Nos Estados Unidos, um sujeito perdeu o marido em um acidente e, então, acionou a Justiça para obter acesso à conta do iCloud de seu cônjuge. A justificativa apresentada por ele, de que o esposo era o fotógrafo da família e ali estavam imagens deles juntos de seus filhos, foi o suficiente para convencer uma juíza a decidir a seu favor.

Mas e se o caso tivesse acontecido no Brasil, também haveria a possibilidade de um herdeiro receber o acesso a uma conta privada?  A resposta curta para isso é: sim, ela existe por aqui e o interessado provavelmente teria que recorrer à Justiça para pleitear tal direito.

É importante, porém, levar em consideração que não há nada específico a respeito desse tipo de “herança digital” citada na Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPDP), a legislação brasileira que trata da proteção de dados na internet. Assim, disputas desse viés são decididas no âmbito do direito sucessório, que trata da transferência de patrimônios.

Pode, mas depende

A lei brasileira leva em consideração a vontade do usuário, que pode ter manifestado em vida o desejo de manter privada as suas contas online mesmo após o seu falecimento, por exemplo. Ainda assim, alguém poderia pleitear esse tipo de acesso na justiça, mas as chances de vitória seriam menores.

“No meu entendimento, há uma tendência de transmitir a titularidade para o herdeiro visto que esse tipo de situação está se incorporando à vida das pessoas”, comenta Renato Opice Blum, o coordenador dos cursos de Direito Digital e Proteção de Dados do Insper, em São Paulo, em conversa com o TecMundo.

Para o advogado, a possibilidade de transmissão da titularidade desses materiais para herdeiros existe, mas a decisão ainda dependerá do entendimento do juiz responsável por analisar a solicitação. Ele alerta, porém, que as diretrizes das empresas obrigariam os interessados a recorrerem à Justiça. “As empresas não cederiam esses dados sem autorização prévia do dono original”, explica.

Diretrizes próprias

Você já sabe que pode ser amparado pela lei, por mais que esse seja o caminho mais longo e incerto. Assim, algumas empresas mantêm diretrizes próprias para lidar nesses casos, muitas vezes oferecendo mecanismos para que os usuários negociem essas questões diretamente com elas.

Facebook e Instagam

Em um texto publicado em 2017, a diretora global de Políticas de Conteúdo do Facebook Monika Bickert fez um relato bem pessoal sobre como lidar com tais situações e destacou algumas das dificuldades que a empresa ainda têm em “equilibrar os interesses legítimos dos parentes, quais eram as vontades daqueles que se foram e proteger a privacidade de terceiros”.

Imagine uma situação em que alguém comete suicídio e os seus pais querem acessar as conversas privadas que essa pessoa tinha no Messenger. Esse desejo pode ser legítimo, mas ele esbarra na privacidade das pessoas que conversavam com quem acabou de morrer, por exemplo.

De qualquer modo, o Facebook tem um recurso chamado “contato herdeiro” que deixa cada usuário definir amigos ou parentes dentro da rede social como herdeiro de sua conta. Segundo a rede social, esse contato poderá baixar da conta as seguintes informações:

  • Fotos e vídeos carregados
  • Publicações no mural
  • Informações de contato e de perfil
  • Eventos
  • Lista de amigos

Esse tipo de relação, porém, não dará acesso a informações privadas como fotos sincronizadas e não publicadas, mensagens privadas e cutucadas. Além disso, é possível solicitar a remoção da conta de um familiar falecido ou transformá-la em um memorial — e todos esses procedimentos valem também para Instagram.

Google

Por meio de sua assessoria de imprensa, a Google afirmou ao TecMundo que não fornece senha e outros detalhes de login e que a decisão de atender a esse tipo de solicitação a respeito de um usuário falecido é feita somente após “uma cuidadosa análise”. “A principal responsabilidade da Google é manter as informações seguras, protegidas e sempre particulares”, informou a companhia.

A companhia cita o recurso chamado de “Gerenciador de contas inativas”, que permite ao próprio usuário escolher com quem compartilhar “partes dos dados das contas deles ou notificarem alguém caso as contas fiquem inativas por um determinado período de tempo”.

Quando uma conta fica inativa, os contatos indicados receberão uma notificação a respeito disso. É o próprio usuário que define o tempo mínimo sem uso para a conta ser considerada inativa e também quais dados esse “contato herdeiro” poderá receber depois disso — entre os dados que podem ser compartilhados estão conteúdos do Google Fotos, Chrome, Google Drive, Play Store, YouTube e Maps.

Imaginando que muita gente pode vir a falecer sem configurar o recurso acima, a Google oferece, também, a possibilidade de se realizar solicitações a respeito da conta de pessoas falecidas. Aqui, é possível pedir para encerrar, enviar uma solicitação de fundos ou receber os dados de uma determinada conta.

Microsoft

A Microsoft não enviou informações sobre a sua política de privacidade para contas de pessoas falecidas até o fechamento desta matéria. Entretanto, pesquisando no fórum oficial da empresa onde a comunidade e representantes da companhia respondem às dúvidas do público, foi possível encontrar algumas informações.

Algumas respostas citam que basta provar ser o executor da herança da pessoa falecida, o que incluiria enviar uma série de documentos para a companhia , mas uma página de suporte da Microsoft cita que ela deve, antes de tudo, ser formalmente intimada ou receber uma ordem judicial para avaliar a possibilidade de liberar o acesso a informações da conta de email de alguém falecido.

“Qualquer decisão para o fornecimento do conteúdo de uma conta de email pessoal só será tomada após uma análise criteriosa e a consideração da legislação aplicável”, informa a empresa. “Tenha em mente que a Microsoft pode não ser capaz de fornecer o conteúdo da conta e que o envio de uma solicitação ou a obtenção de uma intimação ou ordem judicial não são garantia de que poderemos ajudá-lo”, finaliza.

Vale ressaltar, porém, que os únicos dados que a Microsoft fornece desta maneira são da conta do email (Outlook/Hotmail/Live), não incluindo acesso ou transferência de propriedade da conta, mas apenas um download com as informações. Contas do Xbox e do OneDrive não oferecem sequer essa possibilidade.

Apple

A Apple não respondeu ao contato do TecMundo até o encerramento desta matéria, mas, procurando na comunidade oficial de suporte da empresa, também foi possível ter algumas dicas. A informação mais comum é que basta procurar a empresa com documentos que comprovam o óbito do parente em questão e com a nota fiscal do produto para desbloquear o iCloud.

De qualquer forma, a Apple é bem explícita em seus termos de uso sobre a não existência de direitos de sucessão. A empresa afirma que a conta e os itens adquiridos por meio dela não são passíveis de transferência de titularidade sob qualquer hipótese, mesmo em caso de óbtio.

“A menos que exigido por lei, você concorda que a sua conta não é passível de transferência e que quaisquer direitos ao seu ID Apple ou conteúdo dentro da sua conta terminam com a sua morte”, registra o documento. “Após o recebimento de cópia de uma certidão de óbito, a sua conta poderá ser encerrada e todo o conteúdo dentro da mesma será apagado”, conclui.

Fonte: Tecmundo