Por Stefhane Santana e Cleide Diamantino
Desde o início do ano o Brasil e o mundo vivenciam diversos desafios para enfrentar a pandemia causada pelo novo coronavírus, que tem provocado um cenário de incertezas com uma crise sanitária sem precedentes e que alterou fortemente o modelo de organização social. Essa alteração exige de cada um/a mudanças de comportamentos buscando preservar a própria saúde e a saúde do/a outro/a. E nesse aspecto avaliamos que ainda há muito o que aprender sobre o que significa viver em coletividade.
Após o anúncio da pandemia, a Organização Mundial da Saúde (OMS) tem reiteradas vezes feito recomendações para conter a disseminação do vírus, auxiliando também o sistema de saúde para evitar que o mesmo entre em colapso. Com isso, chefes de Estado de diversos países do mundo têm reforçado o isolamento social em seus pronunciamentos oficiais e fornecido condições para que a população adote tais medidas.
No entanto, o cenário brasileiro nos coloca na contramão desse caminho, tomando rumos diferentes do restante do mundo, uma vez que o presidente Jair Bolsonaro tem contrariado as recomendações da OMS, com pronunciamentos que desconsideram a gravidade e as consequências da pandemia, além de aparições em manifestações de caráter fascista que incentivam a ruptura democrática no país.
A conjuntura política, econômica e social no Brasil também apresenta sinais de uma crise que ainda não é possível prever suas consequências, tal panorama coloca o país em patamares cada vez mais altos, com o crescente número de casos confirmados e de mortes provocadas pela Covid-19, fazendo com que ocupemos o 2º lugar no ranking.
Diante deste cenário, outro fator preocupante é o aumento do índice de violência contra as mulheres. No contexto do isolamento social encontram-se milhares de mulheres, que bem antes da necessária situação de isolamento social, já eram vítimas de violência doméstica em suas variantes: física, psicológica, patrimonial, moral e sexual.
Violência contra as mulheres
Vale ressaltar que o aumento dessa violência não se dá apenas nesse contexto pandêmico, percebe-se que esse número vem crescendo nos últimos anos, acarretando ao país índices alarmantes, ocorrendo sua intensificação no atual contexto. Frente a isso, os dados apresentados pelo Atlas da Violência 2019 evidencia que entre 2012 e 2017 houve um aumento de 17,1% nos homicídios de mulheres dentro de casa [1]. Além disso, de acordo com o levantamento realizado pelo Monitor da Violência “o Brasil teve um aumento de 7,3% nos casos de feminicídio em 2019”[2].
Desse modo, alguns estados da federação já apontam indícios dessa triste realidade: no Rio de Janeiro, registrou-se um aumento de 50% nos casos de violência doméstica entre os meses de março e abril deste ano [6] em comparação ao mesmo período de 2019. A Defensoria Pública do Estado do Tocantins registrou, só durante o mês de março de 2020, 105 atendimentos de mulheres vítimas de violência doméstica [7]. Tais dados demonstram como o estado ainda precisa adotar políticas públicas mais complexas para enfrentar tal realidade.
A necessária situação de isolamento social intensifica os casos de violência contra as mulheres, uma vez que estas convivem por mais tempo no ambiente doméstico com seus agressores. Porém, o governo não tem apresentado estratégias para enfrentar esse contexto de violência, ao invés disso, presenciamos o sucateamento das políticas públicas voltadas para a proteção das mulheres.
No Tocantins, os dados levantados pela Defensoria Pública (DPE) e Secretaria de Segurança Pública do Estado revelam que entre os meses de janeiro de 2018 e março de 2019 mais de 30 mil mulheres foram vítimas de violência doméstica [3]. Assim, o Tocantins ocupa o 8º lugar no ranking de maior índice de violência contra as mulheres [4]. Quais medidas estão sendo tomadas para proteger a vida das mulheres?
Diante dos dados de violência doméstica apresentados pela Defensoria nesse período de pandemia da Covid-19, a Assembleia Legislativa do Estado do Tocantins instituiu a Política de Prevenção da Violência Doméstica com a Estratégia de Saúde da Família.
Nós por Nós
Partindo desse contexto, os movimentos e organizações sociais têm atuado para dirimir os efeitos da pandemia na vida das pessoas, englobando o enfrentamento a violência doméstica. O combate a essa violência caracteriza-se como uma das ações da Campanha de Solidariedade Nós por Nós – Periferia Viva que objetiva ser uma ponte entre quem precisa e quem pode ajudar.
As ações são feitas com o máximo de segurança com e pelo povo, promovendo a solidariedade para auxiliar os e as mais vulneráveis em busca da proteção da vida e dignidade humana. A campanha envolve a arrecadação de recursos para doação de alimentos, itens de higiene, disseminação de informações para conscientização e combate da violência contra as mulheres, bem como a garantia de direitos daqueles que precisam.
Uma de nossas tarefas é difundir a existência e aumento dessa violência durante o isolamento social, informar os meios para a realização da denúncia, os serviços que atendem essa demanda, e estimular a necessidade de denunciar essa violência, tanto por parte das vítimas, como das pessoas que presenciam essa situação. Uma vida sem violências é um direito das mulheres. Denuncie através do Ligue 180 e Disque 190 da Polícia Militar.
Lutamos por uma vida sem violência para as mulheres!
Ela é tão livre que um dia será presa.
Presa por quê?
Por excesso de liberdade.
Mas essa liberdade é inocente?
É. Até mesmo ingênua.
Então por que a prisão?
Porque a liberdade ofende.
Stefhane Santana
Psicológa, militante do Levante Popular da Juventude / Tocantins
Cleide Diamantino
Pedagóga, militante do Consulta Popular / Tocantins
Referências
[1] Disponível em: https://g1.globo.com/monitor-da-violencia/noticia/2020/03/05/mesmo-com-queda-recorde-de-mortes-de-mulheres-brasil-tem-alta-no-numero-de-feminicidios-em-2019.ghtml, acesso em: 25.05.2020.
[2] Disponível em: https://g1.globo.com/monitor-da-violencia/noticia/2020/03/05/mesmo-com-queda-recorde-de-mortes-de-mulheres-brasil-tem-alta-no-numero-de-feminicidios-em-2019.ghtml, acesso em: 25.05.2020.
[3] Disponível em: https://g1.globo.com/to/tocantins/noticia/2019/11/25/em-15-meses-quase-30-mil-mulheres-sofreram-violencia-domestica-no-tocantins.ghtml, acesso em: 17.05.2020.
[4] Disponível em: https://gazetadocerrado.com.br/tocantins-e-o-8o-no-pais-com-maior-indice-de-violencia-contra-a-mulher/, acesso em: 17.05.2020.
[5] Ao falarmos de violência contra as mulheres, não nos referimos apenas aos casos que envolvem relações íntimas, mas também a violência cometida às mulheres do pai com a filha, do filho com a mãe, do irmão com a irmã, destes para com mulheres avós, considerando que Lei Maria da Penha (11.340/06) visa repelir a violência de gênero praticada no âmbito doméstico ou familiar.
[6] Disponível em: https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2020/03/23/casos-de-violencia-domestica-no-rj-crescem-50percent-durante-confinamento.ghtml, acesso em: 17.05.2020.
[7] Disponível em: https://www.defensoria.to.def.br/noticia/42726, acesso em: 17.05.2020.
[8] Disponível em: https://secom.to.gov.br/noticias/cidadania-e-justica-alerta-para-o-aumento-da-violencia-domestica-contra-as-mulheres-durante-o-isolamento-social-499713/, acesso em 29.05.2020