Há quem faça o sinal da cruz quando Alexya Salvador, 39, revela que é cristã, pastora e mulher trans. “Eles entendem que eu sou a personificação do mal. Eu sou uma herege, uma blasfemadora dos assuntos de Deus”, conta.
Neste domingo (26), a pastora da ICM (Igreja da Comunidade Metropolitana), congregação evangélica que destoa de outras vertentes por ser aberta à comunidade LGBT, será ordenada reverenda em São Paulo. E a data não foi escolhida à toa. No Mês da Visibilidade Trans, ela se tornará a primeira reverenda transexual de uma igreja cristã na América Latina.
Esses ataques se intensificam quando sua tese, que é baseada na “teologia queer” e aponta Jesus como o primeiro transgênero que já existiu, entra em questão. “A lógica é simples”, explica em entrevista ao HuffPost Brasil. “Quando encarna do útero de Maria, ele transgride o gênero divino e assume o humano. Ou seja, originalmente ele era de um jeito e, depois, assume uma outra condição assim como toda pessoa trans faz durante a vida”, diz.
Por acreditar nesta tese, já foi amplamente criticada e ameaçada. “Jesus pregou acolhimento e preservação da dignidade humana. Mas Jesus pode bater, gritar, fazer ‘arminha’, ser macho, ser autoritário. Só não pode ser trans.”
A ICM, igreja da qual Alexya faz parte, foi criada há 50 anos nos Estados Unidos. Hoje a congregação está presente em mais de 100 países e é considerada “inclusiva”. Termo que ela, apesar de apoiar, estranha. “Quando a gente fala de uma ‘igreja inclusiva’, é redundante. Toda igreja deveria ser inclusiva. Está na premissa. Jesus foi um homem inclusivo”, diz.
Na cerimônia deste domingo, Alexya vestirá uma estola sacerdotal costurada por ela mesma. A atriz trans Renata Carvalho, que interpretou Jesus no teatro, levará o pão e o vinho até o altar. O bispo Ines-Paul Baumann, da Alemanha, que também é trans, comandará a cerimônia ― que terá representantes de segmentos progressistas do campo religioso. “Eu estou muito feliz por ser ordenada por uma mão trans. É uma mão que sabe o chão que eu piso.”
Jesus pode bater, gritar, fazer ‘arminha’, ser macho, ser autoritário. Só não pode ser trans.
“Há um tempo, a gente jamais poderia imaginar uma coisa dessas acontecendo [sua ordenação como reverenda]. Quando fui instalada pastora, há dois anos, já foi um reboliço. Porque, até então, não existia uma pastora trans no Brasil”, lembra.
Com receio de sofrer retaliações, a pastora pediu escolta policial até o local do evento. “Não é de se duvidar que algum grupo ou algum fundamentalista possa ir lá me dar um tiro”, diz. “A gente vive no País que mais mata pessoas iguais a mim e eu ainda me proponho a ser quem eu sou na religião”, diz.
Nascida em Mairiporã, na Grande São Paulo, Alexya conta que sua relação com a religião é antiga. “Aos 8 anos, fui sozinha pedir para fazer catequese. A igreja era o único lugar que eu não apanhava”, lembra. Ela frequentou a igreja católica como homem gay até os 28 anos, chegou a cursar seminário e desejava ser padre. Mas quando casou com seu atual marido, Roberto, e se entendeu enquanto mulher trans, decidiu pela mudança. “Eu cresci ouvindo que LGBT não era obra de Deus, que LGBT ia para o inferno. Ali [na ICM] eu encontrei subsídios para me entender enquanto trans e caminhar com tranquilidade.”
Alexya é pastora, mas também trabalha como professora de português na rede estadual de ensino há 16 anos. Atualmente, também é vice-presidente da Abrafh (Associação Brasileira de Famílias Homotransafetivas). Em 2015, ela adotou Gabriel, de 15 anos. Hoje, a família aumentou com a chegada de Ana Maria, de 13, e Dayse, de 8 ― ambas são transgênero, como a mãe.
As pessoas acham que fui eu que fiz as minhas filhas virarem trans, quando, na verdade, existiram várias outras tentativas de inserir as duas em outras famílias.
