A construção de um candidato a prefeito para as eleições deste ano exigirá muito mais que um discurso fácil com promessas milagrosas para problemas antigos.

A pandemia provocada pela disseminação do novo coronavírus (covid-19) tem invertido a lógica eleitoral, não somente com mudanças na data (15 e 29 de novembro) da votação e das regras que a assegura.

O uso das redes sociais ganha ainda mais peso, mas, mesmo com o know how de 2018, que elegeu o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), “não existe receita pronta” – frase dita com frequência pelos dirigentes partidários para falar dos desafios de 2020.

O Brasil ultrapassou a marca dos 80 mil mortos pela covid-19, com mais de 2,2 milhões casos da doença confirmados. O impacto desses números, ainda que os governos estaduais e municipais estejam flexibilizando as regras de isolamento social, vão se refletir diretamente na agenda dos candidatos.

O primeiro filtro a ser feito é se o postulante é de situação ou oposição.

Segundo o estrategista político e sócio-fundador da Exata Inteligência Política, Paulo Moura, se o candidato for de situação, o fato de ter mais 30 dias na disputa, pode ser determinante para a estratégia que será montada.

No Tocantins pelo menos 94 prefeitos vão concorrer a reeleição e pelo menos 30 vão indicar candidatos a sucessor. “Porque ele vive hoje uma pauta mundial, que é o combate à covid-19, e como é algo novo para todo gestor público, existem muitos erros. Ele terá que lidar com todos os problemas da gestão em um momento de crise, por mais 30 dias. Então, a construção dessa candidatura e sua manutenção têm que ter em mente os temas centrais”, afirma Paulo Moura.

De acordo com o especialista em marketing político, é preciso estar atento para entender a pauta a que a sociedade está alinhada. “Primeira pauta será a saúde como um todo. As pessoas não morrem só da covid-19. Enquanto tem atenção específica para o coronavírus, em alguns casos, estão se esquecendo da dengue, por exemplo. É algo simples de combater, mas também mata”, pontua Moura. O segundo tema a ser debatido é relacionado à retomada da economia. “Como eles estão preparados e quais propostas eles têm, sobretudo no combate ao desemprego”, complementa.

Na disputa pela reeleição, não cabe uma caixa de promessas. O que estará em discussão é o desempenho da gestão. Isso muda quando se trata de um postulante de oposição, em que há liberdade maior para apontar os erros da atual administração. No entanto Paulo Moura pondera que a crítica sem fundamento não tem mais vez dentro da comunicação política.

Por outro lado, o gestor da agência de conteúdo Inclutech, Sergio Lima, acredita que o tempo de construção desse candidato no período de pandemia será muito menor. Ou seja, aquele que não esteja atuando em alinhamento com as agendas e demandas que o momento exige já está atrasado. “Essa campanha é para aqueles que entendem do digital. Esse é o ambiente mais propício para que essa campanha tenha êxito. Então, ele tem que se preocupar muito com o conteúdo de qualidade, com as informações que serão passadas”, afirma.

SEGUIDOR X VOTOS

Ter um bom desempenho nas redes sociais, principalmente neste período de pré-campanha, vai além do número de seguidores e curtidas. A propaganda eleitoral nas Tvs, rádios e na internet começará no dia 26 de setembro e vai até o dia 12 de novembro. Segundo especialistas, está será a eleição da big data, ou seja, o uso de dados estruturados para que sejam estabelecidos perfis demográficos. Com isso, o discurso do candidato é direcionado de forma mais assertiva ao seu eleitorado.

“Antes, se gastava muito dinheiro em uma estratégia pirotécnica. Não cabe mais orçamentos milionários, gastos com bandeiras e materiais que vão para o lixo. As pessoas não querem isso. As campanhas que se propuserem a esse tipo de comportamento, não vão ser mais aceitas pela população. Os candidatos precisam se comunicar de forma inteligente”, avalia Paulo Moura.

O ambiente virtual não vai suprir totalmente a campanha de rua, mas a tecnologia pode auxiliar nessa aproximação. O especialista em marketing político Sergio Lima sugere a interação com as lideranças locais e associações nas comunidades. Estes líderes podem levantar as dúvidas e demandas daquela determinada região e promover debates mesmo que sejam virtual. “Não adianta ficar só na rede social, é preciso se aproximar das pessoas. Para isso, pode ser feito o uso da tecnologia. É preciso ouvir, conversar e assumir compromissos.

TOM DOS DISCURSOS

O discurso ideológico e polarizado entre os espectros de direita e esquerda pode não se sobressair nestas eleições municipais com o mesmo peso das eleições de 2018, onde foram eleitos o presidente, governadores, senadores e deputados federais e estaduais. Justamente por essa mudança das agendas políticas.

“A pandemia funcionou, em grande medida, como salvo conduto para o prefeito conseguir realizar despesas que não conseguiria em outras condições. A melhor situação para esses prefeitos seria a prorrogação do mandato até 2022”, afirma o cientista político e professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Arthur Leandro.

Por outro lado, os chefes do Executivo municipal precisam lidar com o esgotamento de alguns benefícios, seja do seguro desemprego ou do auxílio emergencial, além de investigações em torno do uso correto dos recursos liberados para o enfrentamento ao coronavírus. “Eles vão enfrentar um eleitorado que vai estar sofrendo diretamente o impacto da falta de recursos, e sabemos que um eleitor insatisfeito, ele pode se tornar um eleitor de oposição”, afirma o professor.

Outro ponto debatido é sobre o discurso federalizado. O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) tem deixado claro que não deve intervir diretamente na corrida eleitoral. Portanto, sem estrutura partidária e sem a presença esperada por muitos dos candidatos que se colocam como defensores do bolsonarismo, a solução foi se unir a partidos que compartilham do mesmo ideal institucional.

Sem essa base eleitoral e máquina partidária consolidada, o que entra em jogo são as negociações para a liberação de recursos federais para investimentos na região durante a pandemia. “Esse é um mecanismo que interfere bastante na performance que os prefeitos e, consequentemente, daqueles que são oposição. Esse mecanismo foi redefinido pela relação entre os governos dos Estados e o federal, com um desenho institucional que interfere no cálculo político das elites locais”, ressalta Arthur Leandro.