Histórias de mulheres que superaram diversas situações de violência através da educação. É o conteúdo presente nas páginas de “Mulher, SER”, livro em fase de finalização e que busca inspirar mudanças de vidas e dar voz para mulheres, escrito por Jessica Rosanne e Natália Rezende, estudantes de Jornalismo da Universidade Federal do Tocantins (UFT).

“Quando nós nos encontramos durante a faculdade, tínhamos que fazer um projeto de Jornalismo Literário, então decidimos fazer sobre os vários tipos de violência, para que outras mulheres não passassem mais por isso”, diz Natália, estagiária do Centro de Comunicação do Tribunal de Justiça, revelando que sua mãe sofreu violência por 22 anos, e que isso afetou toda a sua infância e adolescência.

“Minha mãe sofreu violência, eu também sofri violência doméstica. E esse foi um dos instrumentos que usei para ressignificar a nossa dor. Para fazer com que mais pessoas entendessem, e para fazer com que outras mulheres compreendam e consigam sair dessa situação”, afirma Jéssica.

Num compilado de entrevistas com mulheres, o livro reportagem destaca histórias de superação. “Focamos muito em mulheres que se reergueram após sofrer com episódios de violência, cujas histórias possam inspirar outras a fazer o mesmo”, lembra Jessica, ressaltando que a mensagem que o livro traz é de a cultura da violência precisa ser combatida. “Nós mulheres não queremos que os homens sejam presos, mas que parem de nos agredir por sermos mulheres”.

As estudantes afirmam que, em geral, prevalece a ideia entre as mulheres de que, se ela denunciar o companheiro, irá morrer. Daí o propósito do livro em mostrar há outros caminhos para enfrentar e sair de uma situação de violência. “Por vezes essa mulher ainda não tem coragem de ir até a delegacia, mas a tem para escrever as agressões que sofreu. É uma forma que muitas encontraram para falar de suas dores, para ser ouvidas, diz Natália.

Segundo ela, o projeto literário e de debate social ganhou espaço no site Giz da Alma, no qual outras mulheres têm chance de denunciar de forma literária suas violências. “Recebemos por email esta denúncia, conversamos e damos informações por meio das quais elas possam denunciar. Mostramos também para a sociedade que existe o problema e que ele precisa ser tratado”.

Quando o amor se foi para dar lugar à violência, Lucirene recorreu à Justiça, se libertou e correu atrás de sua independência

“Na primeira vez que ele me bateu eu estava grávida do segundo filho. Eu fiquei sem chão. Eu acreditava que o amor que a gente sentia era muito forte e que ele nunca teria coragem de chegar ao ponto de me agredir daquela maneira”. A história da servidora pública Lucirene Oliveira encontra eco na de milhares de mulheres que sofrem todos os dias o drama de conviver com alguém possessivo e violento.

Na época, ela não trabalhava fora de casa, tinha filhos pequenos e dependia economicamente do marido. Ele pediu, ela perdoou, mas as agressões continuaram por 13 anos. “Eu tinha a esperança que ele iria mudar, que iria perceber que estava errado e tudo voltaria ao normal. Mas essa esperança foi morrendo com o passar do tempo”, lembra, revelando que ele tentou matá-la com uma faca. Foi quando resolveu dar um basta e o denunciar.

A estudante E.B também é uma das vítimas da violência doméstica. “No começo ele era bom para mim, carinhoso… Mas ele começou a beber e passou a bater em mim. Ele tentou me matar e eu denunciei. Eu não tenho tanto medo por mim, mas precisava proteger meus filhos e minha família”, explica, mas revelando que ainda sofre constantes ameaças de morte.

Após julgamento, o ex-companheiro dela cumpriu seis meses de pena em regime fechado e agora cumpre medida protetiva. “Hoje eu me sinto segura, me sinto leve. Acho que fiz a coisa certa e a Justiça também”, assegura. Seja por coragem ou por medo, a denúncia é o primeiro passo para a liberdade.

Justiça prioriza segurança das vítimas

No Tocantins, cerca de 6.500 ações estão em tramitação. As varas e juizados especializados no combate à violência contra mulher têm concentrado esforços para agilizar os processos e garantir segurança às vítimas. “Nós queremos mostrar para essas mulheres que elas não precisam se submeter à violência, que elas têm direito à igualdade e proteção”, garante o juiz Adriano Gomes de Melo Oliveira, da 3ª Vara da Família em Palmas.

Dados da Secretaria da Segurança Pública do Estado (SSP) apontam que, em 2018, as Delegacias Especializadas em Atendimento à Mulher (DEAMs) registraram mais de três mil denúncias. Só em 2019, já são quase 600 casos.  “Cerca de 80% dos casos que a gente tem são de mulheres que já não suportavam mais as agressões, as humilhações e resolveram denunciar”, conta a delegada Suzana Fleury Orsine.

Segurança, educação e empreendedorismo

Depois que resolveu se libertar, Lucirene voltou a estudar. Mas para conseguir fazer o EJA (Educação de Jovens e Adultos) em Monte do Carmo, onde mora, ela precisou movimentar a cidade com um abaixo-assinado para conseguir formar a turma. Aos poucos, mais pessoas se interessaram e, como a escola era pequena, ganharam do Estado uma nova e mais ampla. “Hoje essa escola funciona em tempo integral. Meus filhos e netos estudaram lá também”, lembra, orgulhosa.

Mas Lucirene não parou por aí. Terminou o ensino médio, foi para faculdade e se formou em Ciências Contábeis. Após 20 anos da separação, ela se define: “Sou uma sobrevivente de um casamento que não deu certo, uma vitoriosa por ter conseguido estudar e montar uma escola onde, não apenas meus filhos, mas outras crianças estudam. Uma escola que gera emprego para muitas pessoas em minha cidade. Hoje eu sou feliz”.