Oh, um rinoceronte! Muitas vezes, no início com espanto e depois conformados, os personagens da peça do dramaturgo Eugène Ionesco acompanham a chegada do animal estranho a sua cidade. Representação da ascensão do fascismo na Europa, os bichos, aos poucos, tomam conta do pedaço. Na terça-
feira, dia 6, o deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ) foi recebido por um grupo na 19a CEO Conference, encontro de banqueiros, investidores e operadores do mercado financeiro e organizado pelo banco BTG Pactual. À vontade, permitiu-
se uma brincadeira: “O mercado sempre me achou um rinoceronte”, disse. “Vou me dar por feliz se sair daqui com vocês me achando um homem das cavernas.” Bolsonaro prepara sua metamorfose para as eleições deste ano. A ressaca provocada pela recessão dos últimos anos do governo Dilma Rousseff causou um fenômeno curioso: uma conversão de muitos políticos ao pensamento liberal. Nesse cenário, os presidenciáveis vão em busca de gurus liberais para a campanha eleitoral. Um deles é Bolsonaro.
Assumidamente um leigo em economia, que defende um Estado forte e intervencionista como o desenhado pelos governo militares, ele customizou o velho discurso. Foi buscar no mercado financeiro um nome com o currículo suficientemente gabaritado para tirar-lhe o ranço que anda tão démodé. Bolsonaro foi atrás de Paulo Guedes, banqueiro, fundador do Ibmec, investidor que criou negócios na área de educação e saúde, defensor ferrenho da iniciativa privada e inimigo do Estado grande, que flertou com o serviço público algumas vezes. Recebeu convites nos governos militar, Sarney e Collor, mas nunca concretizou um relacionamento. Recentemente, Guedes disse aos mais próximos que está disposto a encarar a tarefa de ser o homem da área econômica do mais polêmico candidato, com uma condição: poder implementar tudo que sempre quis.
Guedes é um dos maiores liberais da praça. Ph.D. pela Universidade de Chicago, foi professor de celebridades nesse nicho liberal como os ex-presidentes do Banco Central Armínio Fraga e Gustavo Franco. Nos anos 1980, defendia o BC independente, enquanto o governo congelava preços. Na campanha presidencial de 1989, era o homem da economia de Guilherme Afif e tinha o plano de privatizar tudo quanto é estatal e usar o dinheiro para quitar a dívida pública. Isso não é mais possível, mas a ideia de vender tudo sobrevive. Ao contrário de Bolsonaro, Paulo Guedes é discreto e foge de entrevistas. Nos debates dos quais participa, prega uma reforma da Previdência muito mais radical do que a que está no Congresso. Reclama que o Brasil tem poucos economistas liberais: diz que alguns vivem de elevar impostos em vez de controlar gastos e de desenhar programas para ajudar bancos em vez de garantir só os depósitos mais baixos.
A cartilha rezada por Guedes é diametralmente oposta à usada por outro candidato que desperta a atenção do mercado financeiro: Ciro Gomes, do PDT. De viés nacionalista, Ciro procurou um defensor da indústria para ser seu conselheiro. José Luís Oreiro, professor da Universidade de Brasília, aproximou-se do candidato nos últimos anos. Por WhatsApp, trocam textos e ideias. “Em situações em que o mercado falha, a regulação deve ser estatal. “Não vejo sentido em privatizar o transporte público, que o mercado não regula. Empresas de geração de energia, por exemplo, devem ficar na mão do Estado”, disse. Oreiro também afirmou que o Brasil não tem condições de ter uma meta de inflação muito mais baixa, como a atual, e defende uma desvalorização de cerca de 15% do câmbio para deixar a indústria mais competitiva no mercado global. Ele quer uma reforma tributária para fazer o ajuste fiscal porque acha que o Brasil sairá da pindaíba com tributação de lucros e dividendos e a volta do crescimento econômico. Economista e candidato discordam sobre a reforma da Previdência. Ciro estuda um sistema de capitalização; Oreiro acha que o custo de transição para esse modelo é alto e prefere adotar medidas como a instituição de idade mínima.
