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Por Wélere Barbosa/Conteúdo Gazeta do Cerrado

Depois de ter acumulado três graduações em minha trajetória acadêmica, conquistei maturidade profissional e pessoal suficientes para satisfazer um desejo pessoal da adolescência: cursar a faculdade de História como minha quarta graduação. E os encantos e inquietações desse encontro fantástico me provocaram a, diante de uma realidade inusitada no Tocantins, escrever essas linhas que seguem, com o estrito objetivo de realizar uma tímida reflexão histórica.

As mulheres são maioria na população brasileira: 51,6% em relação ao sexo masculino. Há no país 6,3 milhões de mulheres a mais do que homens, conforme o último Censo Demográfico realizado no País. No entanto, pesquisa realizada em 2020 apontou que apenas 34% dos cargos de liderança sênior no Brasil são ocupados por mulheres.

Quando mulheres desempenham funções públicas, sendo técnicas ou políticas, com maestria se ouve sempre as frases: “mulheres são mais detalhistas”; “Mulheres possuem uma inteligência emocional mais aguçada”; “mulher é mais habilidosa”. Ora, se esses são os discursos correntes do imaginário social, por que então não possuem status de incentivadores para termos mais mulheres liderando?

Percebe-se, ao refletir sobre nossas identidades culturais, que o patriarcado foi sempre o modelo adotado por nossa sociedade e aceito por séculos, estando fortemente arraigado em nossa cultura. Que o poder primário no âmbito público ou familiar se naturalizou na figura masculina e toda mudança que discuta essa ordem secular por muitas vezes é vista como afronta. Mas neste contexto não há meio termo: ou você é império ou você é resistência: escolhi o lado da força… (risos).

A luta feminina por ocupação dos espaços públicos de decisão não é apenas justa como necessária para firmarmos os marcos de uma sociedade civilizada, contemporânea e em desenvolvimento. Mas essa luta não deve ser só de mulheres: é uma luta de toda a sociedade, pois qualquer tipo de segregação só leva à barbárie, uma vez que o progresso social só é possível se ele se estender a ambos os sexos.

Ao observar as conquistas mais significativas da ocupação feminina dos contextos de liderança e de lugar de fala no Brasil verificamos que elas se deram ao longo do século XX, a partir da década de 1930. Porém, como “aspirante” a historiadora, quero rememorar o pioneirismo de uma mulher fantástica que marcou a nossa história ainda no século XIX: Maria Quitéria de Jesus.

Em 1822, a audaciosa Maria Quitéria alistou-se no exército brasileiro, vestida de homem, habilidosa e disciplinada lutou na Guerra da Independência, sendo a primeira mulher do país a ingressar numa unidade militar. Uma verdadeira heroína que serviu de inspiração pela coragem ao enfrentar um espaço que até aquele momento era exclusivamente masculino, mesmo utilizando-se do pseudônimo “Soldado Medeiros”, representou um marco na igualdade de gênero.

Com base nessa história de coragem e de luta na busca por espaço social quero destacar alguns direitos, mesmo que simples, mas que para as mulheres demoraram décadas para ser implementados e que só foram possíveis após muitas batalhas:

1932 – direito ao voto feminino.

1974 – direito a possuir cartão de crédito.

1979 – direito a jogar futebol.

1985 – implantação da primeira delegacia da mulher.

1988 – direito de igualdade de homens e mulheres.

1999 – as mulheres puderam ascender ao posto de Major na PMTO.

Dez 2015 – construção do primeiro banheiro feminino dentro do plenário do Senado Federal.

O último dado é muito ilustrativo de que no Brasil, país que ocupa a 10ª posição no ranking das economias internacionais, ainda precisa superar muito de sua defasagem cultural, estabelecendo um novo sentido na relação entre homens e mulheres. Cabe destacar que grande parte dos países europeus (principalmente do norte) e sul-americanos, além do Canadá e da Austrália, já estão bem mais avançados do que nós.

E no Tocantins, como anda a representação feminina nos espaços públicos? Bom, eu quero pegar o gancho das eleições municipais de 2020 e destacar primeiramente as mulheres eleitas no Estado. Segundo o TRE-TO, em 01 de janeiro de 2021, 281 mulheres assumiram cadeiras nas prefeituras e câmaras municipais do Estado, o que representa um aumento tímido, mas passível de comemoração, em relação a 2016, sendo 1,7% superior. O número de vereadoras eleitas aumentou de 203 para 229; de vice-prefeitas de 26 para 32; já o número de prefeitas diminuiu de 24 para 20, num Estado que conta com 139 municípios.

