Na Gâmbia, um projeto das Nações Unidas quer revitalizar a produção agrícola em regiões onde a degradação ambiental e variações climáticas têm causado um dramático êxodo rural, sobretudo dos jovens. Muitos desses migrantes se arriscam a deixar não só a comunidade onde moram, mas também o próprio país, em busca de oportunidades na Europa. O relato é da ONU Meio Ambiente.
Para Alagie Camora, gastar sua poupança numa tentativa de deixar a Gâmbia e migrar para a Europa parecia ser a melhor opção depois que o governo fechou a fronteira com o Senegal, em 2015. A decisão das autoridades quebrou o seu negócio de importação de vegetais, que rendia uns 50 dólares por mês.
Mas depois de sobreviver a uma perigosa jornada pelo deserto para chegar à Líbia, Camora foi capturado e mantido sob cárcere junto com outros gambianos. Eles tiveram seus pertences roubados, seus direitos abusados e foram deixados sem água, banheiros ou comida.
Camora passou um mês ouvindo histórias de homens do campo que eram extorquidos e assassinados na Líbia ou que morriam no Mediterrâneo ou ainda que chegavam à Europa, mas iam parar nas ruas e viviam como mendigos. O gambiano e outros 140 compatriotas decidiram, então, voltar para casa e prometeram começar um empreendimento agrícola na terra natal.
“Nós vamos até o Senegal para conseguir vegetais. Por que não tentamos isso em nosso país? Podemos encorajar as pessoas a crescer e ficar aqui”, afirma o sobrevivente, que criou a Associação de Retornados do Caminho de Volta.
A Gâmbia é uma das menores nações do mundo, com uma população de menos de 2 milhões de habitantes. O país também aparece em outro ranking global — é um dos seis considerados os maiores pontos de origem de migrantes que tentam a rota Líbia-Mediterrâneo-Europa.
A Gâmbia uma faixa de terra atravessada pelo rio homônimo, que desemboca na costa oeste da África. O território é altamente suscetível às mudanças climáticas. As décadas do governo ditatorial de Yaya Jammeh, deposto em 2016, também deixaram a população em situação de vulnerabilidade.
Enchentes e secas cada vez mais frequentes e severas provocaram danos e erosão em terras agrícolas. Temperaturas mais altas, chuvas irregulares, um desmatamento crescente e práticas agrícolas precárias tornaram o solo seco ou contribuíram para lavá-lo — o que levou à degradação do meio ambiente e à desertificação.
“Em muitas dessas áreas rurais, o meio ambiente e as condições dos recursos naturais são uma das razões que impulsionam a migração”, afirma Alagie Manjang, vice-secretário permanente no Ministério do Meio Ambiente, Mudanças Climáticas e Recursos Naturais.
Na avaliação do chefe da pasta, o ministro Lamin Dibba, o êxodo rural, principalmente dos jovens, é uma das causas que explica por que 53,5% da população gambiana vive atualmente no entorno da capital do país, Banjul. Ainda segundo o dirigente, a falta de oportunidades nessas áreas periféricas faz com que algumas pessoas pensem em ir ainda mais longe.
“A maioria deles pensa que a Europa é a solução, então eles deixam (o país) para procurar por uma grama mais verde lá fora”, afirma Dibba.
Bubu Jallow, meteorologista e um dos principais negociadores em mudanças climáticas da Gâmbia, aponta que uma redução de 30% nas chuvas, ao longo dos últimos 50 anos, levou as pessoas a abandonarem o campo.
“O fluxo (de pessoas) do (meio) rural para o urbano tem acontecido desde os anos 1970 porque as chuvas no país realmente minguaram depois de 1968”, explica o especialista.
Fatou Touray é governador da região do Rio Alto, onde houve um êxodo massivo da juventude e também muitas perdas. “Tantos jovens morreram”, conta o dirigente, que lembra o caso de uma família que perdeu sete filhos em naufrágios no Mediterrâneo, em 2016.
Touray e outros políticos estão empenhados em desmitificar as ideias, disseminadas nas redes sociais, de que a Europa, a um pulo de distância do outro lado “rio”, é um paraíso para os pobres.
A Associação de Retornados de Camora quer diminuir a migração dos jovens e ajudar os que voltam a se reinserir na agricultura, obtendo terras nas províncias mais atingidas. A organização já conseguiu proteger e garantir alguns terrenos degradados por meio de negociações com chefes de vilarejos. A instituição também espera que os jovens terão mais oportunidades, conforme o governo tenta construir uma economia verde.
Dibba quer criar 25 mil empregos verdes para os jovens nas suas próprias comunidades, a fim de conter a migração e impedir que a Gâmbia se torne cada vez mais dependente da importação de alimentos.
O ministro deposita esperanças num projeto de 25,5 milhões de dólares da ONU Meio Ambiente, que promoverá a adaptação em larga escala da produção agrícola aos ecossistemas naturais.
O programa Adaptação baseada nos Ecossistemas vai fortalecer a resiliência climática em quatro regiões, recuperando terras aráveis degradadas, regiões de savana e floresta com espécies nativas e desenvolvendo uma economia sustentável, baseada em recursos naturais e gerida pelas comunidades locais.
“Esse projeto vai recuperar até 10 mil hectares de florestas degradadas e parques de vida silvestre por meio do reflorestamento, enriquecimento do plantio, conservação de espécies raras ou em risco, assim como (vai promover também) a recuperação de 3 mil hectares de terras agrícolas abandonadas ou periféricas.”
A ONU Meio Ambiente vai implementar o projeto, financiado principalmente pelo Fundo Global para o Meio Ambiente, ao longo dos próximos seis anos. A expectativa da agência é ajudar pelo menos 11,5 mil famílias diretamente e outras 46,5 mil indiretamente.
“Todos nós deixamos esse país à procura de uma grama mais verde e voltamos agora para procurá-la aqui”, diz Camora.
“Temos de acreditar em nós mesmos e dizer que somos africanos, não europeus, e as pessoas lá podem estar na nossa frente, mas, como jovens, precisamos encorajar os gambianos para que eles possam permanecer e viver bem aqui.”
Fonte: ONU BR