Lucas Eurilio – Gazeta do Cerrado

Privilégio. Uma palavra que parece bonita, mas que esconde um preconceito disfarçado. O que muitos fingem não saber é que a Comunidade LGBTQIA+ vem lutando por direitos iguais há muitos e muitos anos em todos os cantos do planeta.

Isso é lido como – “Ah, eles querem privilégio, todo mundo é igual” – o que não é verdade.

Coisas simples, que pessoas lidas como “normais” na sociedade podem fazer. Por exemplo, héteros sempre puderam se casar, LGBTQIA+ tiveram esse direito negado por muito tempo. Logo, a luta pelo casamento igualitário foi um marco importante.

Como esse grupo de minorias sociais querem privilégios se ao menos tinham direitos básicos? É uma reflexão necessária.

Empatia, pensem nisso!

Outro marco histórico recente no Brasil foi o dia 8/5. O Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou a Resolução RDC nº 34/14, da Agência Vigilância Sanitária (Anvisa).  E também a Portaria nº 158/16 do Ministério da Saúde, que proibia a doação de sangue por pessoas da Comunidade LBGTQIA+.

Apesar da determinação do Supremo, Hemocentros em vários locais do País se negaram a cumprir a medida por mais de um mês. No dia 12/6, o Ministério da Saúde enviou um documento para que as Hemorredes cumprissem a ordem do STF.

O servidor público e jornalista Alexandre Peara foi doador por muitos anos, mas quando assumiu a sua sexualidade, não pôde mais ajudar o próximo.

“Eu era doador há muito tempo, doava antes em Araguaína, quando morava no interior, depois que mudei pra Palmas doei sempre, quase que a cada 2 ou 3 meses. Pra você ver, o meu cartão do REDOME que é do cadastro voluntário de doadores de medula óssea é de 06/09/2007, a gente doava sangue e já fazia coleta para ser doador de medula. Eu parei de doar quando assumi minha homossexualidade porque na triagem eles são bem claros que se você fez sexo com outro homem nos últimos 12 meses, não pode ser doador. Não sei agora, pois já tem uns 2 anos que não vou mais ao hemocentro, mas antes tinha até um papel que você assinalava, um “voto de autoexclusão”, que você recebia após sair da triagem clínica. E lá era bem claro, se um homem teve alguma relação sexual com outro homem, não pode doar (antigamente tinha até imagens de alguns homens pra remeter à relação homossexual)”, contou à Gazeta

Alexandre disse que se sentiu excluído e que seu sangue fosse inferior ao de uma pessoa hétero.

“O sentimento é de exclusão, sem contar a carga de preconceito por trás disso. É como se meu sangue não tivesse valor, fosse inferior a o sangue de um hétero, pois o Estado não está olhando pra mim como indivíduo, analisando se eu tinha ou não um comportamento de risco, ele está reafirmando aquela ideia de “grupo de risco”, que todo homossexual, independente se faz sexo de forma protegida ou com um único parceiro, não é apto para doar sangue”.

Sobre a derrubada da proibição pelo Supremo, o jornalista finalizou dizendo “somos uma comunidade tão estigmatizada, que sofre tantas formas de preconceito, que o simples fato de ser considerado “apto” para um doação de sangue, se torna algo muito simbólico “o sangue LGBTQIA+ tem valor”. Isso tem que ser debatido, tem que ser reafirmando constantemente na sociedade, nossa comunidade precisa ocupar seus espaços, conquistar seus direitos como qualquer outro cidadão hétero ou cis. Sem contar que com a doação de sangue podemos ajudar tantas pessoas, salvar vidas com um gesto simples, mas que nos foi proibido pelo simples fato de sermos quem somos”.

A não proibição da doação de sangue por pessoas trans, homens gays, bissexuais começou a ser discutida ainda em 2016 em uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5543. Mulheres lésbicas já podiam doar normalmente, já que a Resolução da Anvisa e a Portaria do MS falava de homens que tiveram relações sexuais com outros homens.

A ADI começou a ser julgada e outubro de 2017, mas o processo foi interrompido pelo ministro Gilmar Mendes.

