Foto – Cláudio Bento/Divulgação

Por Cláudio Bento

O poeta inglês do século XVI John Donne escreveu: “Nenhum ser humano é uma ilha”. Não, não somos ilha nem mesmo quando resolvemos correr, em dias de férias, para um isolamento em uma verdadeira ilha. Falo aqui de uma ilha no Rio Araguaia, em Araguacema, no mais novo Estado do Brasil, o Tocantins. Não somos ilhados e nem somos ilha. Ali, em meados do mês de julho nos juntamos a uma família tradicional do lugar, mesmo que muitos já moram há anos em outras cidades do Norte ou do Centro-Oeste do nosso Brasil continental. Eles trouxeram mais amigos, quiçá agregados, como dizíamos por lá mesmo, em um acampamento que já passa de sua quarta década de tradição tentando o que hoje chamamos “se isolar de tudo”: internet, principalmente, e seus “adjuntes”.

Ah, a internet com péssimo sinal, nos primeiros dias, parecia-nos um sacrifício mortal ante ao isolamento bucólico diário nas areias daquele rio de águas calmas. Realmente, as águas do Araguaia naquele lugar me surpreenderam. Surpreenderam porque ao dizer que ali passaria alguns dias – usando da minha redundância -, no Araguaia, muitos me alertavam sobre o perigo que o rio poderia me oferecer. Aliás, ao chegar lá e ver tanta calmaria, me veio à cabeça: _ Será que a pessoa que me manda tomar cuidado com o Araguaia já pisou nas águas e areias do “correntoso” Tocantins?. Claro, sempre ladeado por montanhas, é outro rio que margeia o nosso Estado.

Tem coisas que a gente não conta. Nosso lema é: o que acontece em Araguacema, fica por lá.

Daí….

Os dias, no começo, pareciam longos. Uma parte integral, psicologicamente, do nosso corpo não mais funcionava com a total falta do tal celular.

Não tínhamos notícias da família, da política, das datas de aniversário dos amigos, parentes e afins. Não tínhamos o “zap zap” para nos perturbar mentalmente com as fake news tão em voga no nosso cotidianos urbano, principalmente em tempos sombrios, que espero que acabem logo. Parecia triste. Mas não era.

E eu que era o único goiano (nasci em Goiânia, onde depois fiz ensino médio e me formei entre 1988-2004) e tocantinense (fui gerado e criado, em partes, em Palmeirópolis) era a única pessoa que não come pequi. Eu já experimentei aqui. Eu já fui no campo buscar. Eu não gosto daquilo. Pequi me faz passar mal uns dois dias. Não, eu não gosto de pequi. Fizeram um frango com essa iguaria disputável, para saber quem é o dono desse fruto desejado, e me separaram uns cinco pedaços do frango antes da mistureba: “franSEMpequi”.
Sabe o que me rendeu o meu “franSEMpequi”? Ora pois, comi parte dele no almoço e guardei a outra parte para a janta. Claro, a panela deles ficou bem farta para a larica da noite. E, besta, já pelas 6 da tarde, conforme eu percebia ao olhar para o sol, fui esquentar minha sobra da penosa, ali frita por suas coxinhas.

Um susto! Cadê a panela escondida? Não estava mais ali. E, claro, meu frango da janta tinha sido levado por uma alma faminta. Não deu outra. Ao olhar para o escorredor de louça me deparei com aquela panelinha, até então meu porto seguro, limpa, livre e solta.

Achei foda a sacanagem…

Sem saber que dia do mês era ou da semana, já me sentia perdido. Mas o sentimento do ilhado e perdido, minha cabeça estava suave…

Porém…

Tão logo o tempo já parecia passar ligeiro. Nos perdíamos nele, no tempo, claro. Perdíamo-nos tanto que os ilhados, ao recebermos visitas, logo tascavam a elas: que dia é hoje, do mês e da semana? Não era preocupação, parecia medo de nos perdermos no tempo e não sabermos a hora de voltar.

Enquanto tudo isso acontecia, uns pescavam. Outros tomavam banho no rio, na ducha ou no chuveiro. Tínhamos opções para tal.

Outros, mais artistas, em volta de uma mesa sempre puxavam um bom samba. Um belo samba.

Dai, voltando às visitas, com elas ouvíamos outros gêneros musicais, mas sempre acompanhados por um coro que, deveras, sabia todas as canções. Mesmo que alguns cantavam como aquela anciã que sempre solta uma nota a mais no louvor da igreja, onde todos percebem seu desafino, menos ela, o som saía. Afinado ou não, mas saía com muitos risos, alegria de estarmos ali. Ali e entregues ao “nada”. Nesta fase eu conheci o que os anciões já me diziam, de forma hilariante, que eu tinha um pai: o nome, Juraci. Apelido “salta chão”. Nos divertimos muito e até fiz cena do suposto encontro do filho que nunca cansou de procurar pelo pai.

Tudo isso e algumas coisa acontecendo, chegavam os pescadores amadores e amados com uns peixinhos sedentos por cair numa frigideira já abastecida em sua possibilidade e medida de óleo quente. Eram peixes de todas as espécies que nosso Araguaia nos oferece. Comi tanto peixe que só não enjoei porque é impossível enjoar de comer peixe. Principalmente um peixe frito regado a uma boa cachaça e/ou uma cerveja.

De volta à minha casa, sendo recebido pelos meus pets com alegrias e abraços, jamais prometido por presentes ou qualquer coisa, é bom demais retornar ao nosso cantinho, nossa casa.

A vida segue. Viver é aprender. Só deixarei de aprender quando eu…

 

Cláudio Bento é sociólogo, bacharel em Direito e apaixonado pela pela

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[1] Os Nolêto no singular pq os Noleto são uma nação e nação não se coloca no plural.

[1] Com adaptação