O Ministério da Educação (MEC) recuou da decisão que abria brecha para que livros didáticos deixassem de abordar temas como violência à mulher e cultura quilombola. A decisão foi tomada após forte reação de educadores e editoras e inclui também a volta de
proibição expressa de publicidade em material didático. O recuo foi antecipado pelo Valor PRO, serviço de informações em tempo real do Valor.
“O ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez, decidiu tornar sem efeito
o 5º Aviso de Retificação do edital do Programa Nacional do Livro Didático
(PNLD)”, informou, em nota, o MEC. O documento ainda destaca que a
retificação do edital foi realizada pela gestão anterior da pasta e enviada ao
Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), responsável pela
compra dos livros didáticos, em 28 de dezembro de 2018, período em que a
equipe do presidente Jair Bolsonaro já trabalhava na transição de governo.
A publicação da mudança no edital dos livros didáticos no “Diário Oficial da
União” havia ocorrido no dia 2 de janeiro, mesma data em que Vélez tomou
posse oficialmente. O documento era assinado por Rogério Fernando Lot,
presidente-substituto do FNDE. O novo chefe do FNDE, nomeado por Vélez,
é Carlos Alberto Decotelli da Silva.
De acordo com uma fonte do MEC, o assunto foi recebido com surpresa por
técnicos da nova gestão, que não tinham conhecimento da edição do
documento até a ampla repercussão do tema. Segundo o MEC, será feita uma
apuração interna para que se verifique de onde partiu o que foi classificado
como um “erro”.
O texto publicado no início do ano suprimia dos critérios de avaliação das
obras, por exemplo, a menção à necessidade de “promover positivamente a
imagem da mulher, considerando sua participação em diferentes trabalhos,
profissões e espaços de poder”, “com especial atenção para o compromisso
educacional com a agenda de não-violência contra a mulher”.
Também haviam sido retiradas menções aos quilombolas e povos do campo,
em trecho sobre a promoção da cultura e história desses povos. Um parágrafo
que obrigava as obras a estarem isentas de publicidade, marcas, produtos e
serviços comerciais foi apagado. Na prática, a manutenção dessa redação
permitia que informes publicitários fossem inclusos no material escolar.
Outro trecho que saiu do edital – e agora voltará – tratava da necessidade de que a obra esteja isenta de erros de impressão e revisão, a necessidade de incluir referências bibliográficas e de que a impressão não comprometa o verso da página
Do viés educacional, a alteração era considerada equivocada por coibir o
caráter conscientizador dos livros didáticos. “Parte significativa da educação
é construção de uma identidade que abranja a todos, mas iniciativas como
essa quebram essa lógica e contribuem para a construção da ideia de que a
sociedade é branca e heterossexual”, considerou Daniel Cara, coordenadorgeral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação (CNDE).
Nas editoras, a apreensão era grande até a reversão da medida por conta da
insegurança jurídica gerada, uma vez que os livros foram entregues para
avaliação do MEC em novembro, conforme prazo estipulado no edital. “Você
produziu as obras e inscreveu no programa considerando uma regra e vai ser
julgado considerando outra?”, questionou uma profissional responsável pela
área de PNLD de uma grande editora paulista, que preferiu falar sob a
condição de anonimato.
A Associação Brasileira dos Editores de Livros Didáticos (Abrelivros)
destacou, em nota enviada no fim da tarde desta quarta-feira, que o PNLD
tem marcos legais, incluindo a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), a
Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), o Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA) e, por isso, qualquer modificação deve estar em sintonia
com o conjunto de leis, diretrizes, resoluções e decretos que o regulam.
Fonte: Valor via Globo.com