Se você sabe dizer sem sombra de dúvida quantos países há no mundo hoje, parabéns. Mas saiba que será fácil contestar esse número.
Dependendo dos critérios utilizados, ou de que instituição usar como fonte da informação, o número pode variar entre 193 e 206.
Na verdade, a resposta depende de como exatamente se define um “país”.
“Para que se possa considerar um país, uma região precisa ter um território definido, ser habitado com algum grau de permanência, ter instituições políticas e governo próprio, ter a independência reconhecida por outros Estados soberanos e interagir diplomaticamente com outros países”, disse à BBC News Brasil Martin Purvis, especialista em geografia história e política da Universidade de Leeds, na Inglaterra.
Mas é nos últimos dois critérios que as coisas se complicam. Há territórios que declararam sua independência e até funcionam, em grande parte, como países, mas não tiveram sua soberania reconhecida por toda a comunidade internacional.
“Assim como a beleza, o ‘status de país’ está nos olhos de quem vê”, brinca Purvis. Ou seja, a existência de um país depende muito do contexto político.
“O reconhecimento de um país por outro é sempre uma negociação de interesses. Por exemplo, após a revolução comunista na China, dissidentes capitalistas fundaram Taiwan, e o país chegou a ser membro da ONU. Mas a China é um país de muito peso na comunidade internacional. Em 1971, a República Popular da China entrou na ONU e Taiwan foi retirado. Vários países deixaram de reconhecê-lo”, explica.
A contagem da ONU
As Nações Unidas são a principal referência no número de países conhecido pela maioria das pessoas, mas a organização não está livre de polêmicas.
Desde 2011, com a entrada o Sudão do Sul, o órgão tem 193 países-membros, considerados Estados soberanos, com suas próprias fronteiras e governos independentes. E também conta com dois Estados observadores, o Vaticano e a Palestina, o que dá um total de 195 países.
A ONU reconhece que o governo palestino existe e que é um legítimo representante daquele povo, mas a Palestina não é reconhecida como Estado soberano por alguns dos países da própria ONU. Por isso, algumas listas mostram apenas 194 países na organização.
“Entrar na ONU é considerado o fiel da balança para que um território seja considerado um país. O Kosovo, por exemplo, é reconhecido por 112 países da ONU, é membro do Banco Mundial e no Fundo Monetário Internacional (FMI). Mas, por ainda não estar na ONU, ainda é considerado um país de reconhecimento parcial”, explica Alex Jeffrey, professor de geografia humana da Universidade de Cambridge, na Inglaterra.
Mas o que é preciso para que um país entre na ONU? Depende especialmente de negociações políticas, diz Jeffrey.
Em sua carta de fundação, a ONU diz que podem ser membros quaisquer “Estados amantes da paz que aceitem as obrigações desta Carta e, no julgamento da Organização, consigam realizar estas obrigações”.
Na prática, o documento também estabelece que um Estado só se torna membro quando o Conselho de Segurança recomenda sua entrada na Assembleia Geral.
No Conselho, a adição de um novo país tem de ser aprovada por ao menos nove dos 15 membros, sem que um dos cinco membros permanentes (China, Estados Unidos, Reino Unido, França e Rússia) use seu poder de veto.
Mas, além dos interesses da comunidade internacional, a política interna de cada país também define quem será reconhecido e quem não será.
“A Espanha, por exemplo, não vai reconhecer Kosovo tão cedo, porque isso pode fortalecer os movimentos separatistas em seu próprio país, como na Catalunha. Países como Rússia, China, Irã e Paquistão também resistem a reconhecer novos Estados por receio de fortalecer grupos separatistas dentro deles. Então, Kosovo dificilmente vai virar membro da ONU”, disse à BBC News Brasil Fiona McConnell, doutora em geografia humana e professora na Universidade Oxford.
Países com reconhecimento parcial
Além de Taiwan, há outros cinco países que ainda não fazem parte da ONU, mas são reconhecidos diplomaticamente como Estados soberanos por ao menos um país-membro.
São países que se declararam independentes e, em geral, funcionam dessa forma.
No entanto, seu reconhecimento oficial ainda é alvo de disputa. Muitas vezes, eles nem aparecem nos mapas-mundi oficiais.
Kosovo, que era parte da Sérvia e foi criado em 2008, é reconhecido por mais de cem países. A Ossétia do Sul e a Abecásia, na região do Cáucaso, se declararam independentes da Geórgia em 1991, mas são reconhecidas apenas por cinco países.
