Após décadas de convivência, numa luta diária para manter as tradições e costumes da etnia e garantir o sustento dos filhos por meio da caça e do trabalho na roça, um casal indígena centenário foi separado há três anos em razão da morte do chefe da tribo e da família. Além da dor da perda, outro sofrimento recaiu sobre a viúva, uma integrante do povo krahô, hoje com 104 anos: a negativa da pensão pós-morte. Consenso nas leis dos homens brancos, o direito foi negado Instituto Nacional de Previdência Social pelo (INSS). A recusa, na prática, soou como o não reconhecimento até mesmo dos laços familiares do casal.
A reparação deste dano financeiro, emocional e também moral veio, na manhã desta quinta-feira (29/7), graças a preceitos como, por exemplo, responsabilidade social, inclusão, cidadania, garantia de promoção de Justiça célere, efetiva e eficiente enraizados no âmbito do Poder Judiciário do Tocantins, agora potencializados pelo Projeto Justiça para Todos, âncora da atual gestão do TJTO, cujo foco principal é levar, efetivamente, a Justiça aos mais vulneráveis e às minorias de uma forma geral.
Esse conjunto de fatores resultou em uma decisão judicial concedida por uma magistrada que atua no município de Itacajá (314 km de Palmas), no interior do Tocantins, Estado rico na cultura indígena. Depois de ter tido recusado o pedido da pensão alimentícia por morte do companheiro, Alcides Yaioko Krahô, falecido em abril de 2018, a indígena Joana Tepkaprek Krahô, nascida conforme os registros oficiais em 22 de setembro de 1917, recebeu da Justiça não só o reconhecimento da instituição família, bem como o direito que havia sido negado pela Previdência Social brasileira.
Despacho cidadão
O despacho da juíza Luciana Costa Aglantzakis, titular da 1ª Vara Cível da Comarca de Pedro Afonso, atuando neste feito como juiza em substituição na Comarca de Itacaja ,proferido nesta quinta-feira (29/7), determinou não só a concessão da pensão, mas deu à dona Joana Tepkaprek Krahô o reconhecimento como cidadã.
De acordo com o despacho do processo cível nº 0002378-17.2019.8.27.2723/TO, da 1ª Escrivania Cível de Itacajá, a magistrada condenou o INSS a pagar o valor mensal de um salário mínimo à indígena de 104 anos. Foi estipulado prazo de 30 dias para o cumprimento, sob pena de multa diária que varia de R$ 300,00 a R$ 20 mil. Parcelas anteriores, os retroativos, devem ser quitados de uma só vez, decidiu Luciana Costa.
O Direito e eternidade
Para a juíza, este processo foi um dos mais interessantes na sua carreira. “No momento atual de tanto sofrimento e morte, um Direito chama atenção neste processo em que se é postulado por uma indígena centenária o benefício de pensão por morte devido ao falecimento do seu companheiro, também centenário”, ressaltou a juíza. “O desafio da vida é de encarar a morte e exercer direitos e a autora, sem falar o português e de elevada idade, busca apoio do Poder Judiciário diante da negativa do INSS. Hoje enxergo que o Direito não tem idade, convive com a eternidade”, complementou.
A negativa do INSS
Conforme a sentença da magistrada, o INSS havia negado o pedido “tendo em vista falta de comprovação de união estável, com base no Art. 122 da IN 77/2015” e que “os documentos apresentados não foram suficientes para comprovação da manutenção da união, tendo em vista documento mais novo apresentado tratar-se documento de filha em comum com nascimento em 1960”. Ainda de acordo com a sentença, o INSS justificou “ausência de qualidade de dependente econômica da requerente – não comprovação da união estável ao tempo da morte”.
Seu companheiro, Alcides Yaioko Krahô, faleceu com 101 anos na data de 29 de abril de 2018. O advogado Pedro Lima de Souza Júnior, que assistiu a indígena no processo, juntou documentos da existência dos filhos do casal, e declaração da Funai, segundo a qual, “o indígena falecido nasceu na Aldeia Pedra Branca, e com 16 (dezesseis anos) casou e mudou-se para aldeia de Campos Lindos, Terra Indigena kraho, onde praticou agricultura de subsistência até sua morte”. “A parte autora anexou ao processo início de prova material, demonstrando, de maneira inequívoca, que a pessoa falecida exercia atividade rural, pois era aposentada rural na data do seu óbito, e que teve filhos em comum com a autora, enquadrando-se no conceito de segurado especial do Regime Geral de Previdência Social”, ressalta a magistrada em seu despacho.
Firmeza, celeridade e sabedoria
O advogado Pedro Lima de Souza Júnior disse considerar que a decisão deve ser referência para outras comarcas brasileiras. “Ao analisar o referido processo, a magistrada Luciana Costa Aglantizakis conseguiu enxergar e julgar com firmeza, celeridade e sabedoria o Direito desta centenária indígena, integrante da comunidade krahô do município de Itacajá. Prática que deveria ser adotada pelas demais comarcas do território brasileiro”, ressaltou o profissional do Direito.
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