Inspirado em sua longa viveência com os povos indígenas, em especial o povo Krahô do Tocantins, o indigenista Fernando Schiavini lança, com co-autoria de Paulo César Araújo, lança o livro “O Amanhã é Tribal”, que propõe um modo de vida inspirado nos sistemas tribais antigos, incorporando elementos modernos de organização grupal e utilizando tecnologias modernas sustentáveis.

A obra será lançada no Memorial dos Povos Indígenas, em Brasília, nesta sexta, 10, a partir das 19 horas. O lançamento integra uma programação mais ampla, que inclui exposição a fotográfica Brasil Krahô – Filhos do Cerrado, de Leopoldo Silva.

O patrocínio é da Lei Aldir Blanc, via Governo do Tocantins, com apoio do Governo Federal – Ministério do Turismo – Secretaria Especial da Cultura e Fundo Nacional de Cultura.

Autor e co-autor

Fernando Schiavini é mineiro, 70 anos, atuando há quase 50 anos junto a populações indígenas na Amazônia. Foi perseguido durante a ditadura militar e anistiado em 1994. Recebeu vários prêmios nacionais e internacionais pelo seu trabalho de recuperação das sementes tradicionais indígenas junto ao povo Krahô, do Estado do Tocantins. “O Amanhã é Tribal” é a sua quarta obra publicada. A primeira, “De Longe Toda Serra é Azul Memórias de um Indigenista”, de caráter autobiográfico, é tema de um filme para cinema, que deverá ser lançado no segundo semestre de 2022.

Paulo César Araújo, 58 anos, é natural de Caxias (MA). Líder estudantil secundarista e ativista político, graduou-se em Administração, com Pós Graduação em Gestão de Projetos, Cooperação e Metodologias Colaborativas. Desde que teve contato com as Metodologias Colaborativas, em 2011, iniciou um novo ciclo de vida e colocou-se em movimento para realizar um sonho: “mudar o mundo, mudando a si mesmo, a partir do seu quintal”, onde mantém uma oca o ninho do dragão”, onde faz fogueiras e administra cursos, oficinas, sonha, planeja, realiza e celebra projetos pela grande virada.  É presidente do Instituto Regenerativo Tempo de Plantar, que mobiliza todos os anos a sociedade para plantar um milhão de árvores.

Confira a entrevista:

P.  Fernando, você está lançando um novo livro, bastante esperado por muitas pessoas. Conte-nos um pouco sobre ele.

F. Penso neste livro, no tema, desde a década de 1980. Comecei a escrevê-lo em 2015, pensando em terminá-lo e publicá-lo rapidamente, mas somente agora ficou pronto. Um longo parto, portanto.

P.  Porque tanto tempo, afinal?

F. Primeiro, porque é um assunto altamente complexo, do ponto de vista antropológico e sociológico. Como não sou acadêmico, confesso que algumas vezes me senti quase incapacitado de escrevê-lo, apesar da minha longa vivência com os povos indígenas, ou seja, tribais, e das minhas constantes leituras de livros e teses acadêmicas, para realizar meu trabalho de indigenista. Depois, porque eu não queria fazer uma obra apenas informativa, que depois de lida (ou não), vai descansar eternamente em uma prateleira. Queria fazer algo que pudesse ajudar as pessoas não apenas a se informar e pensar, mas que também pudesse ser usado como um manual para a criação e o desenvolvimento de comunidades intencionais, inspiradas nas organizações tribais. Não conseguia, entretanto, compor uma metodologia que permitisse isso. Até que, em 2017, conheci o meu parceiro nesta obra, o Paulo César Araújo.  Ele é facilitador de Metodologias Colaborativas, como o “Dragon Dreaming”, “Sociocracia”, “Comunicação Não Violenta”, entre outras.

