Agora, Appy parece mais próximo do que nunca de concretizar sua proposta: dos cinco candidatos presidenciais mais bem colocados nas pesquisas, só Jair Bolsonaro (PSL) não menciona a fusão de impostos entre suas propostas.
Candidatos tão diversos quanto Ciro Gomes (PDT), Geraldo Alckmin (PSDB), Lula (PT) e Marina Silva (Rede) inscreveram a ideia em seus programas apresentados ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral), ou prometeram adotá-la durante entrevistas e nas redes sociais. Henrique Meirelles (MDB) e João Amoêdo (Novo) também se manifestaram a favor.
E esse consenso entre os candidatos não é fruto do acaso. Ao longo dos meses de pré-campanha, Appy reuniu-se com os principais pré-candidatos presidenciais para tentar emplacar a proposta já em 2019, no começo do próximo governo.
O economista encontrou-se com Marina, Ciro, Alckmin, Guilherme Boulos (PSOL) e Amoêdo para vender a ideia. Também conversou com o economista Paulo Guedes, da equipe de Bolsonaro, e com Fernando Haddad, candidato a vice na chapa de Lula.
Em 2007, o economista trabalhava com o então todo-poderoso ministro da Fazenda de Lula, Guido Mantega. Naquela época, Appy elaborou um projeto parecido de reforma tributária, que foi apresentado ao Congresso – mas acabou engavetado. Nas eleições de 2014, colaborou com a formulação do programa econômico de Marina Silva.
Natural de São Paulo, Appy se formou economista em 1985 pela Faculdade de Economia da Universidade de São Paulo (FEA-USP). Alguns anos depois, obteve o grau de mestre pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Começou a carreira no setor privado. Em 1995, foi um dos fundadores da LCA Consultores, hoje uma das maiores empresas do ramo no país. A partir de 2003, com a chegada de Lula ao poder, Appy foi para Brasília e exerceu vários cargos.
Chegou a ser o nº 2 na hierarquia do Ministério da Fazenda e foi bastante próximo ao ex-ministro Antonio Palocci. Foi também assessor especial do próprio Lula e chegou a ser filiado ao PT, mas se desligou do partido. Depois de deixar o governo, voltou para a iniciativa privada e trabalhou durante alguns anos na BM&F Bovespa.
Em 2015, o economista criou o Centro de Cidadania Fiscal (CCiF). Segundo Appy, trata-se de um “think-tank independente, que tem como objetivo contribuir para o aperfeiçoamento do sistema tributário”. Hoje, o CCiF é bancado por oito empresas, com as quais Appy se reúne a cada 15 dias: ABInBev, Vale, Itaú, Braskem, Votorantim, Natura, Souza Cruz e Huawei.
Ele diz que a produção intelectual da entidade é independente. “A gente aqui não está defendendo interesses de nenhuma empresa, de nenhum setor”, afirma.
Reestruturar a carga tributária
É justamente na sede do CCiF, no bairro paulistano da Bela Vista, que Appy tem se reunido com os candidatos. Nos encontros de cerca de duas horas, ele repete aos postulantes de 2018 algo que já dizia aos congressistas dez anos antes, em 2008: a mudança para o novo imposto não significa aumentar e nem reduzir a quantidade total de tributos pagos pelos brasileiros (a chamada carga tributária). O objetivo é simplificar a forma como os impostos são cobrados, diminuindo a burocracia e aumentando a produtividade das empresas.
Economicamente, o tema é relevante. Estudo de 2017 do Banco Mundial calculou que as empresas brasileiras são as que mais gastam tempo no mundo para pagar seus tributos. São 1.958 horas, em média, todos os anos – quase três meses dedicados à tarefa de ficar em dia com o Fisco.
“Isso (o novo imposto) teria um efeito muito forte sobre a produtividade. Faria aumentar a produtividade do Brasil de forma significativa desde o curto prazo”, diz Appy. A estimativa do CCiF é de que o país cresceria até 10% a mais nos próximos 10 a 20 anos com a mudança para o imposto único – uma cobrança mais racional de impostos facilitaria a vida de quem quer abrir um novo negócio.
Dinheiro e tempo das empresas que hoje são destinados a pagar os impostos também ficariam livres para novos investimentos.
Segundo Appy, essa estimativa de 10% a mais é “conservadora” – ele acha que os ganhos podem ser ainda maiores.
A ideia de Appy
Na proposta, cinco impostos atuais desapareceriam: ICMS, PIS, Cofins, ISS e IPI seriam substituídos gradualmente, ao longo de dez anos, por uma única cobrança. O nome da nova taxa seria Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). O novo imposto segue o padrão adotado na Europa e em outros lugares, e é conhecido na literatura econômica como IVA (Imposto sobre Valor Agregado).
Ao contrário do modelo atual, o novo imposto seria pago por quem compra (embutido no valor), e não por quem produz. Hoje, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) é pago pelas empresas e cobrado pelos governos dos Estados. No modelo do IVA, é o consumidor que paga o valor diretamente, como parte do preço da mercadoria.
“Um bom IVA é cobrado no destino, e não na origem. Ou seja: em operações entre Estados, o imposto pertence ao Estado de destino (onde vive o comprador). A ideia é tributar o consumo, e não a produção”, explica Appy. E isso faz toda a diferença: hoje, Estados brigam entre si para atrair empresas, principalmente oferecendo descontos no ICMS. Esse tipo de disputa, conhecido como “guerra fiscal”, praticamente seria eliminado com o novo modelo, uma vez que não faria diferença para as empresas, do ponto de vista da cobrança de impostos, o local de sua sede.
