“Às vezes eu tô no rolê e as pessoas me perguntam, o que você faz?, quando eu respondo que sou faxineira elas fazem cara de choque, como se ser faxineira fosse uma coisa ruim. Acho isso bizarro. Gente, é um trabalho que eu gosto”. Quem dá a letra é Veronica Oliveira, faxineira com muito orgulho e criadora da página “Faxina Boa”.
Lá, ela fala principalmente sobre empoderamento das diaristas e curiosidades do seu trabalho e rotina (como, por exemplo, o fato de seus clientes terem gatos com nome de comida e suas músicas preferidas para faxinar). E também defende da dignidade da profissão.
“Às vezes vejo, por exemplo um publicitário achar que é melhor que eu. Como assim?
Somos todos prestadores de serviço, tudo pejotinha”, ri Veronica, que tem 38 anos, 2
filhos e hoje, além de faxineira, é uma influenciadora digital. Já fez parcerias com marcas
como Bradesco, Youtube, Twitter, Google.
“A minha vida é engraçada, porque uns dias estou fazendo faxina e nos outros estou em
uns eventos chiques e ainda ganho cachê”, ela ri, ainda incrédula com todas as
mudanças que aconteceram na sua vida nos últimos anos.
Ela também já faz publieditorial de produtos de limpeza, recebe mimos, “toda
blogueirinha”, faz presença vip em eventos.
Faxina e Meme
Tudo isso era impossível de imaginar quando, determinada a largar a vida de assistente
de telemarketing e com dois filhos para criar (um deles é autista), Verônica postou um
anúncio no Facebook oferecendo seus serviços de faxina.
Corta para 2016. “Eu via uns anúncios de faxineiras no Facebook que eram muito tristes,
muito para baixo, aí resolvi fazer umas coisas mais diferente, peguei pôsteres de umas
séries e filmes que eu gusto, como “Kill Bill” e fiz montagens com as minhas fotos.
Viralizou.
Hoje, tem seu próprio grupo de clientes escolhidos a dedo. “Prefiro trabalhar com jovens
que me respeitam, que acabam virando meu amigos. Diria que a minha clientela é
basicamente formada por hipsters”, ela conta, lembrando que o trabalho não é tão difícil,
já que a maioria mora em apartamentos pequenos e não têm filhos.
Ela faz três faxinas fixas por semana e outras ocasionais. Nos outros dias, dá palestras
de motivação para estudantes e para funcionários de empresas. Tem assessor de
imprensa, foto de divulgação e se prepara para lançar seu canal de Youtube.
Quando ela poderia pensar que isso ia acontecer?
Telemarketing e depressão
Veronica começou a fazer faxina depois de dez anos trabalhando com telemarketing.
“Engravidei muito cedo. Fui mãe aos 17 anos. Aí, parei de estudar. Acho que o único
emprego que tive na vida foi com telemarketing. Trabalhei 10 anos nisso. Era mãe solo,
por isso, trabalhava de noite e minha filha mais velha tomava conta do menor durante o
dia. Não ganhava muito, mas dava para pagar as contas e ter uma vida ok. A empresa
pagava R$ 2,5 mil, mais plano de saúde e R$ 800 de ticket refeição. Até que a empresa
faliu”.
Isso aconteceu em 2015 e, depois de muito procurar um emprego no mesmo nível, ela
se viu obrigada a aceitar um em que ganhava R$ 1000. “Para cada filho, era descontado
R$ 100 por causa do plano de saúde. No final, ficava com R$ 700. Como eu iria pagar
aluguel assim?”
Nesse período, ela perdeu a casa, foi morar em uma ocupação na Zona Leste. “Era
muito precário. Um cortiço de madeira. A gente dava o dinheiro na mão de uma senhora,
até hoje não sei quem é o dono de lá.” A falta de dinheiro, de casa, fez com que ela
tivesse depressão, síndrome do pânico e tentasse se matar. Hoje, enxerga esse período
terrível com humor. “Eu fiquei me segurando no trabalho, mesmo mal, por causa do
seguro de saúde, o que acabou sendo bom, porque fui internada em uma clínica
particular ótima.”
