O filósofo mexicano Enrique Tamés é enfático: 95% dos artigos que lemos hoje sobre felicidade ou bem-estar não possuem nenhum fundamento científico. Professor da Universidade da Carolina do Norte e diretor do Institute of Wellbeing and Happiness do Instituto Tecnológico e de Estudos Superiores de Monterrey, Tamés vem estudando há duas décadas como a tecnologia tem alterado os valores da sociedade e de que forma essas mudanças têm influenciado a nossa sensação de bem-estar e felicidade. A sorte, diz, é que nos últimos 20 anos, diversas evidências científicas surgiram sobre o assunto — e foram validadas várias vezes.
“Hoje, já sabemos que ficar exposto por 20 minutos ao sol diariamente eleva nosso nível de felicidade, que há certas comidas que liberam substâncias que nos deixam mais felizes. Sabemos que a felicidade só está ligada a nosso nível financeiro até um certo limite, quando precisamos do dinheiro para sobreviver. Depois, essa relação acaba”, disse durante sua palestra no Sustainable Brands, evento realizado nesta segunda-feira (18/09), em São Paulo.
Tamés afirma que a maior contribuição que esses estudos trouxeram foi a relação entre felicidade e trabalho. Se as gerações passadas, encaravam o trabalho como um fardo, a geração atual tende a relacioná-lo diretamente com seu nível de bem-estar. “Houve uma mudança de paradigma. Meu pai costumava dizer: o trabalho para os homens é algo tão desagradável que até nos pagam para fazer”, disse.
Atualmente, com a tecnologia quebrando a barreira do horário de trabalho (ele está presente em qualquer momento de nossas vidas), é difícil não esperar que nossa ocupação nos faça felizes. E ser feliz, neste novo cenário, é conseguir também ser mais produtivo. “Infinitas pesquisas dos últimos 10,15 anos, mostram que, quanto mais felizes somos no trabalho, maior nossa produtividade e melhor é para a empresa”, afirma Tamés.
Um dos estudos citados por ele é o Happiness and Productivity, desenvolvido pela Universidade de Warwick, em 2014. O estudo realizou quatro experimentos em várias empresas e concluiu que a felicidade aumentava em média 12% o nível de produtividade. Outro estudo citado por Tamés é um relatório da PwC que aponta que “existe uma relação direta de bem-estar e propósito de vida com o nível de felicidade das pessoas”.
O problema de todas essas evidências terem vindo à tona, diz Tamés, é que virou moda falar de felicidade no meio corporativo. E, modismos costumam usar fundamentos científicos apenas para comprovar suas teses. “Quando perguntaram ao Sartre se ele estava contente que o existencialismo estava na moda há algum tempo, ele disse que não. Por dois motivos: primeiro, porque moda passa. Segundo, porque quando é moda, qualquer idiota pode falar sobre o assunto.”
É por este motivo que, voltando ao começo desta matéria, Tamés defende que 95% dos textos sobre felicidade e bem-estar não estão baseados no que diz a ciência. “Essa moda começou na Inglaterra e foi para os Estados Unidos. Começamos a falar de positive thinking [pensar positivo], como se o simples fato de pensar positivo fosse fazer as coisas darem certo. Mas não há nenhum fundamento que diga que pensar positivo irá resolver nossos problemas.”
E o que os estudos com fundamento mostram, então? Segundo Tamés, eles apontam que a felicidade é tão difícil de ser alcançada porque o ser humano tem uma “pré-disposição” para a negatividade. E isso se deve em grande parte à sua história. “Durante 1000 anos, os homens sobreviveram não porque estavam atentos ao prazer, mas porque estavam atentos ao perigo. O ser humano foi desenhado geneticamente para ver perigo em tudo e prestar atenção nele. É por isso que temos o noticiário sempre cheio de notícias ruins, de desastres”, diz. “Nossa natureza, ainda que tenhamos uma vida boa, diz que precisamos ter preocupações.”
Para mudar essa pré-disposição, meditação, terapia e substâncias que liberem a serotonina nos ajudariam. Mas o importante, defende, é saber equilibrar as emoções. “Ser feliz não significa que os problemas de sua vida vão desaparecer. A vida está cheia deles. O que existe é uma forma diferente de abordar esses problemas”, afirma Tamés. O filósofo afirma que não precisamos descartar todas nossas emoções ruins — elas, aliás, até nos ajudam a “fazer coisas que muitas vezes não conseguimos ou não temos coragem”. “O que muitos pesquisadores recomendam é que precisamos equilibrar: ter em média quatro emoções positivas para cada uma negativa.”
Além disso, Tamés defende que precisamos sempre considerar alguns fatores quando estamos analisando a nossa felicidade. O primeiro é equilibrar a felicidade hedônica (curto prazo) à eudaimônica (estabilidade e durabilidade). “É saber jogar com o prazer imediato, sem afetar negativamente a felicidade no longo prazo”, diz. O segundo ponto é ter a consciência de que valores positivos (como fazer o bem, a verdade e a beleza) pressupõem uma relação complexa com a realidade. “Nem sempre fazer o certo te deixará mais feliz.” O terceiro ponto mostra que a felicidade tem uma relação estreita com as pessoas ao nosso redor. “Dependemos, sim, desses relacionamos para sermos mais felizes.”
Fonte: Época