Por Rubens Gonçalves – Jornalista
Em 2003, a escritora Lionel Shriver chocou o mundo com seu livro Precisamos falar sobre o Kevin. A obra (que foi às telas de cinemas em 2011) põe o dedo na ferida dos estadunidenses ao abordar o tema dos massacres em escolas por adolescentes.
Da mesma forma, nós precisamos falar sobre um tema ainda tabu no Brasil: o aumento do número de suicídios infanto-juvenis. De acordo com uma pesquisa realizada pelo Ministério Público do Paraná (MP/PR), atualmente o suicídio é a terceira causa de morte na adolescência, e a tentativa de autoextermínio a principal causa de emergência psiquiátrica em hospitais gerais.
O levantamento mostrou também que 98% das pessoas que cometem suicídio apresentam algum distúrbio mental à época do suicídio, especialmente transtorno do humor (depressão, bipolaridade, etc), e que mais de 70% das crianças e adolescentes com transtornos de humor grave não apresentam sequer diagnóstico, que dirá tratamento adequado.
O suicídio é uma das dez maiores causas de morte em todos os países. No Brasil – segundo o estudo do MP/PR – a taxa de suicídio de jovens entre 15 a 24 anos de idade aumentou 20 vezes de 1980 para 2000, principalmente entre homens.
Porém, os números frios das estatísticas não traduzem nem a origem nem a dor causada pelo suicídio, tentativa de suicídio e automutilação de crianças e adolescentes. Muitos especialistas no assunto atribuem o problema à fragilidade atual das relações e dos vínculos entre as pessoas, sobretudo entre pais, mães, cuidadores e as crianças.
A escritora e especialista em saúde coletiva, Ligia Moreiras, lembra que diferentes autores têm tratado desta questão. Um deles é Zygmunt Bauman. “O ‘amor líquido’ sobre o qual Zygmunt Bauman tanto fala não se restringe às relações dos adultos entre si, mas também entre adultos e suas crianças”, escreveu Ligia em seu site cientista que virou mãe.
A abordagem da cientista, no texto aqui citado, diz respeito a outro assunto, não menos preocupante, que é o abuso sexual contra crianças e adolescentes. Mas seus argumentos servem perfeitamente para a discussão sobre a “epidemia” de suicídio infanto-juvenil.
De fato, o problema tem a ver com a falta de solidez das relações – por se tratar de pessoas em desenvolvimento – principalmente com a família. “Buscamos o rápido e efêmero estímulo à independência. Boa criança é aquela que rápido aprende tudo sozinha, que rápido faz tudo sozinha, que rápido dispensa ajuda para dar conta de tudo sozinha”.
A conclusão parece óbvia: se não convivemos com nossos filhos, se não estabelecemos fortes vínculos com eles, nunca seremos capazes de perceber suas mudanças comportamentais, uma vez que sequer sabemos qual é o comportamento natural deles.
Como fez a autora de Precisamos falar sobre o Kevin, temos que discutir, sem meias palavras, a questão da automutilação e suicídio de nossas crianças e adolescentes. E sugiro que comecemos por descontruir o preceito segundo o qual esses problemas têm a ver com “drama”, “frescura”, “falta de Deus”, “falta do que fazer”…
*Rubens Gonçalves é Jornalista que atua há vários anos no Tocantins.
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