Elvio Marques​- Especial para a Gazeta 


É 1° de novembro, uma sexta-feira, sob uma leve sombra de chuva que caíra no dia anterior, na partida de outubro, dando abertura ao novo mês,os moradores da pacata Figueirópolis, sul do Tocantins, cerca de 270 km de Palmas, caminham ou percorrem em seus veículos (bicicletas, carros, motos, com ou sem companhia de seus cachorros), em uma estrada de chão (claramente sem investimento público) com destino aocemitério ou campo santo, como os mais velhos o chamam. Baldes de água, panos de chão, flores ou plantas, velas e muita disposição para manter viva a tradição cultural de preparar a “morada” dos seus que partiram, de familiares à amigos, para que os visitantes do dia 2 de novembro, o tão conhecido dia de finados, possam “visitar”.

 

A tradição secular se repete em todo o Estado.
Porquanto, a tradição de ir ver os túmulos dos falecidos não se limita ao dia 2 de novembro, nodia dos finados, dos mortos, dos que estão na eternidade (como é litúrgico na cultura religiosa cristã católica). Para alguns, deixar sempre organizada a “morada” dos entes queridos, dura o ano inteiro. É o mesmo que preparar a casa para a visita de quem se aproxima. É tradição e precisa ser respeitada.


Tudo começa no dia anterior, com a união de familiares, a compra de flores e velas no comércio local, segue com um movimento intenso durante todo o dia, no cemitério local, com um vai e vem de arrumar, limpar, decorar e organizar. “Tem água aí?”, “Me empresta esse pano”, “Cadê as velas?”, “A prefeitura nem pra colocar mais torneira!”, “O outro acha que é dono da torneira”, “Tu esfrega, eu passo pano!”, “Pega lá as flores”…É o que se escuta o tempo todo. Tudo precisa estar pronto para o próximo dia, até porque quando o cair do sol chegar, não tem iluminação no local (mais falta de investimento do poder público), só se vê as velas já preparadas para chegada do grande dia e ainda uma luz da lua, aquela que só se nota no interior.

No dia 2, o sol preguiçoso vai raiando o dia, a comunidade (os visitantes) ou os que prepararam para visita dos que partiram começam a chegar. É uma renovação de flores, um brilho nos túmulos, as vozes de cumprimentos de amigos, de vizinhos, de familiares; gritos de criança correndo, a oração do terço do grupo católico da Paróquia São João Batista, e até um choro ou lágrima já se vê. Às 7h, as velas já estão raiando luz no cruzeiro e nos túmulos enfeitados, e a movimentação está ainda maior. Chega às 8h, o Padre convida para a missa, embaixo de tendas, com poucas cadeiras (aqui novamente ausência do poder público no evento tradicional) e a toada de cantos e rezas, marcam a manhã dos fiéis católicos, dos simpatizantes pela tradição. Velas abençoadas pelo pároco são distribuídas. Os que ainda não visitaram segue de tumulo a tumulo, lembrando, vendo a arrumação, acendendo velas, alguns chorando os que partiram nestes últimos dias. É até tempo de ver aqueles amigos ou parentes (vivos) que há tempos não se viam na cidade.


E acreditem, o cemitério já anuncia que daqui a alguns meses ou anos, já não suportará mais enterrar os figueiropolinos. Ficou pequeno o lugar. “E onde vai ser enterrado o resto do povo que ainda morrerá?”, pergunta os moradores. Um novo desafio para a gestão municipal ou até estadual. Só para relembrar, falta estrutura local, de água, de iluminação, de limpeza e de pavimentação.


O dia todo completa o ponto forte da tradição, da visita às homenagens. É cultura tradicional que mudam-se os tempos, adaptam-se, mas permanece viva. Partiram os mortos, e vive a lembrança.