A República Árabe Saaraui Democrática foi declarada independente em 1976, no território do Saara Ocidental, disputado com o Marrocos. Atualmente, 46 países-membros da ONU a reconhecem.
Já a República Turca de Chipre do Norte, que declarou independência do Chipre em 1983, só é reconhecida pela Turquia. Bangladesh e Paquistão chegaram a reconhecer o território como país, mas voltaram atrás por pressão dos Estados Unidos na ONU.
As nações olímpicas
É comum ouvir comentários de “não sabia que existiam tantos países!” na cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos. Atualmente, 206 nações desfilam apresentando suas delegações, às vezes compostas por um só atleta.
“O reconhecimento de um país em eventos culturais ou esportivos, como a Olimpíada, é visto como um símbolo da existência de uma nação. Aparecer com sua bandeira, seus atletas e seus torcedores dá uma visibilidade importante”, afirma Alex Jeffrey.
Mas como o Comitê Olímpico Internacional (COI) chegou a 206 membros? Se contássemos todos os países mencionados neste texto até aqui, seriam 204. E o Vaticano não tem uma delegação olímpica.
A questão é que, durante a maior parte da existência dos Jogos Olímpicos, não era necessário ser um país independente para participar.
Atualmente, participam do COI os 193 membros efetivos da ONU, um dos seus membros observadores, a Palestina, e dois países que têm apenas reconhecimento parcial, Taiwan (chamado de Taipei Chinês) e Kosovo.
Participantes Jogos Olímpicos — Foto: BBC
Além deles, há dez territórios que, na verdade, são territórios dependentes de outros países: Porto Rico, Ilhas Virgens Americanas, Samoa Americana e Guam (EUA); Ilhas Cayman, Bermudas e Ilhas Virgens Britânicas (parte do Reino Unido); Ilhas Cook (Nova Zelândia); Aruba (Holanda) e Hong Kong (China).
Desde 1996, o comitê deixou de admitir territórios como este. Os que já estão no grupo permaneceram, mas só novos Estados independentes poderão entrar, como aconteceu com o Sudão do Sul em 2011.
“Não há dúvida de que essas decisões do COI também são políticas. Elas dependem de negociações profundas, porque ser reconhecido nos Jogos Olímpicos é algo usado por muitos territórios e nações para fortalecer o argumento de que são países independentes”, diz o geógrafo.
E se falarmos apenas de futebol, há ainda mais nações – mais precisamente, 211. Isso porque no passado, além de admitir alguns territórios dependentes diferentes do COI, a FIFA também deixou que Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte entrassem com seleções separadas.
“Acho que isso acontece porque nós, britânicos, inventamos o jogo e estávamos lá primeiro. Criamos as regras e, durante algum tempo, fazíamos o que queríamos. Agora, não é mais assim”, brinca o geógrafo britânico Martin Purvis.
Podemos ter novos países em breve?
Os inícios das décadas de 1960 e 1990 foram os períodos em que mais países entraram, em curto espaço de tempo, na ONU. Entre 1958 e 1960 foram 16, quase todos africanos. Entre 1991 e 1992 foram 13, a maioria do leste europeu.
“Tivemos picos de criação de países por causa da descolonização de países africanos e também na era pós-União Soviética. É difícil imaginar algo assim no futuro próximo”, afirma Purvis.
“Mas ainda há Estados que são produto da colonização europeia e, até hoje, não são completamente coerentes. O Sudão, que agora se dividiu, era um deles. Então, é possível que vejamos mais divisões.”
Para Alex Jeffrey, as mudanças na geopolítica mundial ainda podem provocar surpresas, mesmo de onde não se esperava.
“É só olhar para o que está acontecendo no Reino Unido. Agora temos a saída da União Europeia e a possibilidade de um novo referendo sobre a independência da Escócia. Se isso acontecer, uma região que pensávamos estar bem definida vai mudar”, afirma.
Da próxima vez que lhe perguntarem quantos países há no mundo, talvez seja mais correto responder com outra pergunta: “segundo quem?”.
“Nós sempre tivemos essa situação confusa, uma mistura de Estados e não-Estados. Na verdade, o mapa político do mundo é uma ficção. Ele nunca foi organizado, e continua não sendo”, diz a geógrafa Fiona McConnel.