Mesmo com direito a uma cota de passagens aéreas por mês, senadores usam parte da verba parlamentar para pagar combustível de aviação e fretamento de jatos particulares. De janeiro a outubro deste ano, 14 senadores gastaram R$ 771,6 mil com esse tipo de despesa. No mesmo período, também usaram R$ 896,1 mil para comprar passagens com voos comerciais. Do Tocantins, os senadores Vicentinho Alves e Ataídes Oliveira estão na lista dos que gastaram com combustíveis de aeronaves.

(Montagem/Gazeta do Cerrado)

Levantamento feito pelo Estadão/Broadcast mostra ainda que os senadores aumentaram os gastos com jatinhos nos últimos três anos. Em diversas ocasiões, o dinheiro da Casa foi usado para bancar trajetos corriqueiros, como de Brasília ao Estado de origem do congressista.

m 2016, as despesas do Senado com combustível de aviação, fretamento de aeronave ou táxi aéreo chegaram a R$ 1,02 milhão, o que representa um aumento de 40% desde 2014 (R$ 729,8 mil), considerando valores atualizados. Enquanto isso, o consumo de passagens em voos comerciais aumentou 31% de 2014 em relação ao ano passado e ultrapassou R$ 5 milhões.

O ato da Mesa Diretora do Senado que regula a cota parlamentar estabelece que “o valor da verba de transporte aéreo dos senadores corresponde a 5 (cinco) trechos, ida e volta, da capital do Estado de origem a Brasília, conforme Tabela IATA de tarifa governamental”. Há outros artigos mais genéricos para a verba indenizatória destinados à “locação de meios de transporte”, “serviços de táxi” e “combustíveis e lubrificantes” que abrem brechas para a utilização de serviços sem limites financeiros específicos.

Segundo a chefia de gabinete da primeira-secretaria do Senado, o controle de ressarcimento de despesas pela cota de atividade parlamentar é feito sistematicamente pelos técnicos da Casa e “despesas que não atendem às finalidades e requisitos exigidos são glosadas”. O Senado não é responsável por fiscalizar a aplicação dos recursos.

Na Câmara, há limites para o uso da cota parlamentar. Os deputados só podem usar “locação ou fretamento de veículos automotores” até R$ 10,9 mil mensais. Já “serviços de táxi, pedágio e estacionamento” só podem ser usados até o limite global inacumulável de R$ 2,7 mil mensais e “combustíveis e lubrificantes” até o limite de R$ 4,9 mil.

Recordista

Recordista na utilização de aviões privativos, o presidente nacional do PP, senador Ciro Nogueira (PI), já consumiu quase R$ 190 mil até outubro deste ano para fretar aeronaves e adquirir combustíveis de aviação. Em 2016, ele gastou aproximadamente R$ 260 mil; no ano anterior, foram cerca de R$ 200 mil.

Nos últimos três anos, Nogueira usou avião privativo até mesmo durante o período do recesso parlamentar. Só nos dias 29 e 31 de dezembro de 2016 o presidente do PP apresentou seis notas fiscais referentes a despesas com combustível de aviação no valor de quase R$ 10 mil. Em redes sociais foram postadas fotos em que o senador aparece na virada do ano em Trancoso (BA) com a mulher e amigos. Procurada, a assessoria do senador não se manifestou sobre o caso.

Em seguida, o senador que mais teve esse tipo de gasto é o líder do PDT no Senado, Acir Gurgacz (RO), que tem duas aeronaves próprias avaliadas em cerca de R$ 8 milhões, segundo declaração feita à Justiça Federal. Gurgacz usou R$ 150,5 mil este ano com combustível. No mesmo período, de janeiro a outubro de 2017, o parlamentar utilizou R$ 100 mil do Senado para viagens em aviões de carreira.

A assessoria de Gurgacz alega que ele “geralmente usa voos comerciais”, mas, como mora no interior de Rondônia, na cidade de Ji-Paraná, há poucos voos disponíveis para Brasília e “eventualmente” ele usa seu avião. “A aeronave é dele e quando abastece com recursos da cota parlamentar é porque utiliza para deslocamentos vinculados à sua atividade parlamentar no Estado de Rondônia, para Brasília, ou para eventuais atividades fora dessa rota”, justificou a assessoria.

O senador Ivo Cassol (PP-RO) é o terceiro, com gastos de R$ 111,1 mil em combustíveis de aviação neste ano. Desde 2014, ele já soma quase R$ 500 mil com este tipo de despesa. Em três anos, Cassol não registrou aluguel de aeronave, e também não declarou possuir um avião na última eleição. Procurada, a assessoria não esclareceu de quem é a aeronave que o parlamentar utiliza e não quis se manifestar.