Em Palmas, a capital do Estado, a segunda prefeita eleita para comandar a cidade (no primeiro mandato, conquistado em 2016, Cinthia Ribeiro foi eleita na condição de vice), foi reeleita e, juntamente com ela, 4 vereadoras para uma Câmara Municipal com 19 cadeiras, sendo que em 2016 apenas 2 vereadoras conquistou esse espaço de poder.

Esses números podem parecer pequenos, mas num 2020 tão difícil de ser mulher que vimos chorar muitas “marias e clarices no solo do Brasil”, onde assistimos episódios dolorosos de mulheres vítimas de crimes que foram tratadas como culpadas e outras centenas de mulheres que foram vítimas de feminicídio, figuram como uma luz no fim do túnel. De fato, em termos de direitos humanos essenciais à condição civilizatória, o Brasil andou para trás no ano que passou… Isso, sem dúvida, representa um grande problema para a Segurança Pública e necessita de especial atenção.

Voltando à posição inicial colocada no título desse artigo e expondo sobre o inusitado em nosso Estado, questiono: e como anda a ocupação de posições por mulheres na Segurança Pública do Tocantins, especificamente na Polícia Militar?

Em nossa jovem PMTO quero destacar que houve significativos avanços da representatividade feminina; mesmo num espaço público marcado culturalmente por lideranças masculinas, as mulheres demonstraram sua garra e conquistaram seu lugar de fala.

O quartel do Comando Geral, situado a quadra 304 sul, possui um monumento dedicado aos policiais pioneiros, uma homenagem àqueles que com a criação do novo Estado optaram por construir a história da PMTO. Na placa de homenagem constam 1.037 nomes, dentre estes apenas duas mulheres: uma terceiro sargento e uma cabo, que oriundas da polícia militar de Goiás, vieram desbravar caminhos que futuramente seriam seguidos por muitas outras. Estas duas mulheres representavam 0,1% do efetivo da época e inauguraram a história feminina na corporação militar do nosso Estado.

Nesta perspectiva histórica, torna-se importante relacionar alguns marcos da carreira militar feminina ao longo dos anos de criação de nosso Estado, como a conquista da igualdade de direito para a ascensão ao oficialato superior e, assim, se ter a perspectiva de alcançar o último posto da corporação, direito este conquistado por meio da lei Complementar nº 22/1999. Antes deste dispositivo legal, as mulheres, mesmo aprovadas em concurso público e realizando o curso de formação de oficiais comuns a ambos os sexos, só eram promovidas até o posto de Capitão, sendo o oficialato superior (Major, Tenente Coronel e Coronel), restrito ao gênero masculino. Foi no ano de 2009, após 20 anos da criação da instituição militar tocantinense, que tivemos a primeira mulher promovida, na ativa, ao posto de CORONEL da PMTO.

Desafios não faltaram para as policiais num estado tão grande, mas cada uma que ingressou na corporação deixou e vem deixando sua marca. As mulheres estão presentes atualmente em todas as frentes de serviço: no policiamento ostensivo, nas patrulhas, na atividade administrativa, no serviço de saúde, na banda de música e nas funções de liderança.

Por fim, no ponto do inusitado, avançamos mais uma etapa, mais um espaço que para muitos pode ser considerado banal, trivial, pelo costume de estarem sempre ocupando e nem se atentarem ao que até parecia loteado ou exclusivo. No final de 2020 vimos a Coronel Alaídes Pereira Machado, símbolo de serenidade, aquela que foi apresentada a uma certa turma de recrutas em 2003 como “bicho papão”, PASSAR DA ANTESSALA e ocupar de fato função no comando geral.

Por ato do governador Mauro Carlesse (que reforçará o seu lugar nos anais da história), a menina da fundação Bradesco, a funcionária civil do quartel, a primeira colocada da sua turma de cadete, a comandante da companhia de alunos, a primeira mulher a assumir uma diretoria na instituição, tornou-se, para a nossa alegria, Subchefe do Estado Maior da PM-TO, passando a compor a tríade de decisão da corporação.

Como eu disse, parece um ato simples, mas para nós, mulheres, representa um passo significativo na valorização de nosso trabalho, na superação das desigualdades de gênero e na esperança de que a barbárie não pode mais ameaçar a civilização em pleno século XXI. Nós, mulheres policiais militares do Estado do Tocantins, estamos muito orgulhosas!

Que 2021 nos reserve mais exemplos de conquistas, de equidade, de representatividade e de qualidade de vida nas mais diferentes esferas sociais.

Wélere Barbosa é graduada em Segurança Pública, em Direito, em Educação Física e, agora, cursa História. É especialista em Ciência Política, Ciências Jurídicas e em Docência Universitária. É Mestre em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública e Mestre em Educação Física. Atualmente cursa Doutorado em Educação Física na Universidade de Brasília – UnB. É Tenente-Coronel da Polícia Militar do Tocantins.