O ex-governador Mauro Carlesse (Agir) se tornou réu em uma ação criminal que vai julgar as denúncias de aparelhamento na Polícia Civil para interferir em investigações contra corrupção no Tocantins.

Ele teve a prisão decretada em outro processo e está preso há um mês por suposto risco de fuga internacional. Também foram denunciados três ex-secretários e dez delegados.

A denúncia traz diversos fatos que repercutiram no estado a partir de 2018, quando Carlesse assumiu o governo. Entre os atos investigados estão a abertura de sindicâncias e processos disciplinares contra delegados que investigavam corrupção, mudanças no comando de delegacias e grupos de combate à corrupção, além da criação de Manual de Procedimentos que proibia os delegados de criticarem autoridades e darem entrevistas sem autorização.

O suposto aparelhamento da Polícia Civil fazia parte de investigações que tramitaram no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e levaram ao afastamento e renúncia de Carlesse. Com a saída do ex-governador do cargo, as investigações foram repassadas para a Justiça Estadual.

Parte do grupo denunciado, inclusive, responde em outra ação penal na 3ª Vara Criminal de Palmas que investiga atuação de uma central de espionagem suspeita de obstruir e vazar informações sobre investigações contra o governo. O mesmo juízo também decretou a prisão preventiva de Carlesse por risco de fuga internacional (leia abaixo).

Desta vez, a representação feita pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) e 9ª Promotoria de Justiça da Capital apura uma suposta estruturação da Polícia Civil, com a substituição de delegados para interferir e atrapalhar investigações de corrupção durante o governo de Mauro Carlesse.

O documento tem mais de 200 páginas e detalha todo o suposto processo de aparelhamento. A denúncia foi aceita pelo juiz da 3ª Vara Criminal de Palmas. Entre os réus estão:

Mauro Carlesse – ex-governador;

  • Claudinei Aparecido Quaresemin – ex-secretário de Parcerias e Investimentos e sobrinho de Carlesse;
  • Cristiano Barbosa Sampaio – Delegado federal e ex-secretário de Segurança Pública no governo de Carlesse;

O espaço está aberto para a defesa e manifestação de todos os citados.

Entenda as investigações

A representação do Ministério Público Estadual (MPE-TO) cita diversos fatos registrados a partir de 2018, quando Mauro Carlesse assumiu o governo do Tocantins em decorrência da cassação de Marcelo Miranda.

Logo nos primeiros meses de governo, segundo a denúncia, o grupo começou se estruturar e levou a exoneração de um delegado regional que investigava denúncias contra aliados políticos de Carlesse.

As interferências teriam levado ao pedido de exoneração em massa da cúpula da segurança pública. Isso, conforme a denúncia, abriu caminho para escolha do novo secretário de segurança, Cristiano Barbosa Sampaio, com a missão de “implementar uma estratégia para inibir o combate à corrupção pela Polícia Civil do Tocantins.”

Entre os atos citados pela denúncia, foram tomadas medidas para limitar a área de atuação das delegacias que investigavam corrupção e realizadas troca em diversos cargos de direção. A denúncia aponta que Mauro Carlesse e o sobrinho, Claudinei Aparecido Quaresemin foram os responsáveis por comandar e escolher os nomes para integrar a organização criminosa.

“Nesse passo, decidiu-se que a estratégia que mais atenderia aos interesses da organização criminosa era o completo desmantelamento da Divisão Especializada de Combate à Corrupção – DECOR, com o afastamento de todos os seus Delegados de Polícia, incidindo diretamente no curso das investigações. Para isso, era imprescindível a mudança na diretoria da DRACCO – Diretoria de Repressão à Corrupção e ao Crime Organizado, estrutura à qual estava subordinada a DECOR dentro da Polícia Civil do Tocantins”, afirma a denúncia.

Na época, o governo conseguiu, inclusive, aprovar uma emenda constitucional à Constituição do Estado do Tocantins, retirando a garantia de inamovibilidade dos delegados da Polícia Civil. Foi criado também um sistema de avaliação que atribuiu nota zero de produtividade para delegados responsáveis por investigar políticos e esquemas de corrupção. A medida, em tese, seria para fundamentar transferências pela baixa produtividade.

Ainda conforme a investigação, com a repercussão negativa das medidas o grupo buscou outra estratégia, criando cargos comissionados de chefia para estrutura da Polícia Civil, devido não haver necessidade de fundamentação para trocas e transferências de delegados.

“Mais uma vez, os denunciados se utilizaram do subterfúgio da atuação genérica e imparcial do Estado para, neste caso, desmantelar por completo a Divisão Especializada de Combate à Corrupção – DECOR, impedindo e embaraçando investigações que ali tramitavam”, diz a representação.

Durante as investigações foi apreendido um documento nas dependências da DRACCO, que segundo o MPE, confirma a intenção dos denunciados em remover delegados que investigavam corrupção. O documento traz uma planilha com nomes de delegados e uma observação dizendo: ‘Mexer só em Araguaína e Palmas configurará perseguição’.

Durante este período, delegados substituídos foram bloqueados de acessar os inquéritos e não houve processo de transição, de acordo com a denúncia. A investigação apontou que testemunhas em investigações deixaram de ser ouvidas e mandados de busca e apreensão deixaram de ser cumpridos.

“Nota-se que os novos Delegados da Divisão Especializada de Combate à Corrupção (DECOR) passaram a embaraçar as investigações que poderiam atingir membros dos Poderes Executivo e Legislativo estadual, contrapondo-se ao ritmo acelerado e atuações sobre investigados políticos que norteavam a conduta da equipe de Delegados de Polícia removidos”, diz a denúncia.

O então governador teria inclusive estruturado um grupo de espionagem para monitorar as investigações que envolvessem o governo. Neste ponto, a denúncia aponta que o delegado nomeado como diretor de inteligência da Polícia Civil, usou seus acessos para “comunicar ao escalão superior da organização criminosa, ocupado por Cristiano Barbosa Sampaio, que havia mandados de busca em aberto no e-Proc” em uma das investigações.

Na época, o então diretor de Inteligência usou a estrutura da Diretoria de Inteligência para verificar se Carlesse estava sendo alvo de interceptações telefônicas, criando uma ‘blacklist’ do governo.

As tentativas de afastar os delegados e impedir investigações ligadas ao governo continuaram, segundo a denúncia, pelo menos até o a saída dos denunciados dos respectivos cargos.

Os investigados neste inquérito foram denunciados pelos crimes de participar de organização criminosa, com agravantes de serem funcionários públicos, para assegurar outros crimes, vantagens ou impunidade, além de abuso de poder e violação de dever.

O MPE-TO também pediu que sejam decretadas a perda dos cargos público e a fixação de uma indenização de R$ 1 milhão para os denunciados a título de danos morais coletivos.

Íntegra da nota de Cristiano Sampaio:

A defesa de Cristiano Sampaio expressa surpresa com a mudança repentina de entendimento do Ministério Público, que havia arquivado a investigação sobre organização criminosa há mais de dois anos e agora a reabre sem qualquer elemento novo. Ressaltamos que, há mais de um ano, as defesas aguardam acesso a todos os elementos probatórios produzidos, os quais têm sido omitidos dos investigados sem quaisquer razões aparentes.

Todos os atos da gestão de Cristiano Sampaio foram legais e confirmados como legítimos em decisões judiciais. A acusação apresentada não corresponde à verdade dos fatos, e será demonstrada na ação penal sua total improcedência. A defesa reitera seu compromisso com a verdade e a justiça.