Em 2 de setembro de 2018, o Museu Nacional do Rio de Janeiro foi consumido pelas chamas, uma tragédia que repercutiu no Brasil e no exterior devido à importância da instituição com 200 anos recém-completados e um dos mais ricos acervos de antropologia e história natural da América Latina, com mais de 20 milhões de itens.

Muitos deles eram únicos e foram destruídos, como fósseis humanos e de dinossauros, múmias e utensílios de civilizações antigas. Apesar do fogo, peças simbólicas se salvaram, como o Bendegó, o maior meteorito brasileiro conhecido pela ciência, ou foram resgatadas ainda que parcialmente destruídas, como fragmentos do crânio e o fêmur de Luzia, o fóssil humano mais antigo de que se tem registro no Brasil.

Há muito a ser recuperado no meio dos detritos do prédio – não existe um número oficial de quantas peças se salvaram ou quantas peças foram destruídas – mas Alexander Kellner, diretor da instituição, diz que não é mais o momento de olhar para trás com pesar.

“Temos que aprender com o que houve e planejar a reconstrução do Museu no mais curto espaço de tempo. Dentro deste contexto, estamos muito bem”, afirma.

Foto mostra Alexander Kellner, diretor do Museu Nacional do Rio de Janeiro

(Direito de imagemTOMAZ SILVA/AGÊNCIA BRASIL Image captionKellner), diretor do museu, diz que “não se faz uma coleção de dois séculos em duas décadas” e que é importante pensar em como viabilizar a manutenção do local após sua recuperação

À frente da instituição desde fevereiro de 2018, Kellner está mais preocupado em como aplicar os R$ 85 milhões que o Museu Nacional deverá ter em caixa no próximo ano para obras emergenciais, recuperação do prédio histórico e reconstrução do acervo.

A verba veio após a repercussão do incidente, que causou grande comoção e debates acalorados em redes sociais em torno da manutenção da instituição histórica.

“(A maior parte do dinheiro) está ‘na nuvem’ ainda. Vai demorar um pouco a chegar por causa da burocracia. Quando entrar, será via reitoria da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro, que administra o Museu Nacional). Mas é importante que a população saiba que não é um dinheiro ‘que está na mão’, porém está carimbado e não tem como ser desviado”, afirma.

O orçamento anual do museu, repassado pela UFRJ – mantida com recursos do governo federal -, havia caído drasticamente nos últimos cinco anos: de R$ 531 mil, em 2013, para R$ 54 mil, em 2018. Muitos culparam a falta de manutenção do prédio pelo incêndio.

Sala de insetos do Museu Nacional

Direito de imagemMUSEU NACIONAL | UFRJ Image captionAndar onde ficavam insetos e outros animais invertebrados no Museu desabou

De onde virá o dinheiro? 

Dos R$ 85,4 milhões destinados ao Museu Nacional, R$ 55 milhões virão do Orçamento da União para 2019, aprovado pelo Congresso Nacional em 19 de dezembro. A verba foi indicada por deputados da bancada do Rio de Janeiro e apresentada como emenda impositiva, aprovada pela Comissão Mista de Orçamento.

O dinheiro, segundo Kellner, será utilizado na reconstrução do palácio localizado na Quinta da Boa Vista, em São Cristóvão, e que foi moradia da família real brasileira no século 19.

Outros 15 milhões, já em caixa, vieram do Ministério da Educação para obras como a contenção de paredes que ficaram em pé após o incêndio e a criação de estrutura para proteger os destroços, além da elaboração de um novo projeto museológico.

O Ministério da Ciência e Tecnologia destinou R$ 10 milhões que também serão aplicados na reconstrução do prédio e na compra de equipamentos dos laboratórios de pesquisa da instituição. A retomada de pesquisas interrompidas com o incêndio receberá mais R$ 2,5 milhões da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), órgão vinculado ao MEC para expansão de programas de pós-graduação no país.

Kellner informou também que já está sob os cuidados da UFRJ o montante de 180,8 mil euros (cerca de R$ 802 mil) doados pelo governo da Alemanha – a verba é parte do montante de até um milhão de euros que o governo alemão vai destinar ao Museu. Além disso, foi negociada com a empresa Vale a doação de mais R$ 2 milhões para recomposição do acervo de mineralogia e etnografia. Outros R$ 100 mil foram arrecadados desde o incêndio pela campanha SOS Museu Nacional.

Foto de Museu Nacional pegando fogo

Direito de imagemREUTERS Image captionMuseu Nacional do Rio pegou fogo em setembro

Manutenção é essencial

O diretor Kellner explica que a verba prevista é excepcional para começar a reconstruir a instituição, mas ressalta que “não se faz uma coleção de dois séculos em duas décadas”. Para ele, mais importante no momento é discutir como viabilizar a manutenção do local após sua recuperação.

“Antes do incêndio, o Museu Nacional precisaria de US$ 3,8 milhões (R$ 14,7 milhões) para manutenção básica de sua estrutura. No entanto, só recebia R$ 500 mil. Eu estimo que, numa janela de até seis anos, vamos precisar de US$ 10 milhões (R$ 38,8 milhões) anuais para mantê-lo em condições razoáveis.”

Ele compara a situação da mais antiga instituição científica brasileira com o Museu de História Natural de Nova York, nos Estados Unidos, que destinou US$ 35,8 milhões (R$ 139,1 milhões) para cobrir custos operacionais referentes à sua estrutura.

De acordo com o mais recente relatório anual da instituição – que, assim como o Museu Nacional, fomenta pesquisas científicas -, 27% de sua receita foram provenientes de ingressos e contribuições de visitantes.

Foto de Museu Nacional pegando fogo

Direito de imagemREUTERS Image captionMuseu Nacional, que pegou fogo, foi fundado por Dom João 6º em 1818

Para 2019, Kellner afirma que serão três as prioridades. A primeira delas é a recuperação do palácio, em seguida o resgate e recomposição do acervo, e, por último, o fomento à pesquisa na instituição.

Até o início de dezembro, 51% das obras emergenciais tinham sido concluídas, incluindo etapas como escoramento das lajes, retirada das estruturas metálicas, cobertura provisória e remoção de escombros com a ajuda dos pesquisadores.

“Precisamos retomar a normalidade institucional, fazer com que as pessoas tenham um lugar para trabalhar, para que continuem suas teses e pesquisas”, afirma. “Se estou satisfeito com o ritmo que as coisas estão seguindo? Não. Mas tudo tem seu tempo para acontecer.”

 

 

Fonte: BBC