P. Como vocês conseguiram trabalhar juntos na obra, com especializações tão diferenciadas?

R.  Tudo se encaixou maravilhosamente, pois essas metodologias são também baseadas e inspiradas em sistemas tribais, circulares, de centro vazio, sem poder. John Croft, o criador do Dragon Dreaming (sonhando com os dragões), é australiano e baseou-se nos chamados povos “aborígenes” australianos para compor sua obra. Por cerca de cinco anos eu e o Paulo trabalhamos no tema, ele se introduzindo no indigenismo e no tribalismo e eu tomando conhecimento mais aprofundado dessas metodologias. Fizemos, inclusive, duas experiências grupais, que são relatadas no livro, onde conseguimos desenvolver uma metodologia específica para a formação de tribos, utilizando os dois conhecimentos.

P. Você disse que sempre desejou que o livro fosse um “manual” que auxiliasse as pessoas interessadas em criar tribos mundo afora e que vocês estão iniciando um movimento neste sentido. Porque você propõe esse retorno ao Tribalismo?

R. Não é um retorno, é uma reinvenção. Por isso, estamos chamando de “NeoTribalismo”, pois se inspira nos sistemas tribais antigos, incorporando elementos modernos de organização grupal e utilizando tecnologias modernas sustentáveis.  Todos sabemos que o sistema capitalista está sufocando o planeta e arrastando inexoravelmente a humanidade para o seu fim. Competição, individualismo, acumulação, exaltação do ego, exploração do meio ambiente, exploração das pessoas, são os princípios motores desse sistema que, aparentemente, está entrando em colapso. A organização tribal é a que mais responde aos anseios humanos por igualdade, fraternidade, simplicidade e espiritualidade. Essas são as verdadeiras utopias da humanidade. Está no nosso DNA.  Todos os nossos antepassados foram tribais em alguma época histórica.

P. Como você acha possível que as pessoas abandonem o capitalismo e consigam viver sem seus confortos?

F.  Não pregamos uma ruptura total com o capitalismo. Minha inspiração, mais uma vez, foram os povos indígenas. Eles vivem em dois sistemas: o tribal, sem estado, sem estatutos, sem moeda, sem escrita e sem propriedade, e o capitalista, que opera exatamente no sentido contrário. Principalmente no Brasil, onde as leis que protegem seus direitos foram razoavelmente alcançadas, eles conseguem ter essa “dupla cidadania”. Institucionalmente, eles se relacionam com o sistema dominante através de suas organizações formais, como associações, institutos, cooperativas, etc, pelas quais captam recursos para também alcançarem certos confortos da sociedade de consumo. Pensei: se os povos tribais conseguem fazer uma ponte com o capitalismo, porque nossa sociedade não pode construir uma ponte para o tribalismo? Enfim, é possível viver nos dois sistemas, sem abrir mão dos confortos básicos alcançados pela tecnologia, inclusive no mundo urbano. Obviamente, pregamos a sustentabilidade social e ambiental nessa empreitada.

P. Você usa o termo tribal, tribo, tribalismo nesta obra. Esse termo não havia sido, de certa forma, condenado pela antropologia?

R. É verdade. Em finais do século XIX, os antropólogos praticamente condenaram o termo “tribo” e seus sucedâneos, para se referir às populações autóctones, principalmente das américas. Na época, o termo estaria sendo relacionado à povos “atrasados” ou “primitivos”. Ocorre que o termo “tribo” vem do latim “tribus”, sendo assim a forma mais antiga e correta de designar os povos originários, que se organizam em sistemas sociais diferenciados entre si e das sociedades não tribais. Veja que o termo “povo” designa o sujeito de um grupo e “tribo”, a sua forma organizativa. É sobre isso que estamos falando. No livro, tentamos provar que os sistemas tribais são mais evoluídos do que quaisquer outros sistemas sociais desenvolvidos pelos humanos. Depois, as ciências sociais evoluíram muito desde aquela época. Foi criado o conceito do “relativismo cultural”, que afirma cientificamente que não existem povos primitivos ou atrasados, mas que desenvolveram seus mecanismos sociais e suas tecnologias adequados à sua época histórica. Afirma, ainda, que história humana é uma sequência de fatos que se iniciaram desde o primeiro hominídeo que apareceu na terra. Finalmente, os próprios povos tribais do mundo inteiro fizeram e fazem sua luta política por reconhecimento de suas culturas e hoje são respeitados e admirados.