“As pessoas acham que fui eu que fiz as minhas filhas ‘virarem trans’, quando, na verdade, existiram várias tentativas de inserir as duas em outras famílias e elas eram constantemente recusadas, devolvidas. Os casais chegavam lá, e rejeitavam um menino que dizia que era menina. Ninguém queria”, conta.
Apesar de atuar em diversas frentes, a militância de Alexya é maior na teologia. Em 2018, ela tentou levar sua atuação para a política institucional quando disputou uma vaga para deputada na Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo) pelo PSol. Após uma campanha feita com poucos recursos, ela teve apenas 11 mil votos. Na época, Erica Malunguinho, também do PSol, foi eleita e ganhou o título de primeira deputada estadual trans do Brasil.
“Minhas propostas eram progressistas porque é exatamente isso que Jesus pregou. Defender o oposto disso é se alinhar com valores sociais que a gente tem que defender porque foi assim que Jesus ensinou.”
HuffPost Brasil: Neste domingo, dia 26, você será ordenada reverenda e será a primeira trans da América Latina a ocupar este posto. Como está sendo esse processo para você?
Alexya Salvador: Há um tempo a gente jamais poderia imaginar uma coisa dessas acontecendo. Quando eu fui instalada pastora, há dois anos, já foi um reboliço. Porque, até então, não existia uma pastora trans no Brasil, tampouco na América Latina. Hoje, na minha denominação, nós somos em três pastoras trans. A minha ordenação como clériga agora, fazendo parte da ICM (Igreja da Comunidade Metropolitana), é uma possibilidade de repensar o cristianismo verdadeiro. Aquele com os ensinamentos puros de Jesus: de acolhimento, de promoção da dignidade humana. E não esse cristianismo que é doutrinário, dogmático, colonizador de corpos, de pensamentos e de ideias e com o qual nós estamos acostumados.
Sua relação com a religião é antiga?
Minha família é católica, mas não é praticante. Eu lembro que, aos oito anos, eu, sozinha, fui fazer catequese. E, desde então, comecei a me envolver com a igreja. Eu gostava de estar lá. Lá era o único lugar que eu não apanhava. Porque eu cresci apanhando dos meninos na escola, eu era motivo de piada, de chacota, e a igreja era um lugar seguro, sabe? Então eu vou crescendo ali, na infância, na adolescência, e na fase adulta culmina em eu ir para o seminário. Eu estudei, comecei os estudos para me tornar um padre naquela época. Eu sempre senti que eu tinha um chamado, que eu nasci para estar nesse universo, nesse contexto.
Eu cresci ouvindo que LGBT não era obra de Deus, que LGBT ia para o inferno, que LGBT era uma abominação…Alexya Salvador
E esse caminho foi todo traçado na igreja católica?
Sempre. Eu fui católica até os trinta anos, que foi quando eu conheci a ICM. Para ser mais exata, aos 28 anos, eu rompi de vez com a igreja católica. Eu já estava no movimento de fazer a transição de gênero ― porque até então eu vivia como gay, e eu achava que eu era gay e eu não queria me aceitar. E é difícil você se aceitar, é um processo. Eu já não era acolhida ali. Você fica com medo de Deus, da religião, da família. E o meu marido, ele me conheceu homem, menino. Então, éramos um casal gay. E eu pensava “pronto, vou fazer a transição e vou perder o meu marido também”. Mas o dia que ele entendeu que não tinha outro jeito, que eu tinha que me transicionar, ele me deu todo o apoio e ainda falou “onde eu coloco todo o amor que eu sinto por você? Eu não vou deixar você”. Por um lado, é claro que eu gostaria de estar lá como Alexya, mas isso só seria possível daqui há 500 anos. E olhe lá.
Você fez a sua transição, então, frequentando a igreja católica?
Não. Eu faço a transição quando já estou na ICM. Lá, eu encontrei o oposto do que ouvi a vida toda na igreja católica. Eu cresci ouvindo que LGBT não era obra de Deus, que LGBT ia para o inferno, que LGBT era uma abominação… E, nesse outro ambiente, houve um rompimento. Comecei a entrar em contato com coisas que eu nunca tinha ouvido falar e eu começo a estudar, de fato, o que é a identidade de gênero e a teologia queer. Ali eu encontrei subsídios para poder me entender enquanto mulher trans e caminhar com tranquilidade.
