Um breve relato de experiência vivenciada na internação do ISOCOVID no município de Augustinópolis, Tocantins, especificadamente no HRAUG. “Os sobreviventes”
Por Patrícia Martins Araújo
Mediante a compreensão que de FATO vivíamos uma PANDEMIA, o meu desejo desde o principio foi está na LINHA DE FRENTE, embora trabalhando em UBS, era como se isso se tornasse insuficiente, diante desta nova possibilidade. Sentimento de estranheza, enquanto tantos desejam está longe do risco, eu ali me culpando por verdadeiramente desejar está TÃO PERTO. Claro, não era o risco que me atraia, mais a possibilidade de cuidar de pessoas tão fragilizadas, algo dentro de mim era muito forte, e me dizia se houver oportunidade abra mão do que for e vá porque lá é o seu lugar neste momento! Sim, com certeza eu sabia de todos os riscos que corria, assim como eu sabia, dos ricos em que colocaria os meus familiares, pessoas que mais amo na vida. Me intrigava não entender o fato de não haver se quer uma porta aberta para essa possibilidade, e eu já me visualizava neste meio. Então corri atrás da parte teórica, me capacitei, mesmo que remotamente, e como sempre pratiquei o que costumo ensinar em sala de aula… “estejam preparados para as oportunidades… sempre disse isso aos meus alunos!” Fazendo um tour na linha do tempo, viajei no meu período de formação e lembrei-me do juramento em que fiz há muitos anos atrás, em que dizia em um certo trecho… “Como psicólogo, eu me comprometo a colocar minha profissão a serviço da sociedade brasileira, pautando meu trabalho nos princípios da qualidade técnica e do rigor ético…” E não sei se era pressentimento, mais era como se eu soubesse que a oportunidade fosse bater em minha porta. E quando isso aconteceu, parece mentira, mais todos os medos existentes, e claro que existiam muitos e ainda existem, viraram uma espécie de desafios, era como se ao baixar a cabeça e recuar me fizesse sentir covarde diante do que eu desejava. Não nego, algumas falas do tipo, …você é louca… você não ama sua família… você não precisa disso… você está escolhendo viver em riscos… ah meus caros, foram inúmeras as falas que nos fazem verdadeiramente refletir, porém nenhuma suficiente para me fazer desistir de estar ali. E continuei com um único pensamento fixo em que me dizia…” você é movida a desafios, é mediante os desafios que você cresce, não é isso que você também ensina como docente? Claro que precisei sentar e conversar com a família, porém eles me conhecem, e melhor que isso, conheciam também o meu desejo e eu não esperava o contrário, de fato também cheios de medos, mais me incentivaram, me impulsionaram a ir de encontro com o meu desejo. E então mais uma vez, fui ousada, destemida, e confesso, a PANDEMIA não acabou, continuo correndo todos os riscos possíveis. Porém totalmente realizada por ter vivido e estar vivendo uma experiência única, talvez a mais incrível de toda a minha vida, estou contribuindo com a história do meu país, estou fazendo a minha história, e mais um vez como costumo dizer na qualidade de docente, estou escrevendo uma história sobre a minha vida que me dê orgulho de ler no futuro.
Se já fui contaminada com o vírus, não me certifiquei, porém realizei alguns exames ao longo desses meses, e assim como a maioria senti muitos sintomas, talvez psicológicos. Tomei e tomo todos os cuidados possíveis, mais nunca estive afastada totalmente dos riscos, assim como nenhuma outra pessoa fora dos hospitais, pra ser honesta, sempre optei por acreditar que no hospital eu estava mais segura, exatamente por saber quem de fato estaria contaminado no isolamento. Sei que o texto é enorme e talvez dê preguiça aos leitores, mais essa é a parte mais importante do que eu verdadeiramente gostaria de compartilhar com aqueles que gostam e admiram o meu trabalho. Até aqui foram inúmeras as perdas, partilhei de muita dor, angústia, sofrimento, vi nos olhos de muitos pacientes a tristeza e a solidão causada pelo isolamento, medo de morrer, medo de não voltar pra casa, medo do desconhecido, sentimento de abandono por se negar entender o processo de afastamento familiar… choro, silêncio total, crises de ansiedade, surtos, desesperança, negação do adoecimento, resistência ao tratamento, expectativas de altas frustradas, familiares dormindo na porta do hospital contentando se com o fato de está perto de alguma forma…. foram inúmeros os acompanhamentos familiares para dar suporte no momento da notícia de morte, situações em que de maneira empática por muitas vezes senti a dor do outro e me solidarizei de forma gigantesca, sem se quer poder dar um abraço! Li nas expressões inúmeras vezes o pedido de socorro, o pedido de ajuda nos olhares nadando em lágrimas. De fato foi muito difícil! E então pelo outro lado, presenciei verdadeiros milagres, pacientes que tiveram a chance de sair do leito da morte quando não nos restava a menor esperança, resiliência, humildade, relatos de gratidão, relatos de nova percepção de vida, aniversários comemorados ali com estranhos, porém comemorados… alegria em rever a família mesmo que em chamadas de