Por Luciana Pettenon Paiva

Durante esse tempo de distanciamento social tenho visto, com certo desconforto, muitos memes e piadas sobre o casamento, vindo de homens e para homens. As piadas têm como foco a convivência full time forçada e como isso tem sido difícil para eles, já que agora precisam “agüentar” suas parceiras por mais tempo. Uma delas perguntava se eles pudessem escolher, pós pandemia, entre um churrasco só com amigos ou uma viagem pra qualquer lugar do mundo com a esposa, o que eles iriam preferir: carne mal passada ou ao ponto. Outra dizia que a pandemia foi criada por uma mulher muito esperta, no intuito de privar os parceiros do futebol e cerveja com os amigos. Enquanto isso, os memes produzidos de mulheres para mulheres, falam da sobrecarga com os filhos sem aulas por exemplo.

Enfim, a convivência conjugal de fato não é muito fácil, principalmente se não houver um esforço mútuo para que liberdade e individualidade sejam preservadas e fomentadas,  mas o casamento não precisa estar envolto nessa aura proveniente do machismo.

É muito recente que a mulher tenha voz, é muito recente e ainda está em construção, um espaço onde a mulher possa manifestar seus desconfortos. Nossas avós precisavam permanecer casadas mesmo sofrendo abusos físicos e psicológicos, traições e ausências para não serem socialmente marginalizadas. Os homens podiam tudo, as mulheres só o que era permitido. A balança estava fraudada em favor deles.

Hoje é cobrado dos homens a divisão de tarefas domésticas, a divisão na educação dos filhos, comprometimento, responsabilidade afetiva e cuidado com o parceiro. Essas “novas” atribuições ainda são recebidas com peso. Talvez por isso a vida conjugal seja vista como castradora para muitos homens. Game over, acabou a liberdade, acabou a vida.

A transição para uma realidade com mais responsabilidades, tendo toda essa herança confortável de uma sociedade patriarcal, torna mais difícil que os homens abandonem a síndrome de Peter Pan (que é a negação da entrada na vida adulta);  aliado a isso, as mulheres estão cada vez mais conscientes de que não precisam tentar (e falhar) ser a projeção da grande mãe para manter um casamento, como bem disse Silvia Duffrayer na versão da música Mulheres: “Eu não sei por que tenho que ser a sua felicidade, não sou sua projeção, você é que se baste. Meu bem, amor assim quero longe de mim”.

Por outro lado, muitas mulheres que são fruto dessa mesma sociedade patriarcal e machista, onde o papel da figura paterna era naturalmente negligente, ausente ou autoritária, tendem a projetar esse abandono nas relações conjugais. Essa projeção acaba gerando dependência e conseqüentemente uma relação pouco saudável.

Muitas relações desastrosas têm essa configuração, de um lado estão homens ausentes em vários aspectos da vida adulta, muitas vezes fomentado por uma mãe devoradora; do outro, mulheres buscando proteção e comprometimento pra preencher a lacuna de um abandono paterno.

Uma estrutura social e familiar mais igualitária contribuiria para a construção de indivíduos mais saudáveis, porque embora estejamos todos submetidos a um sentimento de incompletude (e buscamos nos saciar de formas diversas), muitas mulheres com todas as limitações impostas,  ainda são levadas a eleger o casamento ou a maternidade como esse objeto capaz de suprir sua falta. Dessa forma, quantas rasteiras da desigualdade de gênero são necessárias para a construção de uma mãe castradora? Quantos complexos serão constelados a partir do convício com essa mãe? E quantas mulheres no âmbito conjugal sofrerão o impacto de uma psique masculina construída nessa estrutura?