Por conta da crise gerada nos hemocentros de todo o país por causa do novo Coronavírus e com as hemorredes fazendo campanha para doação, o assunto voltou a pauta. Dia 30 de abril deste ano, a Advocacia-Geral da União (AGU) solicitou um pedido de rejeição da ação no STF, ou sequer analisasse o assunto. A Defensoria Pública da União (DPU) por sua vez pediu agilizada no julgamento da ADI por estarmos em uma pandemia e o ritmo de doações ter sido reduzido.

Em votação histórica e com um placar de 7 a favor e 4 contra a tirada da restrição da doação de sangue feita por pessoas LGBIQIA+ foi derrubada pelos ministros do STF.

Há o que comemorar

A artista lgbt preta de São Luís (MA) Dj Nany Ribeiro é doadora desde os 18 anos de idade. Agora com 33, a Dj disse que nunca teve problema em doar sangue, mas celebrou essa nova conquista.

“Pra mim essa conquista é muito importante, principalmente para o trabalho de desconstrução da visão que a sociedade tem dos nossos corpos que são visto como depravados, líquidos e sem responsabilidade”, afirmou a militante.

Ela ressaltou que o esteriótipo persegue a comunidade há tempos.

“Esse é um esteriótipos que nos persegui por muito tempo. Mesmo eu sendo doadora a muito tempo e nunca ter meu sangue rejeitado, vejo o olhar e a falta de entendimento sobre como a gente se relaciona por não fazer parte da heteronormatividade”.

Nany alertou que que é preciso trabalhar a visão dos profissionais sobre como eles enxergam os corpos LGBTs como promiscuidade. “Tanto que ouvi e vi de profissionais o quando eles nos vêem com promiscuidade. Com essa conquista essa tal promiscuidade pode começar a ser trabalhada na visão dos profissionais”. 

A presidente da Associação de Transexuais e Travestis do Estado do Tocantins (Atrato-TO), Byanca Marchiori disse que é de suma importância que pessoas da comunidade possam doar sangue.

Mulher trans, Byanca trabalha na Saúde do Estado. Ela disse que “a decisão do Supremo favorável a doação de sangue pelo público LGBTQIA+ é de suma importância. Antes a proibição violava o direito à igualdade e discriminação a comunidade LGTBQIA+”.

Byanca lembrou ainda que doar é um ato de solidariedade e era negado.

“À medida antes que estabelecia restrições, infringia o ato solidário de exercer a doação de sangue ao próximo e o de vivenciar livremente sua sexualidade e direito de todos independentemente da sua sexualidade”.

Hemocentros do Tocantins

No Tocantins a nova regra já está valendo. Segundo a Secretaria Estadual de Saúde (SES-TO), a Hemorrede do estado já faz a adequeção de triagem de doadores, cumprindo assim a decisão do STF.

O órgão reiterou ainda que todas as unidades se adequaram  à determinação excluindo o critério de inaptidão constante do inciso IV do art. 64, do Anexo IV da Portaria de Consolidação nº 5/2017.

“A Secretaria de Estado da Saúde (SES) informa que a Hemorrede do Tocantins preza pelo cumprimento das diretrizes dos órgãos competentes, pertinentes à hemoterapia e hematologia. Suas ações, fluxos e atividades relacionadas ao ciclo do sangue são, portanto, rigorosamente executadas conforme legislação em vigor, não sendo diferente no caso em questão.

Após o recebimento do OFÍCIO CIRCULAR Nº 39/2020/CGSH/DAET/SAES/MS Brasília, 12 de junho de 2020, esta Hemorrede adequou seu questionário de triagem de doadores, cumprindo assim a determinação do Supremo Tribunal Federal (STF) com relação à Ação Direta de Inconstitucionalidade 5543, que declarou inconstitucional o art. 64, IV, da Portaria nº 158/2016 do Ministério da Saúde (atual art. 64, IV, do Anexo IV, da Portaria de Consolidação nº 5/2017).

Sendo assim, a partir da referida data, todas a Unidades de Coleta da Hemorrede do Tocantins se adequaram à determinação excluindo o critério de inaptidão constante do inciso IV do art. 64, do Anexo IV da Portaria de Consolidação nº 5/2017″.

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