No PT, a situação é mais complexa. Condenado em segunda instância, o ex-presidente Lula será o candidato enquanto a Justiça permitir. Assim, o debate em torno de uma proposta de programa econômico está em segundo plano. O partido mantém cerca de 300 intelectuais reunidos para desenhar propostas com as ideias dos filiados. Quem coordena esse trabalho, que se tornará o programa “O Brasil que o povo quer”, é Marcio Pochmann, ex-presidente do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) no governo Lula. “Sabemos que há problemas de financiamento do Estado brasileiro, mas os problemas de financiamento não tinham de ser focalizados na seguridade social”, afirmou. “É um problema mais amplo e a gente pretende tratar dessa maneira.” Pochmann carrega consigo alguns dogmas; entre eles, o de que não há necessidade de fazer uma reforma na Previdência.
Até quem ainda nem é candidato passa um tempo ouvindo ideias de economistas. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), conversa com José Márcio Camargo, um dos maiores especialistas do país em mercado de trabalho. Algumas ideias de Camargo são bem conhecidas e coincidem com as de Paulo Guedes, como privatizar todas as estatais e bancos públicos, mas outras são novas. Um dos criadores do Bolsa Família, Camargo confessou a ÉPOCA que quer voltar atrás na sugestão que deu, no passado, de unir os programas sociais. Propõe separar de volta o Bolsa Escola para incentivar que as crianças fiquem realmente no colégio. Argumenta que uma criança de 10 ou 12 anos pode contribuir para a renda familiar e o governo tem de “comprar” melhor o tempo dela para que ela permaneça em sala de aula porque essa é a melhor porta de saída da pobreza. “Não importam os pais”, disse. “Confesso que errei.”
Conhecido pelos cadernos que usa para anotar ideias, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, pré-candidato pelo PSDB, recebe do economista Roberto Giannetti um conselho difícil de colocar em prática: o de assumir posições firmes em temas controversos – algo incomum a tucanos. Giannetti insiste na necessidade de privatização e defende até a união do Banco do Brasil e da Caixa em um só banco. “A linha de pensamento é essa, de adotar posições firmes e pragmáticas”, disse. “É o que vamos fazer na campanha.” É um desafio. Privatização é um tema difícil de defender em um país de pensamento estatista. Em 2006, quando foi candidato a presidente, Alckmin vestiu um paletó com símbolos de diversas estatais para afastar o estigma de privatista. Gianetti defende até a venda da Petrobras em pedaços e que o governo mantenha o controle por meio de uma fatia das ações com direito a voto.
O economista Marcos Lisboa, ex-secretário de Política Econômica do governo Lula, é um tipo diferente, que dá ideias a diversos candidatos que o procuram, desde Rodrigo Maia a Marina Silva, da Rede, sobre questões específicas. Diz que nunca participou de uma campanha e nem pretende. Faz questão de dizer que o economista é um encanador: não deve desenhar políticas com uma visão técnica, mas seguir as diretrizes definidas pelos políticos e pela sociedade. Deve fazer uma pesquisa de experiências internacionais, montar uma estratégia e fazer gestão. Ele cita o exemplo do Pronatec, um programa que não deu o retorno esperado. Para Lisboa, o Brasil tem de parar com a ideia de que é preciso empresa pública para fazer política pública. Não acha que a Caixa precisa existir para pagar um benefício social, basta fazer um leilão para outro banco assumir. Ressalta que a crise das contas públicas é grave e pode fazer o país retroagir quase 40 anos. “Não pode custear salário com dívida ou a gente vai virar o Rio de Janeiro. É uma rota para o desastre”, disse. “Ou vamos viver de novo a crise dos anos 1980.”