Saiu da clínica bem, medicada e, um dia, visitando uma amiga, começou a limpar a casa
dela. “No fim, a minha amiga me pagou R$ 150 e pensei que podia viver disso e não
voltar para o telemarketing nunca mais!”
Começou a atender amigos, até que fez o anúncio no Facebook e sua vida mudou.
Há seis meses, tem agência que cuida dos seus contratos. “Eles me impedem de fazer
burrrada, porque já fechei contrato por valores ridículos, que eram tipo 800 vezes
menores do que devia ter cobrado. Ainda fico muito impressionada com os valores”.
Com a faxina e as palestras, Veronica conseguiu mudar de casa. Hoje, mora com o novo
marido e os filhos em um apartamento em Itaquera. “Ainda moro na quebrada, mas é
um apartamento bom, de dois quartos, com área de lazer para os meus filhos.” Paga
também a faculdade da filha, de 19 anos, e uma escolar particular para o filho. “Esse
mês vou conseguir voltar também para o plano de saúde”, comemora.
“Que horas ela volta?”
Mas não, a vida de Veronica não é um conto de fadas. “Uma vez fui na casa de um cara
que não me deixou comer, como se eu fosse sujar os talheres da casa dele. Fiquei
chocada. Mas chamei um iFood, a maior comidona. Quando tocou a campainha, falei
para ele: é a comida que encomendei”.
A outra história foi mais pesada. “Eu ainda morava no cortiço e fui fazer faxina na casa
de uma senhora que tinha visto uma reportagem sobre mim na televisão e ela ficava
falando: nossa, deve ser horrível não ter casa, né? Ficou me perseguindo, me
chamando de lerda. Uma hora me mandou limpar a escada da casa com a mão e disse
que passaria o dedo para checar se estava limpo. Fiquei trancada no banheiro chorando,
com ela do lado do fora falando que eu ia me atrasar. Foi uma situação onde eu
realmente me senti muito mal. Por isso, hoje prefiro ficar com meus clientes. Atendo
principalmente mulheres, homens, só com indicação. São pessoas que pensam como
eu, me respeitam.”
Mesmo assim, tem contato quase diário com a situação de outras faxineiras. “Recebo
relato de pessoas que trabalham 12 horas por R$ 70, é uma coisa absurda. E também
de pessoas que se sentem mal por fazerem faxinas, nunca pensei que isso existisse,
mas existe e muito.”
Todas juntas
São com essas injustiças que ela quer trabalhar agora. Com o sucesso da página, ela já
contratou uma outra faxineira para trabalhar com ela. “Cobro R$ 180, fico com R$ 30 e
ela com R$ 150. Os aplicativos em geral cobram mais da metade das faxineiras, quero
fazer uma plataforma para mulheres trabalharem assim, que seja justa, que as ajude.”
Seu projeto não tem sido tão bem recebido pelas empresas que podem patrociná-los.
“Já ouvi coisas do tipo, mas como assim você quer trabalhar sem explorar o outro? Você
tem que pensar primeiro em você. Acredita que falaram isso para mim?”
Veronica pensa também em criar uma plataforma de formação para diaristas, em que
elas possam ser profissionalizadas, saber quais são seus direitos, como cobrar. “Tenho
que encontrar uma empresa que banque fazer isso comigo. Não quero cobrar das
meninas, porque são pessoas pobres, que estão precisando.”
Largar a faxina não está nos seus planos. “Fui convidada para trabalhar como Social
Media em uma agência. Iriam me pagar R$ 4 mil. Falei que não, que com meu trabalho
de faxina tinha tempo para tomar café da manhã com a minha família. E disse também
que podia ganhar mais com faxina. Acho que se sentiram ofendidos por isso”, ela conta.
E solta outra gargalhada.
Alguém duvida que ela vá conseguir realizar todos esses projetos?
Fonte: Universa
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