Argentina legaliza aborto – Foto: – Yamila Nair Williams

“Legalizar o aborto é quitar uma dívida com o passado. Com nossas mães, avós e bisavós, para as quais a interrupção da gravidez era um terror, que deixava cicatrizes e significava a perda de uma irmã, mãe, uma amiga”, conta à Marie Claire a atriz argentina Jazmín Stuart, de 44 anos. Ela é membro do grupo feminista Actrices Argentinas, que reúne cerca de 200 membros em busca de uma sociedade que preze pelos direitos e vidas das mulheres. Jazmín foi uma das milhares de mulheres que acompanharam na Praça do Congresso argentino, voto a voto, a decisão histórica do Senado de legalizar o aborto voluntário no país.

Argentina legaliza aborto – Foto: – Yamila Nair Williams

A atriz descreve o momento da aprovação da lei como uma “explosão”. “Foi um misto de felicidade e choro. Uma profunda sensação de futuro, de abrir portas para todas as gerações que estão por vir”, conta. Agora, as mulheres que decidirem interromper a gravidez podem realizar o procedimento de maneira gratuita e segura no sistema de saúde.

O Senado aprovou na madrugada desta quarta-feira (30) a legalização do aborto até a 14ª semana de gestação por 39 votos a favor, 29 contra e uma abstenção. Até então, a lei de 1921 considerava o aborto crime, exceto em caso de estupro ou risco de vida da mãe. “Esse ato de coragem por parte da sociedade e do Estado, de olhar esse tema de frente e resolvê-lo pelo sistema de saúde, é um ato de maturidade imenso. Creio que é contagioso, que vamos contagiar os outros países da América Latina com essa maturidade e essa coragem”, brada Jazmín.

Legalização do aborto é aprovada pelo Senado da Argentina (Foto: Via Jazmin Stuart)
Legalização do aborto é aprovada pelo Senado da Argentina (Foto: Yamila Nair Williams)

O grupo Actrices Argentinas foi fundado em março de 2018 e tem como pautas campanhas de conscientização sobre direitos das mulheres, que incluem reuniões com deputados e senadores, trabalhos de acolhimento para vítimas de violência e abuso, entre tantos outros temas da luta por uma sociedade justa para mulheres e populações minorizadas. “O que precisamos é mudar um sistema enraizado, acabar com o sistema patriarcal e isso vai levar muito tempo”, afirma.Onda Verde

A luta pelo aborto legal e seguro na Argentina chamou atenção do mundo em agosto de 2018, quando milhares de mulheres se reuniram para pedir ao Congresso a legalização da interrupção da gravidez. A campanha #AbortoLegalYa foi marcada, também, pelos lenços verdes usados por essas mulheres.

Na época, o projeto foi aprovado pela Câmara dos Deputados, mas rejeitado posteriormente pelo Senado. “Já vivemos essa situação. Estávamos nervosas, mas era uma situação familiar. Sabíamos tudo o que poderia acontecer, mas desta vez, realmente precisávamos que a lei fosse aprovada. Trabalhamos muito, nossa organização e todas as outras”, lembra.

Nas redes sociais, o presidente Alberto Fernádez se pronunciou sobre a nova lei. Durante a campanha eleitoral, o então candidato prometeu criar um projeto que transformasse o aborto em um procedimento legal e seguro. Fernández foi eleito no 1º turno em outubro de 2019, derrotando o ex-presidente Mauricio Macri.

Argentina legaliza aborto no país (Foto: Yamila Nair Williams)
Argentina legaliza aborto (Foto: Yamila Nair Williams)

“O aborto seguro, legal e gratuito é lei. Prometi fazê-lo em dias de campanha eleitoral.
Hoje somos uma sociedade melhor, que amplia os direitos das mulheres e garante a saúde pública”, escreveu o presidente no Twitter.

Em nível global, a Organização Mundial da Saúde relata que entre 4,7% e 13,2% das mortes maternas que ocorrem a cada ano podem ser atribuídas a abortos inseguros. De acordo com informações do Ministério da Saúde argentino, em 2016, 39.025 mulheres e meninas foram internadas em hospitais públicos por problemas de saúde causados ​​por abortos espontâneos ou outros, sendo 5.816 meninas e adolescentes com idades entre 15 e 19 anos. 348 tinham entre 10 e 14 anos

Jazmín reforça que a luta feminista ainda tem muito trabalho pela frente. “Agora temos que fiscalizar o processo da legalização e estar atentas para que a lei se aplique em todos os cantos do país. Deve-se ensinar educação sexual em todas as escolas, sem desculpas, sem demora, sem impasses. O acesso gratuito a contraceptivos também tem que ser implementado”, afirma.

Ela cita a pressão dos grupos anti-aborto em barrar a pauta, muitos por motivações religiosas, lembrando que o Estado e a igreja são instituições diferentes e pede pelo fim da influência da religião cristã na legislação. “Não exitem países sem aborto. Os países se dividem entre os que realizam abortos clandestinos ou abortos legais”, completa.

Argentina legaliza aborto no país (Foto: Yamila Nair Williams)

Fonte – Marie Claire via Globo.com