Há chances de o IBS sair do papel?
Appy acredita que o IBS possa virar lei no próximo governo, independentemente de quem seja o presidente eleito. “Alguns deles têm falado explicitamente sobre a proposta, como o Geraldo Alckmin e a Marina Silva”, afirma.
Em abril deste ano, a candidata da Rede disse em um evento do banco Santander que o CCiF e Appy estão contribuindo de forma “institucional” com o seu programa de governo. A proposta de mudança nas regras tributárias também foi elogiada no começo do ano pelo economista Persio Arida, um dos responsáveis pelo programa de governo de Alckmin. No começo desta semana, a proposta também foi elogiada pelo petista Haddad, em entrevista ao jornal Valor Econômico.
“Obviamente que, depois da eleição, vamos procurar o presidente eleito para reforçar a relevância da agenda. Um governante que a adotar ganharia muito em termos de crescimento da economia ao longo do seu mandato”, defende.
“O CCiF definiu que tinha como uma de suas tarefas esse ano conversar com os candidatos à Presidência da República. Então, em alguns casos, nós temos procurado, e em outros temos sido procurados”, diz ele. “Como nós temos alguma discussão sobre os outros temas, quando o candidato demonstra interesse nós falamos sobre outras coisas também”, acrescenta.
Os “outros temas” são propostas que o CCiF ainda está elaborando – para mudar as regras de cobrança de impostos sobre a folha de pagamentos das empresas, ou sobre a tributação da renda, por exemplo.
Ele lembra que desde a Assembleia Nacional Constituinte de 1988 fala-se sobre a necessidade de uma reforma tributária. A ideia não foi adiante, segundo Appy, porque o tema “nunca foi prioridade” dos governos, nem mesmo no período em que ele estava no Ministério da Fazenda. “Prioridade é prioridade, é colocar capital político para aprovar. Não teve, em nenhum dos governos”, diz.
“Do ponto de vista técnico, nós temos uma proposta muito melhor do que as (demais) que existem hoje. Posso te falar: eu cuidei da reforma tributária de 2008 (sepultada pelo Congresso) e tinha várias questões que me incomodavam. Todas elas estão resolvidas nessa nova proposta”, reforça.
O economista relata uma reunião com secretários da Fazenda de diferentes Estados brasileiros, no começo de julho. “Foi interessante perceber que os próprios secretários de Fazenda, pelo menos em sua grande maioria, estão concordando que o ICMS não dá mais. O ICMS chegou no seu limite, e o que a gente propõe é acabar com ele”, conta.
Quem ganha e quem perde com a mudança?
Segundo Appy, a proposta enfrenta resistências de empresas e setores econômicos que têm benefícios fiscais no modelo atual.
“Algumas delas (empresas) são competitivas mesmo sem os benefícios, então não resistem tanto. Aceitam mudar desde que haja regras de transição (como as presentes no projeto do CCiF)”, diz ele. Um dos setores mais resistentes à ideia é o de Serviços – que poderia sofrer um aumento de tributação com o novo modelo. “No fundo, eles não são prejudicados. A resistência é mais fruto de incompreensão”, rebate Appy.
Outros economistas especialistas em tributação ouvidos pela BBC News Brasil também fazem críticas a essa proposta de reforma – e não porque o IVA seja uma má ideia, mas porque, sozinho, segundo eles, não seria capaz de corrigir as injustiças do modelo tributário brasileiro.
“O IVA é um instrumento importante. Reduz a complexidade (da cobrança de impostos), melhora a estrutura tributária do país e dá mais competitividade às empresas brasileiras. Mas não contempla o principal desafio de uma reforma tributária, que é reduzir as desigualdades sociais no Brasil”, diz o economista Pedro Rossi, professor do Departamento de Economia da Unicamp.
“Não é que a adoção do IVA não seja importante, mas a meu ver ele, por si mesmo, não ataca a questão da regressividade (o fato de os pobres pagarem proporcionalmente mais impostos). O Brasil é um país injusto do ponto de vista tributário e uma reforma precisa contemplar esse aspecto”, opina Rossi.
Outras propostas de imposto único
Além do IVA tal como proposto por Appy, há outras propostas de imposto único sendo defendidas no país. O economista e político Marcos Cintra propõe, há tempos, a criação de um imposto único, mas sobre as transações financeiras. Seria cobrado de forma eletrônica e automática – algo parecido com a antiga Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeiras (CPMF).
Cintra é professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e o atual presidente da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), empresa pública brasileira de fomento à ciência. Nos anos 1990, quando foi eleito deputado federal, ficou conhecido ao aparecer no horário eleitoral acariciando um leão – o bicho aparecia aos pés do candidato, preso por uma corda.
Já para o advogado tributarista João Eloi Olenike, a mudança para o modelo do IVA é “necessária” e até “urgente”. Segundo ele, há consenso entre os especialistas no tema sobre a necessidade de mudar a forma de cobrança de impostos sobre o consumo no Brasil, extinguindo tributos como o ICMS.
O problema, diz Olenike, é que governos dificilmente toparão uma mudança nas regras que represente queda do montante arrecadado. “Hoje, é um projeto utópico. Mesmo que um governante liberal vença em outubro, ele tentará manter a alta arrecadação”, diz. “E para este ano, esqueça. Não há mais tempo hábil para qualquer mudança”. Olenike é presidente do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), um dos principais institutos que discutem o tema no Brasil.
Fonte: BBC Brasil