Discutida há cerca de 30 anos no Congresso e tratada até pouco tempo como um desafio insuperável, a reforma tributária tem unido esforços do governo do presidente do Lula, do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e de governadores e líderes – inclusive de partidos independentes e de parte da oposição.
Ainda não há consenso sobre todos os pontos, e temas como a gestão dos novos impostos e a compensação de perdas dos estados ainda geravam disputas até a tarde desta quinta-feira (6). Além disso, parte da bancada do PL, partido do ex-presidente Jair Bolsonaro, tentava adiar a votação para o segundo semestre.
Mesmo sem a unanimidade, parlamentares e autoridades de diferentes pontos do espectro político passaram a defender a votação ainda nesta semana – o discurso é de que, mesmo que haja perdas, a reforma tributária é fundamental para destravar a economia do país.
‘[O texto da reforma tributária] Não é o que cada um de vocês deseja, não é o que o Haddad deseja, não é o que eu desejo, mas tudo bem. Não somos os senhores da razão. Temos que lidar com a correlação de forças de quem está no Congresso Nacional”, disse Lula nesta quinta, por exemplo.
Votação prevista para esta quinta
A discussão do projeto em plenário começou nesta quarta e deve ser retomada nesta quinta. Lira espera votar o primeiro turno da proposta ainda na quinta – e, se houver acordo, o segundo turno pode ser votado na sexta.
Diante desse cenário, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e o relator do texto, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), têm se reunido com diversos setores em busca de diminuir resistências e colocar o texto em votação.
Na noite de quarta (5), Ribeiro apresentou nova versão da proposta, com mudanças como a previsão de uma “cesta básica nacional de alimentos” com isenção de tributos e antecipação do prazo de transição para o novo modelo tributário.
Até esta quinta, ainda havia dois pontos principais em aberto:
- a composição do conselho federativo que vai gerir a arrecadação e o repasse do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) – que, com a reforma, vai unificar o ICMS (estadual) e o ISS (municipal);
- o valor e a fonte de recursos do Fundo de Desenvolvimento Regional, que repassará recursos da União aos estados para compensar perdas de arrecadação geradas pela reforma.
Aguinaldo Ribeiro, no entanto, diz que acredita na solução desses pontos ainda nesta quinta, com a apresentação de uma nova versão do parecer que será, então, submetida à votação no plenário.
Para deputados, a necessidade de o Brasil fazer a reforma tributária é capaz de unir parlamentares em lados opostos do espectro político.
Tema deve ‘pacificar’
O vice-líder da oposição na Câmara, Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PL-SP), afirma que o bom desempenho da economia brasileira, uma das principais bandeiras da direita, pode levar à geração de emprego e renda, uma das principais bandeiras da esquerda. Por isso, para ele, é possível “pacificar” a discussão.
Segundo o parlamentar, o atual modelo tributário do país é um “caos”, “difícil de entender do ponto de vista do empregador” e “muito atabalhoado”.
“A direita quer ver a livre iniciativa florescer pela pujança que deveria ter um país do tamanho do Brasil, com a população que tem o Brasil. Os índices sobre como é fazer negócio no Brasil nos colocam entre os piores países do mundo. Do outro lado, a esquerda quer engrandecer o Estado, quer mais recursos para fazer planos sociais. E no atual modelo tributário, não se consegue arrecadar mais, gera entraves para a economia e não deixa as empresas e a economia fluírem, o que é ruim para o país”, afirmou.
O presidente do MDB, Baleia Rossi (MDB), autor do texto original da reforma, afirmou que é chegada a hora de votar a proposta, que, segundo ele, vai dar capacidade de crescimento ao país.
“Nós temos a oportunidade de com o apoio do ministro da Fazenda Fernando Haddad, do presidente Arthur Lira e do presidente Rodrigo Pacheco (Senado) avançar em uma simplificação tributária que vai melhorar a economia e dar expectativa ao povo brasileiro de ter uma vida melhor. O parlamento com essa reforma sai absolutamente fortalecido”, disse.
Antonio Brito (PSD-BA), líder do PSD e do segundo maior bloco partidário da Casa, que conta com 142 deputados, afirmou que o partido deseja colocar o texto em análise. “É o momento de votar a reforma tributária”, disse.
Reforma ‘não pertence’ a governo ou partido
Presidente da Frente Parlamentar do Empreendedorismo, o deputado Marco Bertaiolli (PSD-SP) avaliou que é preciso fazer a reforma porque, em questão tributária, o Brasil está “deslocado” do mundo.
Segundo o parlamentar, no conceito de cadeias globais de produção, o país não tem um sistema que estimule as empresas internacionais a atuarem aqui.
“É um tema que já vem sendo discutido há muito tempo. A reforma já poderia ter sido votada no governo passado. […] Mas a reforma não nasce no governo, nasce dentro do Parlamento, não pertence a um governo ou a um partido. E eu acho que isso define o apoio majoritário. Eu diria que existem as bancadas ‘X’ e ‘Y’ e existe, predominantemente na reforma tributária, a ‘Bancada da Responsabilidade’. E esta é a que está prevalecendo”, declarou Bertaiolli.
Na mesma linha, o deputado Felipe Carreras (PSB-PE) afirmou que a reforma “transcende” colorações partidárias e que, como o país tem um dos sistemas tributários “mais complexos do mundo”, este é o momento para fazer a mudança.
Para Carreras, Arthur Lira tem conduzido o processo “muito bem”, garantindo o “protagonismo” da Câmara, dos líderes e dos deputados sobre o tema.
“Eu acho que transcende qualquer coloração ou bandeira partidária, se é esquerda, centro ou direita. É algo que dialoga com justiça, coerência, então, acho que chegou o momento de o país discutir isso, fazer esse enfrentamento. O que a gente está encarando é dessa forma. Vejo isso nas bancadas, nos líderes, o sentimento de não politizar a reforma tributária”, declarou Carreras.
Busca pelo consenso
Diante dos indicativos do presidente da Câmara, Arthur Lira, de que o texto seria votado, parlamentares, governadores, entidades e governo federal tiveram, nas últimas semanas, diversas reuniões para buscar um consenso sobre o conteúdo.
Entre os governadores, por exemplo, há divergências. Enquanto Tarcísio Freitas, de São Paulo, se diz “95%” a favor da reforma, o governador de Goiás, Ronaldo Caiado, cumpriu agenda em Brasília nesta semana e se reuniu com frentes parlamentares argumentando que, da forma como está, o texto poderia fazer o estado perder arrecadação.
Nesta terça (4), houve uma reunião em Brasília de diversos governadores para discutir o tema, em mais uma frente de negociações sobre a reforma.
O governador do Amazonas, Wilson Lima (União Brasil) se reuniu com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e, após o encontro, se disse a favor da reforma, desde que o estado tenha um fundo específico para compensar as perdas de arrecadação.
Em resposta ao governador, Haddad disse que a reforma não deve mexer na Zona Franca de Manaus.
Paralelo a isso, surgiu a discussão no Congresso que a reforma como está poderia onerar a cesta básica. Diante desse cenário, o relator da reforma, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), disse que não haverá oneração da cesta.
Fonte: G1