*Por Carolina Dini

O que cozinhar te ensina sobre viver a vida (ou como ser uma pessoa melhor com as lições que a cozinha te dá)

Sempre quis ser uma dessas avós que se negam a acreditar que os netos já comeram o suficiente. Bolo, broa, carne, macarrão. Sabe aquela terceira coxa de frango que escorrega na direção do seu prato e você, satisfeito, mas besta de tudo, insiste em recusar? Pois ela tem o poder de elevar a alma em suspiros e renovar nossa tão golpeada humanidade.

O caldo de galinha cozido com vegetais frescos em fogo baixo é capaz de penetrar nos nossos ossos, devolvendo cada perda acumulada durante o dia. A boa cozinha te desperta para uma nova existência, abraça a gente por dentro. O que quero dizer, caro leitor, é que essa coxa se resume na expressão do mais puro amor.

E o ato de cozinhar, pasmem, é uma lição pra toda vida.

Cozinhar é saber que cada coisa tem seu tempo

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Pra ostentar o avental dignamente, é preciso saber esperar e deixar as coisas, por vezes, se desenvolverem sozinhas, sem nosso controle egoísta. Cada ingrediente tem seu tempo de cocção e sua individualidade.

O arroz arbório, por exemplo, próprio para risoto, precisa ser mexido vigorosamente, sem interrupção, até que se mostre pronto. Já o arroz agulhinha precisa descansar macio em chama branda, sem interferências. Cozinhar envolve dedicação, espera e perspicácia. Não adianta gastar todo o seu tempo picando alho e cebola meticulosamente para tentar compensar depois puxando os dois em fogo bem alto.
O amor exige a mesma espera e organização. Cada gaveta do relacionamento pede uma atenção específica. O outro não anda no mesmo tempo da gente, e reconhecendo isso, finalmente aprendemos a deixar tudo fluir, como se abandona um caldo borbulhando enquanto as outras panelas carecem de um olhar constante.

Cozinhar é respeitar o tempo das coisas.

A cozinha te deixa mais democrático

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Sim, comida entra primeiro pelos nossos olhos e narinas. Entretanto, mesmo que você seja discípulo do Alex Atala, deve saber a hora de recolher humildemente seu paladar aguçado para não ser pedante a ponto de exigir que o cachorro-quente de cinco reais da esquina não apresente acidez no molho.

Cada comida pede uma vestimenta, uma cara, uma tradição. Tem aquela que tem que ser de prato cheio e tem a comedida, montada à pinça. Tem comida com cara de mato e tem a metida a cosmopolita.

Do prato de três dígitos montado no aclamado restaurante ao lanche recém saído da chapa questionável do bar do Seu Nonô, toda comida tem sua hora e seu lugar. Portanto, comporte-se na frente de uma delas.

Saber cozinhar é um estilo de vida

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Comida é componente essencial da boa saúde. Ela perpetua tradições, nos remete à infância e acalenta os coraçõezinhos. Como tudo na vida, há dias de permissões, fartura e bonança, como também há dias de suco detox, sopinha e chá verde.

Quando o check-up anual dá o alerta, por mais que doa seja sacrificante, precisamos parar um pouco, esquecer do prazer que e a gordura e o açúcar proporcionam para traçar metas e aderir às receitas e vivências menos calóricas por pura preocupação com a livre fluidez do sangue nas veias.

Ainda assim, se olharmos bem, cada alimento e cada fase da vida tem sua beleza. Se permita dedicar, na próxima refeição, toda sua atenção às garfadas que levar à boca. Cheire sua comida, mastigue devagar, sinta a textura dela, e se possível sente à mesa com quem você ama. Não fale de dinheiro ou política enquanto come. Faça como os franceses, prefira opinar sobre vinho e temperos, ou simplesmente desfrute o momento em silêncio. É engrandecedor.

Quando você toma consciência do que está comendo, se atenta às funções dos alimentos e às vitaminas e ao que seu corpo de fato precisa, fica a um pulo pra fazer do que você come seu remédio e altar. Não é à toa que somos a única espécie que cozinha seu alimento.

Para aprofundar essas relações, leia o artigo aqui da casa, “Matar a fome, comer direito, nutrição: como lidamos com a nossa alimentação”, da Débora Navarro:

Ainda, a intensidade com que nossas emoções interferem na sensação de fome e de saciedade é bastante particular em cada indivíduo, mas de forma geral, desde bebês crescemos e passamos a interpretar a comida como resposta e solução aos problemas, pois nossos responsáveis nos afagavam com comilança a cada lágrima ou desconforto.

Quando estamos tristes, procuramos os alimentos açucarados, um desejo químico, pois os açúcares são necessários para a produção de opióides que nos provocam a almejada percepção de bem estar, mas, devido à facilidade de obtermos uma barra de chocolate e à correria que colocamos em nossas vidas, esquecemos que o sol, os exercícios, os abraços e os orgasmos também liberam esses opióides, mais intensamente e com efeitos mais prolongados.

