Cidade de Palmas – Foto – Washington Luis/Governo do Tocantins
Os estados brasileiros e o Distrito Federal deixaram de destinar R$ 2,47 bilhões da verba disponibilizada pela União para segurança pública. O Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP) repassou esse valor durante a gestão do presidente Jair Bolsonaro (PL), de 2019 a 2022
Extrema burocracia, pandemia da Covid-19 e falta de servidores estão entre as causas apontadas pelos estados e por especialistas para a pouca utilização do recurso.
Nos últimos quatro anos, o Fundo de Segurança repassou R$ 3,3 bilhões às unidades da Federação, mas apenas R$ 867,5 milhões dessa verba foram ou estão sendo executados. Ou seja, 74% do montante não tiveram destinação e seguem represados nas contas das estados e do DF.
Os dados foram fornecidos pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), a pedido do Metrópoles, via Lei de Acesso à Informação (LAI) e site da Transparência do governo federal.
Esse tipo de recurso financeiro visa beneficiar a segurança nos estados, com a construção de delegacias, batalhões e unidades de perícia criminal.
Obstáculo burocrático
Em Minas Gerais, apenas 6,6% do dinheiro do Fundo foi executado, segundo informações do MJSP. A fim de justificar a pouca utilização dos recursos, a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) citou, como um dos principais fatores, a alta burocracia para destinar a verba.
De acordo com o governo mineiro, os “trâmites estabelecidos pelo MJSP”, “desde a comunicação do montante a ser recebido pela unidade da Federação até o desbloqueio dos recursos, dura de nove a 11 meses”.
O Rio Grande do Norte é o estado com a menor execução (2,2%), segundo dados do MJSP. Além da burocracia, a pandemia da Covid-19 foi elencada como um fator que atrapalhou o uso da verba.
Ainda segundo o governo potiguar, houve falta de produtos e insumos, bem como variações anormais de preços no mercado global, devido à pandemia.
Alguns gestores também alegaram valores um pouco diferentes do que o governo federal considera como executado. A divergência justifica-se pelo intervalo de tempo que cada estado dispende para alimentar o banco de dados do MJSP. A reportagem considerou as informações fornecidas pela União.
Os estados lembraram ainda que não houve o vencimento do prazo para a execução desse recurso federal do Fundo de Segurança, o que também procede.
Promessas
De fato, a atual gestão do MJSP, que começou a trabalhar no governo Lula em 2023, reconhece essa alta burocracia para usar esses recursos, mesmo já tendo sido repassados às unidades federativas.
Em reunião com os secretários de segurança do país no dia 26 de janeiro, o ministro Flávio Dino prometeu desburocratizar e facilitar o uso desse subsídio.
“A nossa ideia é eliminar esse fluxo burocrático – que não existe, por exemplo, no âmbito do SUS (Sistema Único de Saúde). Nós estamos vendo com eles (secretários de Segurança) se é possível fazermos uma norma temporária para agilizar que os estados gastem esse dinheiro, porque esse dinheiro já foi repassado”, disse Dino na ocasião.
No entanto, um mês depois dessa declaração, ainda não foi formalizada qual seria essa norma temporária ou nova regra para uso do Fundo Nacional de Segurança Pública. A reportagem questionou o MJSP na última quarta-feira (22/2) e aguarda retorno.
Mais dinheiro
O Fundo Nacional de Segurança Pública foi criado em 2001 e é formado por recursos de loterias. A ideia é usar essa verba para apoiar projetos de segurança pública e cidades que possuem guardas municipais.
Em 2018, pouco antes do começo do governo Bolsonaro, houve mudanças na regra de repasses sociais da Caixa Econômica Federal, o que fez esse Fundo de Segurança triplicar. Antes, o fundo recebia cerca de R$ 500 milhões por ano e, depois dessa alteração, passou a acumular cerca de R$ 2 bilhões por ano.
É o que afirma o diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), Renato Sérgio de Lima, que acompanha de perto essa situação do orçamento na segurança pública do Brasil.
“Sempre reclamaram que faltava dinheiro. Em 2018, com a Lei do Sistema Único de Segurança Pública (Susp), o dinheiro apareceu, mas a capacidade de execução se mostrou estrangulada”, explicou o pesquisador.
Pouca execução
Ainda em 2018, houve a aprovação do Susp e a promulgação de uma lei que destina 50% do Fundo de Segurança diretamente para os estados, sem necessidade de criar convênios e passar por uma série de burocracias.
O objetivo dessa mudança na regra era facilitar a execução desse recurso. Assim, os estados poderiam usar esse dinheiro de acordo com suas próprias normas de licitação e contratação, sendo fiscalizados pelos órgãos locais.
No entanto, segundo o diretor-presidente do FBSP, a gestão do governo Bolsonaro continuou a exigir as antigas regras burocráticas para a utilização desse recurso, mesmo que o valor já estivesse nas contas dos estados.
“O ganho esperado pela prorrogação da lei do Susp se perdeu. A burocracia foi extremamente medrosa – acho que o termo é este. Não quis se expor, e aplicou as mesmas regras a que estava acostumada. Embora visassem facilitar o repasse para execução, as disposições da lei não foram implementadas. O que era para simplificar complicou a vida dos estados”, pontuou.
Para Renato Sérgio de Lima, a gestão decidiu não facilitar a liberação do dinheiro. Entre os possíveis motivos para isso, na avaliação do pesquisador, havia o desconhecimento de forma mais rápida e ágil. Além disso, as autoridades possivelmente recearam alguma responsabilização por liberar a verba sem a burocracia do sistema antigo, em que não havia esse repasse direto para as contas das unidades federativas.
Diferenças entre estados
A reportagem questionou o presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública sobre o motivo de determinados estados não conseguirem executar a verba federal, mesmo com a burocracia e os entraves.
Isso porque, mesmo diante desse cenário, algumas unidades da Federação utilizaram os recursos do Fundo de Segurança mais que outras. O Rio Grande do Sul, por exemplo, executou 69,9% da verba que recebeu entre 2019 e 2022.
“Esse é um problema histórico, porque os estados não fazem concurso e, portanto, não têm servidores para solicitar a aplicação dos recursos já disponibilizados. A quantidade de pessoas capacitadas é pequena”, avaliou Ricardo Sérgio.
Como exemplo, o pesquisador cita a possibilidade de haver estado muito pequeno, com poucos policiais: nesse cenário, não há condições de deslocar aquele efetivo para a parte burocrática da unidade federativa desguarnecer o policiamento nas ruas e delegacias.
Tocantins
Segundo o levantamento nacional o Tocantins tem executado ou em execução cerca de R$ 8,7 milhões e teria deixado de executar o valor de R$ 85.503.229,15 milhões.
Nossa equipe entrou em contato com o Governo do Tocantins e com a Secretaria de Segurança Pública do Tocantins (SSP-TO) e aguardamos uma resposta.
Fonte – Metrópoles