As fake news em grupos de WhatsApp têm truques para esconder a origem, produção com nível profissional e distribuição organizada por influenciadores. São conteúdos essencialmente difundidos em grupos de apoio ao candidato a presidente Jair Bolsonaro (PSL)
É oque mostram as conclusões preliminares de uma pesquisa da Uerj (Universidade do
Estado do Rio de Janeiro) e do grupo INTC (Instituto Nacional de Tecnologia e
Pesquisa), que acompanham desde maio grupos a favor do candidato no aplicativo.

Os pesquisadores decidiram pelo estudo após entrevistas com marqueteiros de candidatos – feitas em estudo paralelo –, que apontaram a importância que o aplicativo teria na eleição. Um dos profissionais de campanha indicou, em entrevista anônima, as vantagens do WhatsApp: criptografia garantindo o anonimato das postagens, CEPs para se direcionar mensagens a números específicos e chips laranjas pré-pagos para difusão de conteúdo. Assim, os marqueteiros apontavam a impossibilidade de rastreamento de notícias falsas.

Na semana passada, a Folha de S. Paulo revelou que empresários fecharam contrato com empresas para disparos em massa de WhatsApp em favor de Bolsonaro e contra o PT.

A prática é ilegal porque não é permitido a empresas financiar campanhas, nem é legal dar apoio não declarado nas contas oficiais da candidatura. O TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e a Polícia Federal abriram uma investigação sobre o caso.

Desde maio de 2018, a pesquisa da INTC e da Uerj acompanhou 90 grupos no aplicativo, analisando o conteúdo e o fluxo de informações. Desses grupos, 52 eram conservadores ou ligados diretamente ao presidenciável do PSL; outros 18, de apoio ao PT ou a Fernando Haddad; nove suprapartidários e outros de candidatos já fora da eleição como Ciro Gomes (PDT), Geraldo Alckmin (PSDB) e Marina Silva (Rede). Constatou-se, durante o processo, que os grupos ligados a Bolsonaro eram mais ativos e numerosos e, por isso, a pesquisa se concentrou neles.

No monitoramento, percebeu-se um predomínio de ataques contra o PT e pautas anti-esquerda, mais do que apologias ao próprio candidato do PSL. “São muitos tipos de conteúdo. São informações falsas, ou distorcidas. Também chamam para mobilizações.

“Vão na enquete do Facebook porque tem uma questão da candidatura.” “Vão dar dislike em um artista que declarou apoio a outro candidato.” Há também mobilização em relação a veículos de imprensa e seus conteúdos. É uma vacina em relação ao conteúdo da mídia”, analisou a coordenadora da pesquisa e professora de comunicação da Uerj Alessandra Aldé.

“Também é visível que o foco em memes e notícias não está relacionado a memes cômicos, mas a memes de denúncia com informações supostamente inéditas que estariam sendo escondidas do público e precisam ser compartilhadas urgentemente”, relata a pesquisa.

O estudo constatou alguns pilares de discussões nos grupos de WhatsApp próBolsonaro:
modelo de família tradicional e imposição de discussões de gêneros, segurança pública e expansão da “ameaça comunista”.

O conteúdo apresentado não tem um formato amador, como poderia se esperar em
grupos só de eleitores mobilizados. “A produção de conteúdo não é amadora. Desde maio, antes da campanha, já funcionam com produção profissional. Não é um ou outro conteúdo. São memes, vídeos, imagens”, diz Aldé.

Fluxo de informação

Com a impossibilidade de se identificar a fonte originária das notícias falsas, a pesquisa conseguiu identificar que há números de telefones mais ativos na distribuição das fake News (notícias falsas veiculadas como se fossem verdadeiras) e também na coordenação de grupos. E, entre esses perfis mais influenciadores, uma a cada 30 mensagens são enviadas de números do exterior, o que pode ser usado para disfarçar a origem das notícias.

Esses influenciadores têm participação em mais de um grupo do WhatsApp ligado a Bolsonaro, atuando como conexão entre eles. “Embora as interconexões entre grupos estejam bem espalhadas, as postagens dentro de cada grupo mostram uma lógica extremamente concentrada em torno de pessoas muito ativas, em que muitos apenas reagem e a maioria observa”, analisa pesquisa.

“Alguns números (de telefone) têm peso nesta distribuição e são os que mais se manifestam. A maioria não se manifesta. Mas essa maioria tem um papel na distribuição para outros grupos. Tem gente controlando o fluxo dessa distribuição. Estão sempre pedindo: ‘Distribui no grupo de trabalho, na família'”, conta Aldé.

Um exemplo: o estudo acompanhou a difusão de uma notícia falsa relacionada à suposta fraude nos resultados das urnas onde teria havido uma anulação em massa de 7,2 milhões de votos. Difundida principalmente em 10 de outubro, após o primeiro turno, esta notícia atingiu 41 grupos de WhatsApp, todos ligados a Bolsonaro. Foi compartilhada 202 vezes dentro dos grupos, não tendo atingido nenhum dos apoiadores de outros candidatos.

A pesquisadora Alessandra Aldé ressaltou que, para além da organização de influenciadores, os apoiadores de Bolsonaro têm uma participação bem mais ativa nas redes sociais há bastante tempo, o que compensa a falta de capilaridade do
PSL. “Bolsonaro vem trabalhando bastante nesta questão da internet há tempos. É um fenômeno de internet e tem um grande número de apoiadores”, disse ela.

Campanha vinculada

Dentro do ambiente dos grupos pró-Bolsonaro, além de ataques a adversários, houve pedidos de votos vinculados em deputados estaduais, federais e senadores. A pesquisa da Uerj e INTC constatou que “santinhos” virtuais estavam circulando dentro do grupo.

Além dos candidatos do PSL, foram verificadas indicações também para candidatos como Wilson Witzel (PSC) ao governo do Rio de Janeiro. “Com certeza teve em relação ao Witzel aqui no Rio. Vem a listinha de senadores e governadores. Às vezes há questionamentos de os indicados não serem do PSL que é o partido do Bolsonaro. Mas os influenciadores, acho que podemos chamar assim, dizem que neste estado o PSL não lançou candidato”, afirmou Aldé.

 

 

Fonte: Uol