Angel Lima / Especial para Gazeta do Cerrado
No Dia da Consciência Negra, diversas questões relacionadas ao racismo, violência e intolerância são colocadas em evidência para serem discutidas a fim de alcançar propostas de solução. Um tema ainda bastante recorrente, relacionado ao racismo, são os casos de ataques a crenças de matriz africana e afro brasileiras e a seus praticantes.
Dados do Disque 100, criado pela Secretaria Nacional de Direitos Humanos, apontam que no Brasil, três queixas de intolerância religiosa são registradas diariamente. E os números podem ser ainda maiores já que a subnotificação desses casos ainda é bem grande no País.
No Tocantins, o Núcleo de Coleta, e Análise Estatística – Nucae, da Secretaria da Segurança Pública do Tocantins – SSP/TO aponta que de janeiro de 2022 até a primeira quinzena de novembro deste ano, foram registrados, em todo o Estado, 21 boletins de ocorrência para crimes de prática de discriminação ou preconceito de religião. Os números já superam em 23% os registros de todo o ano de 2021, que de janeiro a dezembro recebeu denúncias de 17 casos de intolerância.
A promotora do Ministério Público do Tocantins (MP/TO), Isabelle Figueiredo, coordenadora do Centro de Apoio Operacional as Promotorias de Justiça da Cidadania, do Consumidor, da Cidadania, dos Direitos Humanos e da Mulher (Caoccid) destaca a importância quanto ao registro das denúncias de crimes de intolerância religiosa, já que essa realidade, apesar de comum no cotidiano, ainda é pouco notificada junto aos órgãos competentes.
“Atualmente observamos um movimento mais forte de agressões às religiões de matriz africana ou afro brasileiras. Muitas dessas hostilidades e ataques, infelizmente, não são denunciados pelo receio que os praticantes têm de, novamente, serem discriminados ou mesmo hostilizados. Contudo, reforçamos a necessidade de que as pessoas entendam que existem órgãos de proteção para garantir o direito de exercerem suas crenças; e o principal desses órgãos é o Ministério Público onde o promotor de justiça vai defender o coletivo e a individualidade de expressão de crença”, pontua Isabelle.
Hostilidade e racismo
As estatísticas sobre violência religiosa, no entanto, ainda são insuficientes no detalhamento dos casos. Contudo, a partir de relatos recebidos pelo disque 100, é possível afirmar que seguidores de religiões de matriz africana e afro-brasileiras como candomblé e umbanda constituem-se nos alvos mais comuns dos relatos de intolerância.
Para o historiador tocantinense Fernando Magoo, a intolerância para com essas religiões é um retrato do racismo estrutural presente desde o tempo da colonização do Brasil. “Quando os portugueses chegaram às terras brasileiras, trouxeram junto consigo, religiosos jesuítas que tinham como prática comum combater outras religiões. Esse apagamento da cultura das pessoas trazidas da África e do povo nativo foi uma missão iniciada no Brasil Colonial que perdura até os dias atuais”, reitera.
A intolerância no dia a dia
Relatos de praticantes de candomblé e umbanda confirmam que estes ainda são os mais atacados por conta de sua religião. A Iyalorisá do culto africano a Orisá, Roberta de Osoguiã, dirigente da Casa Branca da Serra, no distrito de Taquaruçu, no município de Palmas, relata que já foi alvo de atos de discriminatórios e de intolerância religiosa e, inclusive, possui ação judicial em andamento sobre um dos casos.
Roberta atribuiu os ataques a uma cultura racista arraigada na sociedade brasileira. “Infelizmente o racismo é uma realidade e nós nos deparamos diariamente com a ignorância de algumas pessoas que, lamentavelmente, não desejam compreender ou mesmo respeitar nossa fé”, afirma.
O presidente / fundador do Instituto Umbandista Tenda do Caboclo, no município de Palmas, Pai Gil, relata que também já passou por episódios de preconceito religioso sendo que em um deles teve o telhado da sede de seu templo quebrado a fim de sabotarem o momento de culto, dentre outras situações.
Sobre os motivos que podem culminar em atos de violência ou intolerância, Pai Gil declara: “Infelizmente, a total falta de empatia com o próximo; a falta de conhecimento a respeito de Deus; o desconhecimento da vida e, sobretudo, do plano espiritual e da evolução de nossas almas, acaba levando muitas pessoas a se aventurarem no mar da ignorância e acabar cometendo atos de discriminação contra a seus próprios irmãos”, pondera.
Como denunciar
O artigo 5º da Constituição Federal do Brasil de 1988 assegura a igualdade religiosa e reforça a laicidade do Estado brasileiro. Para além da garantia constitucional e do pacto estabelecido pela Organização das Nações Unidas (ONU), por meio da Declaração Universal dos Direitos Humanos, existe a Lei nº 9.459, de 13 de maio de 1997, que em seu primeiro artigo prevê a punição para crimes motivados por discriminação de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Quem praticar, induzir ou incitar a discriminação por conta dos motivos citados pode ser punido com um a três anos de reclusão e aplicação de multa. Apesar da clara ofensiva de punição garantida pela lei 9.459/97, não há uma lei específica para tratar somente dos casos de intolerância religiosa.
A promotora do MP, Isabelle Figueredo reforça a relevância dos registros formais das denúncias quanto aos casos de intolerância religiosa. “Da mesma maneira que foi criada uma cultura de preconceito devemos estabelecer a cultura do respeito e este respeito é construído de diferentes maneiras, uma delas é compreender que atualmente o Estado atua para defender o livre direito de expressão das crenças”, reforça.
Para denunciar situações de agressão, hostilidade ou intolerância religiosa, o interessado pode acessar diferentes canais junto ao Ministério Público do Tocantins. Os relatos podem ser realizados por meio da ouvidoria do MP, presencialmente ou pelo número 107; pelo site do MP, aplicativo ou mesmo presencialmente, na comarca na mais ao denunciante.