O Carnaval está chegando e, com ele, os inúmeros tutoriais e inspirações de maquiagens para se usar nos dias de festa. Em comum, eles têm dois elementos fundamentais: criatividade e muito glitter.

Utilizado em cosméticos e maquiagens, o glitter tem uso intenso durante as comemorações carnavalescas e é fundamental para muitos foliões, pois eleva a cor e o brilho das fantasias. Mas tem um lado negativo: eleva também a poluição dos oceanos com microplásticos.

Feito de alumínio e plástico cortado em milímetros, o glitter é classificado como um microplástico por suas dimensões inferiores a 5mm de diâmetro. Por serem minúsculos, os microplásticos não são filtrados no tratamento de esgoto e, assim, chegam a rios e oceanos, onde são incorporados pela flora e ingeridos pela fauna.

“Quando o folião se lava, esse material vai para a rede de esgoto. Um agravante é que muitas cidades brasileiras não tratam seu esgoto, então isso é lançado diretamente nos corpos de água, o que afeta a biota desde os corpos de água doce até o destino final, que são os oceanos”, diz a professora Cassiana Montagner, do Instituto de Química da Unicamp.

No ambiente aquático, o maior problema é a possibilidade de ingestão pelos seres vivos que nele habitam. Além de o microplástico substituir um alimento sem oferecer em troca qualquer valor alimentício, o que gera desnutrição, ele oferece risco de obstrução das vias e alteração das funções do corpo. Quanto menor a partícula, maior a chance de ela ser ingerida por organismos menores, ampliando o alcance do problema.

“No caso do mar, o microplástico é ingerido pelo plâncton, que é ingerido pelos peixes, e acaba indo parar na  alimentação humana. É a mesma coisa se considerarmos o microplástico em ambiente terrestre: de alguma maneira vai parar na comida das pessoas”, diz o biólogo Cláudio Gonçalves Tiago, do Centro de Biologia Marinha da USP.

Novas linhas de pesquisas estudam também os possíveis riscos químicos associados ao glitter. Para o biólogo, um deles são os produtos químicos usados no glitter assim como os do próprio do plástico, que podem ser liberados na água.

Outra frente investiga o potencial desses plásticos de, ao entrar nos sistemas de água doce e irem parar nos oceanos, funcionarem como vetores de transporte de outros contaminantes, causando um dano químico maior. Segundo Montagner, os estudos existentes não são conclusivos.

Por se espalharem com facilidade e dada a abundância de material plástico, os microplásticos estão amplamente disseminados. Há evidências da presença deles em diversos ambientes naturais e em produtos para o consumo humano, como alimentos e bebidas. Os estudos sobre impactos para a saúde humana ainda são iniciais. No Brasil, sua presença está concentrada nas regiões costeiras do Nordeste e do Sudeste.

Diante dos riscos ambientais, fabricantes de glitter têm investido em versões ambientais, e essa tendência também chegou ao Brasil. É possível encontrar nas redes sociais, em especial no Instagram, uma vasta gama de marcas dedicadas a alternativas biodegradáveis e de cosméticos naturais que expandiram sua linha de produtos.

Em lugar de plástico, o glitter biodegradável tem componentes naturais, como celulose, óleos, ceras, agar agar, materiais alimentícios e corantes naturais.

Com preços e composições variáveis, o bioglitter é feito para deixar rastros mínimos no meio ambiente depois do uso, ao contrário do produto tradicional, que demora centenas de anos para se decompor.

Uma alternativa mais barata, para quem não pode pagar pelo bioglitter, é fazê-lo em casa. Estão disponíveis na internet vídeos no estilo “faça você mesmo” que ensinam a produzir versões caseiras.

Tiago destaca que um glitter biodegradável eficiente deve se dissolver na água sem gerar produtos químicos indesejáveis ou matéria orgânica que, em quantidades exageradas, pode causar prejuízos aos cursos d’água, como o amido. “Tudo tem que ser pensado nos termos da grande população humana que nós temos e que utilizam esses produtos.”

Uma outra sugestão que circula pela internet para evitar que o glitter chegue aos oceanos é removê-lo com lenços umedecidos. A eficácia da proposta depende, porém, de os lenços serem descartados corretamente. Na prática, o biólogo é cético. “Tirar com o lenço evita chegar ao oceano amanhã, mas vai chegar daqui a 150 anos”, diz.

Na opinião do professor de engenharia oceânica Paulo Cesar Rosman, da UFRJ, jogar um lenço umedecido cheio de glitter no vaso sanitário é o pior dos cenários, diante da precariedade de tratamento de esgoto e saneamento no Brasil.

Fonte: Made for Minds