Essa retomada necessária do nutrir-se e não do alimentar-se é dificílima. Digo por mim, que penso em comida o dia inteiro e fico verdadeiramente emocionada com um belo pernil. Ao invés do simples contar calórico, precisamos fazer uma pequena reflexão do que o alimento que estamos prestes a ingerir fará por nós e pelas nossas reações químicas.

Cozinha te ensina a gostar dos erros

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Cozinhar é aprender o caminho da alma. É trabalhar a paciência, deixar o ego de lado nas horas que as coisas saem do controle e aceitar com humildade a ajuda do amigo pra picar os probleminhas, digo, a cebolinha.

Se enveredar pelos livros de receita parece chato e muito trabalhoso no começo, mas com tempo e muita sifudência, a gente aprende a improvisar aproveitando o que se tem na geladeira, ou melhor, na manga, com mais inteligência.

Seguiu as instruções todas mas perdeu grana investindo naquele cozido que prometia ser de fácil execução? Acontece. Vai lá, tenta de novo. Questione em qual parte poderia melhorar para dar certo na próxima vez. O gostoso da vida é aprender com as sifudências e se apaixonar por elas! É uma guerra surda que, no fim, a gente acaba ganhando.

Cozinhar muda o mundo

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Quando um agricultor produz um alimento fora de sua safra natural, ele lança mão de mais insumos para melhorar a produção. Isso compromete o solo, o clima e sua saúde. O morango é a fruta que serve bem pra exemplificar essa situação: fora do mês de agosto, seu preço é triplicado e o gosto definitivamente não é o mesmo, pois o uso de adubos químicos e defensivos agrícolas fazem com que a fruta não apresente tantos nutrientes.

Portanto, faça amizade com o dono do hortifrutigranjeiro, procure saber a origem do que está comprando, aprenda a reaproveitar, se familiarize com a época das frutas, verduras e legumes, cole na geladeira uma listinha com o calendário dos vegetais e dê uma olhada antes de sair para o mercado. Fevereiro, por exemplo, é o mês do quiabo, banana e cenoura. Usar essa simples informação ajuda seu bolso, contribui com o meio ambiente e torna sua comida ainda mais saudável e apetitosa.

Além disso, usar as frutas e verduras da estação te desafia a buscar novas receitas e a fazer combinações surpreendentes e genuínas.

Para aprofundar essas relações, leia o artigo aqui da casa, “Cozinhar em casa é um ato político”, do Eduardo Pinheiro:

Não há quem chegue numa idade de esclarecimento sem decidir que não pode sair por aí comendo qualquer coisa. Vemos em nós mesmos ou nos familiares grandes dificuldades na forma de doenças associadas a estilos de vida insalubres e isso em grande parte é consequência da alimentação.

E comer direito, quando toda a sociedade e as corporações nos pressionam a comer errado, e nossa própria mente em estado de descontrole químico faz o mesmo, é natural e fácil para muito pouca gente. A maioria de nós é vítima de si mesmo e do estado de coisas, e não adianta sair para a rua e fazer passeata.

Tem que abrir tempo, fazer feira, e usar o fogão de casa.

Saber cozinhar te faz amar as coisas mais simples

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Nos rincões da cozinha, as ninharias fazem diferença. Sejam as ínfimas gotinhas de essência, uma dose de conhaque, uma pitadinha de especiarias, um grão de mostarda e aqueles temperinhos frescos que você, quando menos der conta, vai inevitavelmente passar a cultivar no cantinho esquecido do seu apartamento, perfumando de quebra todo o ambiente.

Tudo é válido.

Num mundo de plástico, onde terceirizar a cozinha e consumir cada vez mais alimentos processados tornou-se sinônimo (vendido) de riqueza e economia de tempo, cozinhar é libertador.

O resultado do interesse pelo seu alimento é inebriante e a conclusão inevitável: se alimentar vai muito além do ato de comer.

Cozinha é lugar pra dançar, tirar folga dos problemas, despir os preconceitos, adorar o novo, apreciar os detalhes, fazer do simples algo especial, afinar o paladar, testar nossos limites, inovar, meditar sobre o correr dos dias, associar olfatos, fazer da pimenta e dos problemas ardidos algo agridoce, ganhar experiências, se fartar com novos cheiros, misturar sabores.

Do que mais a vida não é feita senão disso? Agora me dá licença que o fogão tá me chamando. 

Por Carolina Dini

Carolina Dini descobriu o gosto pela cozinha há cinco anos e desde então começou a fazer cursos na área e reúne os amigos em casa toda semana para fazê-los de cobaia nos experimentos culinários. Publica receitas gastronômicas autorais no blog www.cebolanamenteiga.com, escreve críticas culinárias, presta consultoria para restaurantes e dá dicas em seu Instagram: @carolinandini

Carolina Dini descobriu o gosto pela cozinha há cinco anos e desde então começou a fazer cursos na área e reúne os amigos em casa toda semana para fazê-los de cobaia nos experimentos culinários. Publica receitas gastronômicas autorais no blog www.cebolanamenteiga.com, escreve críticas culinárias, presta consultoria para restaurantes e dá dicas em seu Instagram: @carolinandini

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