com a atribuição de pesquisar, analisar e formular ações em relação a questões emergentes como as notícias falsas, as fake news.

Essas informações, contudo, são apenas a face aparente de um fenômeno mais profundo e relacionado à forma como determinados conteúdos circulam e ganham projeção na internet.Por trás do que vemos em múltiplas telas, há empresas de serviços de análise de dados, robôs e outros softwares e aplicativos que podem gerar a ampliação de determinados posicionamentos de forma artificial.

O estudo Robôs, Redes Sociais e Política no Brasil, da Fundação Getulio Vargas, mostra como robôs ou bots (perfis falsos presentes em mídias sociais) são capazes de distribuir, em escala industrial, mensagens pré-programadas, e concluiu que contas automatizadas motivam até 20% de debates em apoio a políticos no Twitter. A pesquisa mostra que partidários de todos os espectros políticos têm usado esse tipo de tecnologia.

De acordo com o estudo, a disputa política, nos próximos anos, pode ser influenciada por essas técnicas. Segundo o coordenador da pesquisa, Marco Aurélio Ruediger, para evitar que isso ocorra, é importante que os provedores de rede garantam um ecossistema digital saudável. Ele lembra o caso dos spams, lixo eletrônico muito comum anos atrás. “Não foi preciso criar uma lei para combater os e-mails promocionais, mas eles foram perdendo espaço nas plataformas”, destacou.

Embora faça o alerta quanto aos impactos das novas tecnologias, Ruediger pondera que o problema tem uma dimensão ética, que ultrapassa a tecnológica. Por isso, ressalta que eleitores e partidos também têm a tarefa de promover um debate público qualificado e não manipulado, garantindo a lisura do processo político eleitoral e, ainda, do uso de recursos públicos.

Para a integrante do CGI.br e da Proteste – Associação de Consumidores, Flávia Lefèvre, o centro do debate é saber como as informações são disseminadas na rede. “Os algoritmos [códigos] definem se você vai receber determinada informação. Vamos supor que chegue à véspera das eleições e o Facebook, por uma preocupação ou outra, comece a postar no feed de notícias das pessoas publicações como ‘lembre de votar amanhã’, mas que ele concentre esse aviso para pessoas de direita ou de esquerda. Em que medida esse resultado pode alterar os resultados das eleições?”