Uma mudança na norma do Conselho Federal de Medicina (CFM) sobre reprodução assistida no ano passado fez surgir redes online de doação e recebimento de óvulos. O mecanismo é similar ao de aplicativos de paquera. Pelo menos dois serviços do tipo foram lançados este ano e têm quase 600 inscritas. A novidade levanta questionamentos de especialistas.
Um dos serviços é o app Rede Óvulo Doação, criado por um médico em março. Similar ao Tinder, as interessadas em receber um óvulo podem dar “match” em perfis de outras mulheres com características físicas próximas e dispostas a doar.
Como o CFM estabelece que a doação seja anônima, o app não mostra fotos nem nomes, mas um avatar com as características da participante. As combinações são avaliadas por médicos em clínicas de reprodução ligadas à ferramenta.
O outro serviço é o site Cadastro Nacional de Doadoras de Óvulos (CNDO), em que as mulheres preenchem suas características, veem se há doadoras disponíveis e escolhem a clínica de sua preferência entre 15 conveniadas. Quando há compatibilidade, a clínica entra em contato com as pacientes.
Desde novembro, as regras do CFM para reprodução assistida permitem a doação voluntária de óvulos, desde que seja anônima e sem relações comerciais. Antes, apenas mulheres em tratamento para engravidar podiam doar óvulos. Nos Estados Unidos, por exemplo, já há redes online que conectam doadoras de óvulos a receptoras. Em alguns países, até a venda da célula é permitida.
Criador do app Rede Óvulo Doação e especialista em reprodução assistida, Bruno Scheffer diz que teve a ideia de desenvolver a plataforma após trabalhar na Europa e se deparar com a dificuldade de encontrar doadoras. Ele diz seguir as normas do CFM. “Criei um avatar, um bonequinho. Quando a receptora acaba de fazer o formulário, vê os avatares para ver se ela se identifica. Tem um segundo momento que entramos em contato, marcamos uma consulta e temos de fazer o ‘match presencial’, mas elas vão separadas e não se conhecem.” O app tem 465 mulheres cadastradas.
Já o fundador do site CNDO, Rafael M. de Souza, relata que tomou a iniciativa porque tem uma agência de marketing que atende clínicas de reprodução assistida e viu a dificuldade que as mulheres enfrentam para encontrar doadoras. Ele conta que a startup tem uma diretora médica responsável e que segue a regulamentação do CFM. “É a mulher quem escolhe a clínica para que ela conduza o processo. As pacientes não se conhecem”, explica.
Regras
Presidente da Sociedade Brasileira de Reprodução Humana, João Pedro Caetano afirma que, sem um posicionamento do CFM sobre os serviços, a entidade não recomenda que seus associados “tenham seus nomes envolvidos” em plataformas do tipo.
O CFM tem sido procurado pela reportagem há duas semanas, mas não quis dar entrevista sobre o tema. O órgão enviou nota dizendo que “tem acompanhado as discussões sobre o uso da tecnologia e sua influência na relação entre médicos e pacientes”. Segundo a nota, inovações têm sido avaliadas “na perspectiva de seu impacto no ético exercício da medicina”.
Membro da câmara temática do CFM sobre reprodução assistida, Adelino Amaral ressalta que, embora não haja regulamentação específica sobre essas plataformas, elas devem cumprir as regras gerais sobre o tema. “Seria importante ter um médico responsável por trás do serviço, afinal, se houver vazamento de dados, quem é que vai ser responsável?”, diz.
Tentativa
Uma servidora pública de 44 anos, que não quis se identificar, vê o app Rede Óvulo como “uma luz no fim do túnel”. Ela tentou engravidar aos 38 anos, mas descobriu que estava com baixa produção de óvulos. “Tomei hormônios e a ginecologista me encaminhou para um especialista. Tentei três vezes com meus óvulos, inseminação e fiz seis tentativas com ovodoação em Portugal.”
Ela chegou a engravidar duas vezes, mas teve abortos espontâneos. “Há um ano, entrei na fila de adoção, mas não desisti. Procurei outra clínica e fiquei na fila para esperar uma doadora. Foi quando vi que tinha esse aplicativo.” Atualmente, ela está na fase de realização de exames para verificar suas condições de saúde. “Ainda não tive um resultado prático, mas dá uma esperança.”
Para Newton Busso, da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia, a recomendação às doadoras é sempre ouvir mais de uma opinião. “A mulher deve buscar uma clínica cujo médico seja referência e isso pode ser visto junto às sociedades médicas.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.