
A Operação Fames-19, deflagrada pela Polícia Federal, revelou um esquema de corrupção milionário envolvendo contratos de fornecimento de cestas básicas durante a pandemia da Covid-19 no Tocantins. As investigações resultaram no afastamento do governador Wanderlei Barbosa (Republicanos) e da primeira-dama Karynne Sotero Campos, por decisão do ministro Mauro Campbell, do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Segundo a PF, o grupo teria fraudado licitações, desviado recursos de emendas parlamentares e lavado dinheiro por meio de empresas de fachada e de um empreendimento de luxo em construção em Taquaruçu, a Pousada Pedra Canga, estimada em mais de R$ 6 milhões.
Como funcionava o suposto esquema
O inquérito aponta que, desde quando era vice-governador e responsável politicamente pela Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social (Setas), Wanderlei Barbosa já controlava os contratos milionários de cestas básicas e frangos adquiridos com recursos emergenciais da pandemia.
A Polícia Federal afirma que, ao assumir o governo em 2021, o esquema se ampliou e passou a incluir também recursos de emendas parlamentares estaduais. O método escolhido para os desvios – produtos perecíveis – dificultava a fiscalização posterior.
Interceptações telefônicas, mensagens apagadas e relatórios de inteligência financeira mostraram que assessores próximos do governador, como Marcos Martins Camilo (chefe de gabinete) recebiam recursos em espécie de empresários contratados pelo Estado e usavam esse dinheiro para pagar boletos e despesas pessoais do governador.
Um dos diálogos recuperados pela PF registra que o próprio Wanderlei não queria que nada fosse registrado em seu nome, instruindo que os bens ficassem em nome de familiares.
O marco das investigações foi a descoberta de que parte dos valores desviados foi canalizada para a construção da Pousada Pedra Canga, em Taquaruçu, região turística de Palmas. O empreendimento foi registrado em nome dos filhos do governador, e os balanços contábeis foram manipulados às pressas em março de 2025, dias após as diligências da PF, em uma tentativa de justificar a origem dos recursos.
Para o ministro Mauro Campbell, há “inequívocos indícios de lavagem de capitais em curso”, o que justificou o afastamento de Wanderlei e Karynne para evitar a continuidade dos crimes dentro da máquina pública.
A decisão judicial destaca que o grupo privilegiava pagamentos em espécie para dificultar o rastreamento. Em apenas uma ocasião, a servidora Laiane de Souza Silva, secretária-executiva nomeada pelo governador, sacou quase R$ 1 milhão em dinheiro vivo.
Empresas como a NC Comércio de Alimentos Ltda., controlada por assessores ligados ao governador, eram usadas para esquentar os recursos desviados. A PF também aponta que lobistas e empresários negociavam contratos diretamente com Wanderlei e a primeira-dama, sempre com a exigência de “retorno” em propina.
As interceptações mostram cobranças de até R$ 550 mil em espécie em contratos de fornecimento de proteína animal e conversas sobre propinas vinculadas a projetos sociais, como kits educativos voltados à conscientização sobre autismo.
Participação de parlamentares e empresários
As investigações também citam empresários como Adriana Rodrigues Santos e Joseph Ribamar Madeira, apontados como operadores do esquema, além de políticos que teriam indicado emendas parlamentares para alimentar os contratos fraudulentos.
O ex-deputado estadual e atual presidente da Junta Comercial do Tocantins, Issam Saado, foi mencionado em planilhas de pagamentos, mas seu afastamento não foi decretado nesta fase.
O deputado federal Ricardo Ayres (Republicanos) também é investigado por fatos ocorridos quando era deputado estadual. O STJ manteve a competência para analisar seu caso, já que os crimes estariam vinculados ao exercício do mandato anterior.
Decisão do STJ
O ministro Mauro Campbell determinou o afastamento de Wanderlei e Karynne por 180 dias, além de proibir que ambos frequentem prédios públicos como o Palácio Araguaia e a Assembleia Legislativa. Empresas suspeitas de participação no esquema tiveram as atividades suspensas.
Campbell afirmou que os fatos investigados são graves, contemporâneos e com “estreita relação com o exercício do cargo de governador”, justificando a medida excepcional.
“Wanderlei Barbosa transformou o governo do Tocantins em um balcão de negócios. Há provas robustas de recebimento direto e imediato de vantagens indevidas, inclusive mediante depósitos fracionados e pagamentos de despesas pessoais”, escreveu o ministro.
Crise política no Tocantins
O afastamento de Wanderlei Barbosa reacende a instabilidade política no Tocantins, que já viu quatro governadores afastados por ordem judicial desde sua criação em 1988.
Enquanto durar o afastamento, o governo será comandado pelo vice, Laurez Moreira (PSD).