E como foi esse processo? Você sentiu diferença no tratamento?
Completamente. A ICM é popularmente conhecida como a “igreja radicalmente inclusiva”. Então, quando eu chego com as minhas dúvidas, eu sou acolhida. Naquele momento, eu ainda era um pouco andrógina, tinha hora que era meio drag queen. Era de tudo um pouco. Porque foi tudo um processo que, aos poucos, eu também fui me permitindo sentir. No fundo, no fundo, aquela vozinha que acusa a gente de ser errada, inútil, ela persiste. Mas esse ambiente me mostrou o quanto é importante a gente acolher as pessoas da forma como elas são, e amá-las. Amar e dizer: “aqui você é bem vindo. A gente está aqui para o que der e vier. Conta com a gente”. Isso é lindo de viver, de sentir. Meus filhos hoje frequentam comigo e eu fico feliz de saber que eles vão crescer em uma igreja diferente da que eu cresci.
Você é mãe de três filhos hoje, é isso?
Isso. Eu sou a primeira trans no Brasil a adotar.
E como foi esse processo? Houve alguma dificuldade por você ser uma mulher trans e pleitear uma adoção?
Olha, eu achava que era impossível. Porque até então nenhuma pessoa trans havia entrado em um processo de adoção, né? Se fala muito da família homoafetiva. Mas aí eu pensava “mas eu sou trans, eu não sou homossexual, como é que vai ser isso?”. E, então, em 2015, nós conseguimos adotar o nosso primeiro filho, o Gabriel. Hoje ele tem 15 anos e é um menino com necessidades especiais. E foi muito tranquilo o processo de adoção dele. A gente conheceu ele aqui em um abrigo de Mairiporã, onde eu moro, então, foi tudo muito perto, muito próximo. E, é claro que, em algum momento, se eu te disser que não percebi olhares de desconfiança da equipe técnica, olhares de alguém responsável para realizar o cadastro, por exemplo, estaria mentindo. É claro que teve. Mas eu não posso dizer que declaradamente alguém me discriminou ou fez alguma coisa de maneira direta. Isso não teve, graças a Deus. Mas eu posso dizer, assim, de certa forma, que foi um processo muito tranquilo, dentro de uma perspectiva histórica de preconceito social.
Já em 2016, nós fomos para Pernambuco para conhecer a Ana. Uma juíza de lá, sabendo que eu sou da Abrafh (Associação Brasileira de Famílias Homotransafetivas), entrou em contato comigo dizendo que, na comarca dela, tinha um menino para a adoção, de quase 10 anos. Ele dizia que se sentia como uma menina. Ela perguntou se nós queríamos ir até lá conhecer e, em duas semanas, eu, o meu marido e o Gabriel corremos para lá e voltamos com a Ana. No ano passado, a história se repetiu. Um pessoal da comarca de Santos, aqui no litoral de São Paulo, me ligou e me contou um caso muito semelhante ao da Ana. Na semana seguinte fomos buscar a Dayse, de oito anos.
As pessoas acham que fui eu que fiz as minhas filhas virarem trans, quando, na verdade, existiram várias outras tentativas de inserir as duas em outras famílias que não a minha e em todas as vezes houve recusa.
Na Abrafh, a gente cunhou o termo “família homotransafetiva”, porque assim é possível agrupar todas as definições de família até o dia em que não for preciso falar em família homo, trans, etc. Porque família é só família, né?
Você acredita que a noção de família está mudando para a igreja?
Muito. Mas a gente já tem algumas igrejas como, por exemplo, a “Igreja da Garagem”, que é uma igreja aqui de São Paulo e existem outros grupos hoje que já estão acolhendo famílias LGBT. E eu acho isso muito importante porque assim as pessoas podem crescer no lugar seguro, onde elas possam ser educadas e que traz a história delas, com a família delas. Acho que daqui há alguns anos vai ter esse histórico de geração a geração que passou por aquela igreja que acolheu e que pode promover dignidade humana.
Você, em algum momento, sofreu algum tipo de retaliação ou preconceito por ser uma religiosa?
