Quando as discussões sobre o relançamento do carro popular começaram a pipocar no Brasil, há três meses, como uma forma de reanimar as vendas do setor, o preço estimado desses veículos girava em torno de R$ 40 mil. Rapidinho, a cotação saltou para R$ 50 mil. Agora, ela se acomoda com razoável sem-cerimônia sobre os R$ 60 mil. E tal quantia está a menos de R$ 10 mil de distância do valor dos automóveis mais baratos, já existentes do mercado.

A pergunta que faz o professor Antônio Jorge Martins, da Fundação Getulio Vargas (FGV), um especialista em assuntos ligados à indústria automotiva, é quem vai querer pagar essa bolada por um carrinho “pé-de-boi”, ou “pelado”, como são chamados esses automóveis, despidos de acessórios e “mimos” tecnológicos – entre eles, itens de segurança. Quem responde essa e outras questões é o próprio Martins, a seguir, em entrevista.

Faz sentindo relançar o carro popular no Brasil?

Não faz e não vejo como possa fazer. O projeto original do carro popular surgiu em 1993 (no governo Itamar Franco). Nesses 30 anos, os automóveis mudaram muito. Melhoraram itens de qualidade e segurança. Isso sem falar na emissão de poluentes. O carro popular não tinha nem segurança, nem conforto. Na verdade, ele deixou de existir à medida que o mundo evoluiu e o gosto dos consumidores mudou. O problema da recente queda das vendas na indústria automobilista não se resume ao preço do produto, embora ele seja importante.

Então, qual é o problema?

Perceba que, há pouco tempo, há coisa de um ano, havia demanda para carros completos, com tecnologia embarcada. O fato é que o poder de compra das pessoas não acompanhou a elevação de preços dos veículos, puxada pelo aumento do custo de partes, peças e componentes, caso dos semicondutores (os chips), além da inflação e da variação cambial. Ou seja, abriu-se um buraco entre o preço dos carros e o poder de compra das pessoas. Não vejo como uma diferença de R$ 10 mil possa resolver isso.

Mas bens desse valor podem ser financiados.

E esse é outro problema. Temos, hoje, um custo muito alto dos financiamentos por causa dos juros elevados. Entre 60% e 70% de todas as vendas de veículos no Brasil são realizadas por empréstimos bancários. E a sociedade já está num nível de endividamento muito elevado.

Os defensores dos “populares” falam em redução de impostos para esquentar a venda de veículos. Essa é uma alternativa?

Mesmo que essa redução ocorra, o problema não é menor. Só é diferente. Esse tipo de decisão tem um peso político muito forte. À medida que um setor se beneficia, outros vão querer o mesmo. Com uma medida desse tipo, abre-se um precedente. E não é só a indústria automobilística que passa por dificuldades no Brasil. Não sei se o governo vai ter peito para diminuir impostos, num momento em que precisa aumentar a arrecadação.

Outra a possibilidade seria liberar parte do FGTS para a aquisição de veículos. Isso funciona?

Isso significa pegar recursos de longo prazo da sociedade para jogar no curto prazo. Vale a pena? Não creio.

Como estimular a venda de automóveis, então?