O embate entre dignidade da pessoa humana, violência, liberdade e sua subespécie liberdade de expressão é imemoriável de tão antigo. Possui vestígios nos vários textos gregos, romanos e bíblicos.

O filósofo grego Sócrates, em seu julgamento, conforme relato de Xenofante e Platão, seus discípulos, afirmou que o orador público tem o dever de dizer a verdade.

Não podemos esquecer, nesse sentido, que a crucificação de Jesus (que dizia a verdade) foi fruto da campanha difamatória de sacerdotes e poderosos que buscou lhe retirar a natureza divina que nele se ouvia e se via pelos bons exemplos, que fala(va)m por si, como o que pregava e se praticava, “não causar mal a outra pessoa”.

Exatamente, Jesus defendia a liberdade (de expressão) ao mesmo tempo em que pregava a não violência, o respeito e a consideração a cada pessoa, mas foi capturado, julgado e crucificado pelo ódio da infâmia e da mentira, daqueles que extrapolaram os limites da própria liberdade defendida pelo Messias.

Não demorou muito para que, nas guerras modernas, os comandantes-generais usassem da mesma estratégia dos carrascos de Cristo, a de extrapolar os limites da liberdade e disseminar mentiras de um alvo a ponto de incitar a multidão, as pessoas comuns, a pegar em armas e a ter ódio mortal desse que agora era o novo inimigo da vez.

Embora tenha acontecido em várias guerras, a mais emblemática e aterradora que a memória ainda alcança foi a propaganda nazista que, tornando judeus e quase todo o mundo “inimigos membros de sub-raças”, buscou exterminar populações inteiras que não tivessem determinadas características étnicas e culturais. Se os nazistas tivessem vencido, o Brasil talvez não existiria hoje.

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Atualmente, assiste-se a estes novos velhos problemas. Entretanto, agora no ambiente global do mundo virtual dos aplicativos e das redes sociais.

Pessoas mal-intencionadas propagandeiam por estes meios que a liberdade e sua subespécie liberdade de expressão são direitos absolutos e, por isso, sem limites ou diálogos com outros direitos. Exteriorizam, por meio de Fake News e discursos de ódio, os seus piores pensamentos, elegendo inimigos públicos e causando o mal concreto.

Curiosamente, os que agora defendem a liberdade absoluta – se não faltaram a escola elementar – são vítimas das chamadas Fake News, a forma contemporânea de, pela mentira, atingir com violência psicológica, moral, política e até física alvos eleitos pelos terroristas covardes que hoje se escondem no ambiente virtual, livres das regras basilares constitucionais e cristãs.

Os exemplos mais importantes são as Fake News eleitorais que levaram à invasão do Capitólio nos Estados Unidos e ao terror do Oito de Janeiro no Brasil, quando pessoas alucinadas em histeria tentaram golpear a democracia e instalar uma ditadura. Pelas Fake News, as pessoas comuns são levadas a acreditar em teorias da conspiração, como as que dizem que as vacinas são diabólicas e que as urnas eleitorais no Brasil foram fraudadas nas eleições de 2018 e 2022.

No Congresso Nacional, de parte a parte, alguns membros do Parlamento vêm ora usando de Fake News, ora sendo usados pelas Fake News, para, da mesma forma, agredirem psicológica e fisicamente seus alvos tratados como inimigos. E tudo isso na praça pública das redes sociais sem controle, na forma de tribuna pública irrestrita e ilimitada. Para estes, o importante é gritar a mentira mais importante da semana e vestir-se de modo obsceno ou grotesco para chamar a atenção de todos.

Na sociedade, de terroristas franceses cooptados pelo “Estado Islâmico”, como aqueles que invadiram a casa de espetáculo, em Paris, Bataclan, aos jovens brasileiros que estão invadindo escolas e outros ambientes para assassinar até mesmo crianças, o meio usado foram as Fake News disseminadas com ódio em aplicativos e redes sociais, sem que houvesse resposta quer dos Provedores e Proprietários destes instrumentos, quer do Estado, diante da ausência de mecanismos normativos e técnicos eficazes.

Por isso, o básico deve ser reafirmado e o Congresso Nacional tem de cumprir sua missão. Assim, não obstante a liberdade de pensamento seja um direito, por óbvio, absoluto – todo mundo pensa o que quer e mesmo o que não quer – a liberdade de expressão, por estar na zona da ação ética no campo biográfico das pessoas, não o é.

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A liberdade de expressão como bem jurídico a ser protegido encontra limites nos demais bens jurídicos que igualmente estão na zona da ação ética. Portanto, a liberdade de expressão é direito relativo que pode ser limitado, a depender das circunstâncias fáticas e jurídicas, especialmente limitada pela dignidade da pessoa humana e pelos direitos à saúde, à integridade física, à vida e à liberdade das demais pessoas.

Por consequência, se nem tudo podia ser dito contra Jesus para crucificá-lo, nem tudo hoje pode ser dito para, por exemplo, invadir prédios públicos, golpear a democracia, assassinar crianças em escolas, pois a liberdade de expressão não pode ser instrumento de aniquilamento dos demais direitos reconhecidos na Constituição, especialmente a convivência harmônica e democrática entre os poderes e as pessoas.

Na sociedade contemporânea dita do conhecimento e da tecnologia, em que o poder do Estado passa a ser partilhado por empresas das tecnologias da informação, é fundamental que estes atores em diálogo cooperativo normatizem instrumentos inteligentes eficazes de vigilância e de ação para impedir a disseminação das Fake News e dos discursos de ódio. Se a isso, que é basilar, se está dando o nome, em tom pejorativo, de “regulamentação das redes sociais”, pouco importa, já que o importante mesmo é evitar a corrosão da democracia e dos direitos fundamentais de todos e de qualquer pessoa.

Por isso, ao invés de regulamentação como se fosse uma espécie de amordaça, prefiro chamar de constitucionalização da mídia ou de cristianização dos meios de comunicação em massa, das redes sociais e dos aplicativos de mensagens.

Trata-se, assim, do autocontrole, por parte do Estado e dos atores privados da tecnologia da informação, das redes sociais cuja ideia principal é o combate às Fake News e ao discurso de ódio que opõe concidadãos e até mesmo familiares. Embora as redes sociais tenham trazido muitos benefícios, como a democratização do acesso à informação e à facilidade de conexão entre pessoas, elas não podem ser usadas de maneira irresponsável e prejudicial.

Portanto, o autocontrole cooperativo das redes sociais e o combate às fake news são medidas necessárias para garantir que a informação seja compartilhada de maneira responsável e segura.

Temos de ter consciência do dever básico constitucional e cristão de que todas as empresas e as pessoas em geral têm de não causar mal a ninguém, visto cada vez mais a necessidade de proteção sistêmica de todos os direitos fundamentais e humanos, não sendo lícito que o direito à liberdade de expressão reine soberano e absoluto a ponto de aniquilar o Estado e a sociedade.

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Desse modo, a proposta é menos de “regulamentação” e mais de reafirmação dos deveres morais constitucionais e cristãos ou, se apegados estamos ao termo em voga, chamemos ao menos de regulamentação cooperativa constitucional e cristã do ambiente virtual, sem o que corremos o risco de corromper a democracia, a vida comunitária e a nação brasileira.

*Ricardo Ayres é deputado federal (Republicanos-Tocantins), advogado com pós-graduação em Ciências Políticas pela Universidade Federal do Tocantins, instituição onde também é mestrando em Gestão Pública