Direto, o tempo todo. Desde quando eu comecei a dar entrevistas, enfim, participar de algumas coisas, os fundamentalistas vêm nas minhas redes escrever coisas horríveis. São ameaças de morte, xingamentos, porque eles entendem que eu sou a personificação do mal. Eu sou uma herege, uma blasfemadora dos assuntos de Deus, segundo eles. Como se, por eu ser quem eu sou, eu não tivesse o direito de ter fé.
Isso também vem dos próprios LGBTs. Muitos deles. Eles acham que está errado ser cristã, que a gente tem que perseguir o cristianismo, que a gente tem que perseguir ideias que falam contrárias à nossa vida. E o preconceito ele não é só no cristianismo, outras religiões trazem isso também. Eu recebo constantemente nas minhas redes sociais pessoas dizendo que eu sofro da “Síndrome de Estocolmo”. Como se, por ser uma pessoa trans eu não pudesse ser cristã. Eu entendo que o cristianismo fundamentalista causou danos às pessoas e que causou ― e ainda causa ― principalmente, para quem é LGBT. Mas o caminho é outro.
Eu luto, eu resisto e procuro tirar da minha cabeça tudo o que eu leio, que são coisas sérias. Teve uma pessoa, certa vez, que escreveu assim “eu sei onde você mora e eu vou picar você no machado”. Minha mãe tem muito medo, meu pai tem muito medo. E eu vou dizer pra você que, talvez, algum dia, você abra o celular e veja a notícia de que a reverenda trans foi morta. Eu sei que isso pode acontecer. A gente vive no País que mais mata pessoas iguais a mim.
Então, já que é o País que mais mata iguais a mim, e eu ainda me proponho a ser quem eu sou na religião, eu estou cutucando onça com a vara curta. Mas eu sei quem me chamou pelo nome, quem me deu um novo nome. Tanto que o tema da minha ordenação é o que está escrito no livro 2 de Timóteo: “Eu sei em quem acreditei, eu sei quem anda comigo”. E alguém tem que fazer isso, né? Até para que as minhas filhas e o meu filho tenham o direito de ter a fé deles e o direito de ser quem são.
O real papel de toda e qualquer igreja deveria ser o mesmo papel que Jesus tentou mostrar no evangelho, que é de justiça social, promoção da dignidade humana.
Você conversa com eles sobre essas questões e também sobre sexualidade?
Sim. Na escola, jamais, né? Na escola é difícil. Mas eu falo abertamente. Em muitas palestras que eu dou, eles estão comigo. Então eles crescem já com o ouvido muito afinado, sabe? Aqui em casa não tem melindre para falar sobre sexualidade. Então a Dayse e a Ana, principalmente, têm muitas dúvidas e eu e o pai explicamos. É claro que a gente sempre tenta usar uma linguagem que alcance, de fato, o entendimento delas, principalmente da Dayse, que tem oito anos, mas elas são superantenadas com o assunto.
Há um crescimento de grupos religiosos, em sua maioria evangélicos, que são conservadores e não apoiam causas sociais como a LGBT. Como você vê essa questão? Qual seria o papel da religião cristã ― no combate à LGBTfobia?
Eu vou ter falar de algo que soa redundante. Porque, quando a gente fala de uma “igreja inclusiva”, é redundante. Toda igreja deveria ser inclusiva. Está na premissa. Jesus foi um homem inclusivo. Jesus, sendo judeu, vindo de uma tradição muito forte, rompe com vários sistemas, com vários paradigmas e caminha e escolhe pessoas que não se enquadraram na religião do seu tempo ― e move mundos.
Dois mil anos de cristianismo se passaram e a gente vê que ele se distanciou muito do que foi ensinado por Cristo. No ano passado, quando a gente viu a igreja cristã, de forma geral, apoiar o Bolsonaro, por exemplo, eu me senti muito envergonhada. Eu tive vergonha de ser cristã naquele momento. Porque o Bolsonaro é a personificação de tudo aquilo que Jesus disse que era errado. De tudo aquilo que Jesus procurou combater. Seja no sistema religioso, seja no sistema político.
Então, o real papel de toda e qualquer igreja deveria ser o mesmo papel que Jesus tentou mostrar no evangelho, que é de justiça social, promoção da dignidade humana; de uma escolha radical pelos menos favorecidos, pela mulher, pelos doentes, pelos imigrantes.