Solenidades

Embora more em um Estado perto do Distrito Federal, a senadora Lúcia Vânia, do PSB de Goiás, aparece entre os que mais gastam em aviação privativa, com despesas de R$ 72,1 mil para uso de táxi aéreo. Além disso, ela gastou, em média, R$ 20 mil em passagens aéreas em voos comerciais no mesmo período. No ano passado, os gastos foram semelhantes: R$ 75 mil para a utilização de aviões privativos e R$ 20,2 mil para viagens em aviões de carreira.

Por meio da assessoria, Lúcia Vânia afirmou que todas as suas viagens “tiveram como objetivo a participação em solenidades oficiais nos municípios e discussões de orçamento”. “O avião só é usado como transporte para cidades distantes de Goiânia e Brasília e, em casos excepcionais, em que o trajeto de carro seria inviável para conciliar com a agenda do Senado. Na maioria das vezes, visito no mínimo duas cidades da região. Quando viajo para municípios próximos de Goiânia ou Brasília, como Planaltina de Goiás, onde estive recentemente, uso o carro”, escreveu.

O senador Zezé Perrella (PMDB-MG) chegou a gastar R$ 121 mil, em 2015, com combustível de aviação. A assessoria afirmou que ele diminuiu os gastos desde o ano passado porque se desfez da aeronave que possuía.

Parlamentares negam uso irregular do dinheiro

A assessoria de Wellington Fagundes (PR-MT) informou que o senador costuma ir de Rondonópolis até Barra do Garças, onde tem negócios privados, e depois segue para Brasília. A justificativa seria que o parlamentar só utiliza este meio de transporte quando está com “muita pressa” ou “na correria”.

O senador Fernando Bezerra Coelho (PMDB-PE) informou por meio de sua assessoria de imprensa que somente usa aeronave fretada no caso de locais distantes onde têm agendas de trabalho parlamentar e para os quais não existem voos comerciais. A assessoria de imprensa destacou que o parlamentar realizou apenas um fretamento de aeronave em 2017 para cumprir agenda na cidade de Petrolina (PE).

A assessoria de imprensa do senador Paulo Rocha (PT-PA) justificou que o parlamentar utiliza aeronave quando precisa visitar cidades no interior do Pará, já que algumas delas são acessíveis somente por barco.

O senador José Maranhão (PMDB-PB) explicou que utiliza o combustível de aviação para viagens dentro de seu Estado já que ele possui um avião particular. Já as passagens aéreas são utilizadas quando ele precisa se deslocar da Paraíba para o Congresso Nacional, em Brasília. “Nunca ultrapassei a cota, uso sempre menos do que habitualmente eu poderia utilizar”, afirmou.

Vicentinho explica

O senador encaminhou nota na qual explica o uso que fez das verbas. Veja a íntegra da nota:
MATÉRIA –

Sobre o pedido de informações acerca da utilização da Cota pelo Exercício da Atividade Parlamentar de Senador – CEAPS para o gasto com combustível e fretamento de aeronaves em deslocamentos do Senador Vicentinho Alves, prestamos os seguintes esclarecimentos:

1. A utilização da CEAPS foi instituída pelo Ato da Comissão Diretora do Senado Federal nº 3, de 2003, com as alterações incluídas pelos Atos da Comissão Diretora nºs 3/2009, 9/2011, 4/2014 e 6/2014 e regulamentada pela Portaria do Presidente do Senado Federal nº 2, de 2003, com as alterações posteriores.

2. O Artigo 1º, § 2º do citado normativo permite a utilização da verba indenizatória para o “fretamento de meios de locomoção quando o trecho percorrido situar-se integralmente no território da unidade da federação representada pelo senador”.

3. O Artigo 3º da Portaria do Presidente do Senado Federal nº 2, de 2003, permite a utilização da verba indenizatória para a “locomoção do parlamentar ou de servidores ocupantes de cargos em comissão de seu gabinete, compreendendo passagens, locação de meios de transporte e, ainda, hospedagem e alimentação” e para gastos com “combustível e lubrificantes”,

4. Assim, os gastos com fretamento de aeronaves para deslocamentos dentro do Estado do Tocantins são permitidos pelo normativo do Senado Federal, da mesma forma que os gastos com combustível em aeronave nos deslocamentos para Brasília.

5. Cabe destacar que os elevados preços das tarifas de voos comerciais no trecho Palmas/Brasília e Brasília/Palmas – que alcançam valores superiores a R$ 2 mil para um único trecho – podem tornar o custo desse deslocamento maior do que o gasto com combustível. Importa, ainda, considerar a extensão territorial do Estado do Tocantins, de 277 mil km2, sendo que as distâncias entre alguns municípios podem superar 1 mil km, bem como a indisponibilidade de ofertas de voos regionais para esses deslocamentos. A opção pelo fretamento de aeronave pertencente ao Sr. Nilton Barbosa Santos deve-se ao fato de que se trata do presidente do AeroClube de Porto Nacional, cidade onde o senador reside e de onde são feitos os deslocamentos dentro do Estado do Tocantins, o que torna o custo menor.

​Brasília, 27 de novembro de 2017

Fonte: Estadão