vídeos, participei de pedidos de perdão, incentivei a fé, a oração, respeitando sempre a todas as crenças, por muitas vezes usei o toque como terapia, um aperto de mão, um gesto no rosto, ou cabelo, uma forma de dizer… ei estou aqui, conte comigo! não sei fazer milagres mais estou aqui. Percebi em muitos, o reconhecimento da importância da demonstração de afeto, foi possível incentivar mais ainda essa importância, reconhecimento dos verdadeiros valores da vida, pedidos simples como por exemplo, poder ver o sol, coisas que me fizeram também aprender tanto! Inúmeras notícias de alta em que fazia questão de compartilhar com eles, e detalhe eu as dava dançando, brincando, e verdadeiramente com um sentimento enorme de FELICIDADE. Procurei saber o que gostavam, dancei, virei cantora de música sertaneja, gospel, forró, seresta… de Luís Gonzaga aos hinos da harpa cantei de tudo, nada contra o funk, mais ainda bem que esse não me pediram porque verdadeiramente não levo jeito. Pude ver tantos pacientes retornarem pra suas casas com novas perspectivas de vida! Tantos familiares gratos na porta do hospital agradecendo e reconhecendo o nosso trabalho. Dentre muitas histórias não posso deixar de mencionar esta em específico, uma experiência incrível e que gostaria de compartilhar, foi o dia em que ao entrar na enfermaria pra realizar o processo de escuta, quando ao cumprimentar uma paciente idosa, sutilmente se referiu a mim com essas palavras… “eu é que quero saber de você, como você está? como se sente trabalhando aqui? … confesso que como em muitas vezes, nesse momento caiu um cisco no meu olho, fiquei de fato muito surpresa, porque eu estava ali para cuidar, e de repente ela perguntava sobre mim… fui surpreendida por alguém que emocionalmente fragilizada se preocupou comigo e com o que eu estava sentindo! Sabe a sensação de que você não poderia ser outra coisa além do que você escolheu ser? Foi isso que pensei, e naquele momento somente agradeci a Deus por está ali, porque ao longo desses quase 6 meses no isolamento do COVID do HRAug, nunca houve um só dia que eu me arrependesse de está ali… Foram e são inúmeras as personalidades, desde os que aproveitaram mais da escuta psicológica porque queriam e conseguiam falar, demonstrar verbalizando a sua dor, buscando alternativas de um reencontro consigo mesmo naquele ambiente, até aqueles que não tinham ou tem essa mesma facilidade, o que não significavam não querer ou não precisar daquele acompanhamento, as vezes estes nos diziam muito mais, porém não conseguiam demonstrar e então neste momento fazia-se a leitura da expressão e olhar, com a intenção de orientar e ajudar mediante cada dificuldade exposta ou percebida.
E finalizando, imagino que a partir deste texto podem surgir muitos questionamentos, como por exemplo, porque isso agora??? e eu tenho o maior prazer em responder, porque apesar de não saber, ou prever o desfecho desse capítulo que o nosso país vive, ou até mesmo o que eu ainda posso viver em minha particularidade, até aqui vivi e estou vivendo uma experiência incrível que soma diariamente com o meu conhecimento profissional e crescimento pessoal, e que portanto me deixará um grande legado! Sou grata as pessoas que confiaram e confiam em meu trabalho, sou muito muito grata aos pacientes e familiares que acompanhei e com eles ainda mantenho contato e fiz amizades. Sou grata também as amizades que fiz em equipe dentro do ISOCOVID, alguns amigos que conquistaram meu coração em poucas palavras, outros que levaram um tempo maior pra conseguir isso, talvez por não me identificar tanto, então precisei de tempo para entender o seu modo de ser, pensar e agir… Sou grata ao que vi muitas vezes como forma de atuação e ou, mesmo relacionamento humano, que eu não manteria em minha vida, porém me senti na liberdade de sugerir uma segunda forma de fazer e agir, sou grata, e ao mesmo tempo orgulhosa pela oportunidade de ver atuar junto comigo muitos alunos que passaram por mim em sala de aula no curso técnico e graduação de enfermagem, grata por vê-los colocar em práticas parte dos meus ensinamentos em relação ao cuidado com o outro. Sou grata pela oportunidade de presenciar muitas equipes trabalhar com amor e dedicação, muito, muito grata por toda e qualquer a emoção vivida no contexto hospitalar em período de pandemia, tendo sido essa emoção negativa ou positiva.
E finalmente agradeço aqui a paciência do leitor. Obrigada por ler o texto! Se leu até o fim, verdadeiramente achou interessante! Quis muito compartilhar! Não sou de querer e não fazer, acredito que o texto por si mostra isso. Obrigada pela atenção. #AMOOQUEFAÇO!
Patrícia Martins Araújo
Patrícia Martins Araújo, Psicóloga, Especialista em Psicopedagogia, Educação Especial, Educação Inclusiva e Docência do Ensino Superior. Professora Universitária. Atualmente tem desempenhado suas funções clinicas no HRAug-Hospital Regional de Augustinópolis-TO, Psicóloga do Núcleo de Apoio Psicopedagógico da FABIC, Carrasco Bonito-TO, e Sampaio-TO. Com atendimentos particularizados na Artroclinica também em Augustinópolis-TO.