E não ser essa igreja cristã, de forma geral, que coloniza tudo aquilo que a gente sente e que vai ditar doutrinas e dizer o que pode e o que não pode. Quando, na verdade, o que a gente não pode, é errar o alvo. Errar o alvo é pecar. E o que é pecar? É quando eu faço mal para mim e faço mal para o outro. Então se eu não estou fazendo mal para mim e nem para o outro, não existe pecado.
Você foi candidata a deputada estadual por São Paulo em 2018 pelo Psol. Como você vê a aproximação entre religião e política?
No passado, eu fui candidata a deputada estadual pelo PSol e tive quase 11 mil votos. Foi a minha primeira campanha e foi feita apenas com R$ 1.500 de caixa. E minhas propostas eram progressistas porque é exatamente isso que Jesus pregou. E eu fico feliz de ver que, na minha ordenação, estarão presentes grupos como as Católicas Pelo Direito de Decidir, os Evangélicos pela Diversidade e outros grupos e coletivos que são de vertentes protestantes e evangélicas. Essas pessoas estão tomando certa consciência de que, a prática desse cristianismo predatório, é incoerente. E que quando isso é atrelado ao discurso político, ganha proporções que, na minha visão, são nefastas. Defender o oposto disso é se alinhar com valores sociais que a gente tem que defender porque foi assim que Jesus ensinou.
Voltando à sua ordenação. Você pode contar um pouco como está sendo o processo? Pelo que soube, é preciso entregar uma espécie de “tese” e, na sua, você fala sobre Jesus ser transgênero. Poderia explicar?
Para eu ser ordenada clériga, eu tive que escrever uma tese teológica. Eu fiz faculdade de teologia da fraternidade, com disciplina de teologia queer, que não tem em faculdades tradicionais. Mas, enfim, é muito simples de entender, mas ainda é motivo de polêmica. Jesus ,antes de nascer através de Maria, segundo o cristianismo, Jesus já existia. Ou seja, a trindade pai, filho e espírito santo já existia desde todo o sempre. E dá para citar textos da bíblia que comprovam isso. Até aí nenhuma novidade.
Então, qual era o gênero de Jesus antes dele ser uma pessoa humana? O gênero divino. Quando Jesus nasce, e está lá “o verbo de Deus se fez carne, habitou entre nós”. Eu gosto de dizer que Jesus se travestiu de humanidade e habitou entre nós. Eu só troquei o verbo, mas o sentido é o mesmo. Então, Jesus sai do gênero divino e entra no gênero humano. Ou seja, Jesus também se transicionou. Originalmente ele era de um jeito, e depois ele assume uma outra condição, assim como toda pessoa trans faz. A lógica é simples, mas quando a gente fala em “Jesus transicionou” e o aproxima da ideia de trans, travesti, as pessoas logo associam algo pejorativo e rejeitam. Porque Jesus pode ser macho, pode ser autoritário, pode bater, gritar, fazer sinal de ‘arminha’. Mas Jesus só não pode ser trans, entendeu?
Essa questão foi levantada também em 2017, quando a atriz Renata Carvalho, que é trans e interpreta Jesus na peça Evangelho Segundo Jesus Rainha do Céu, foi censurada diversas vezes sob argumentos de que o espetáculo “feria preceitos cristãos”.
Ela, inclusive, é minha amiga, e estará na minha ordenação. E ela, no momento do ofertório, entrará com o pão e o vinho, junto com um monte de criança trans. É uma peça que tem uma mensagem linda, de amor. Absolutamente cristã. E é isso que choca os fundamentalistas. Eles deveriam ouvir primeiro. Eles deveriam ver primeiro. Mas não. Quando fala “Jesus Rainha do Céu”, eles já levam logo pro lado… Eles sexualizam tudo, sabe? Eles acham que tudo é pornografia, desrespeito. Quando, na verdade, não tem nada disso. Inclusive, a autora, a Jo Clifford, ela veio ao Brasil e foi na Igreja, eu a convidei, eu a conheci e me emocionei muito com ela. Aquele texto é uma inspiração de Deus. E mesmo assim ela ainda sofre muitos ataques pelo mundo todo.
Fonte: HuffPost Brasil