O Plenário do Senado aprovou nesta terça-feira (15), em decisão final, o projeto de lei que libera R$ 3,86 bilhões do Fundo Nacional de Cultura (FNC) para fomento de projetos culturais (PLP 73/2021). O texto, batizado de “Lei Paulo Gustavo”, segue agora para sanção presidencial.

A lei foi relatada pelo tocantinense, Eduardo Gomes, filho do poeta e escritor, Zé Gomes, símbolo da cultura.

O dinheiro sairá do superávit financeiro do FNC e será operado diretamente pelos estados e municípios. A proposta também altera a Lei de Responsabilidade Fiscal para permitir que os entes federativos excluam os recursos recebidos da meta de resultado primário.

O texto aprovado foi o substitutivo da Câmara dos Deputados, mas duas mudanças foram rejeitadas pelo relator, senador Alexandre Silveira (PSD-MG). Ele restabeleceu a população LGBTQIA+ entre os grupos cuja participação deve ser assegurada pelos estados e municípios entre os projetos contemplados pelo financiamento. Também foi recuperado o prazo de 90 dias (a partir da publicação da lei) para que o dinheiro seja enviado aos entes federativos – na versão da Câmara, esse prazo seria para a Secretaria Especial da Cultura, do Ministério do Turismo, definir diretrizes para a aplicação dos recursos.

A lei tem o objetivo de ajudar na recuperação do setor cultural após as perdas acumuladas durante a pandemia de covid-19. O seu nome popular homenageia o ator Paulo Gustavo (1978-2021), um dos principais humoristas do Brasil, que morreu no ano passado após longa internação por causa da doença.

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O senador Alexandre Silveira afirmou que a aprovação definitiva do projeto aponta para um entendimento de que o investimento em cultura é um tema de interesse nacional.

“A cultura não é sinal de trânsito: não é vermelha, amarela ou verde. Não é de esquerda, de centro ou de direita. Cultura tem a ver com a nossa tradição. O país não aguenta mais essa discussão infrutífera e mesquinha que prega que não devemos investir em cultura para não beneficiar lado A ou B. Cultura é enriquecimento intelectual. Nação nenhuma vai se desenvolver sem valorizar ou incentivar sua cultura” argumentou.

Silveira observou que a descentralização dos recursos, com os estados e municípios podendo decidir autonomamente sobre os projetos a serem apoiados, é uma qualidade da lei. Para ele, assim será possível fazer os investimentos chegarem a todas as cidades do país.

O senador Paulo Rocha (PT-PA), que foi o autor do projeto, também destacou esse ponto do projeto, afirmando que ele vai fortalecer as economias locais. Ao cumprimentar Alexandre Silveira pela relatoria, ele exaltou o papel da cultura na formação de memória e de identidade da sociedade brasileira.

”Nesses últimos tempos, em momentos de crises, o Senado Federal tem respondido à altura. A relatoria não foi apenas uma análise do projeto em si, mas entremeou a valorização e a importância que têm aqueles que fazem a cultura. Eles resgatam o valor do povo e mantêm viva a sua história, pela arte, teatro, poesia, música, desenhos, fotografia” afirmou.

Para o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, os senadores restabeleceram justiça para o setor cultural, uma categoria que ele classificou como “sofrida” durante os tempos da pandemia. Ele cumprimentou Silveira e Paulo Rocha e também o senador Eduardo Gomes (MDB-TO), que foi o relator do projeto quando ele foi analisado pelo Senado pela primeira vez, em 2021.

Os senadores Humberto Costa (PT-PE) e Zenaide Maia (PROS-RN) salientaram que o setor cultural foi um dos primeiros a sofrer os efeitos econômicos da pandemia, porque teve que ser o primeiro a paralisar suas atividades e o último a retomá-las. O senador Esperidião Amin (PP-SC) disse que a aprovação da lei é acertada pois garante aos artistas “fertilidade para criar”. O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) afirmou que a decisão do Senado atende a um “clamor” da sociedade.

Conteúdo

A execução dos recursos da Lei Paulo Gustavo poderá ser feita até 31 de dezembro de 2022. Se houver algum impedimento em razão de ser ano eleitoral, o prazo será automaticamente prorrogado pelo mesmo período no qual não foi possível usar o dinheiro.

A maior parte da verba (R$ 2,797 bilhões), vinda da arrecadação da Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (Condecine), deverá ser aplicada no setor de audiovisual.

Desse montante, R$ 167,8 milhões serão distribuídos somente entre os estados e o Distrito Federal para apoio às micro e pequenas empresas do setor; para a distribuição e o licenciamento de produções audiovisuais nacionais a fim de exibi-las em TVs públicas; e aos serviços independentes de vídeo por demanda cujo catálogo de obras seja composto por pelo menos 70% de produções nacionais.

As produtoras devem ser empresas brasileiras independentes, e as distribuidoras devem ser controladas por 70% de capital em posse de brasileiros natos ou naturalizados há mais de 10 anos, vedadas aquelas vinculadas a concessionárias de radiodifusão.

O restante do apoio para o audiovisual será dividido metade para os municípios e metade para os estados. Entre as cidades, 20% do total serão rateados segundo os índices do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) e 80% proporcionalmente à população. Entre os estados, 20% pelos índices do Fundo de Participação dos Estados (FPE) e 80% pela população. O Distrito Federal participa da distribuição junto aos estados e junto aos municípios.

No entanto, o projeto separa esse montante em três valores conforme o tipo de uso:

  • R$ 1,957 bilhão para o apoio a produções audiovisuais, de forma exclusiva ou em complemento a outras formas de financiamento, inclusive aquelas com origem em recursos públicos ou financiamento estrangeiro

  • R$ 447,5 milhões para apoio a reformas, restauros, manutenção e funcionamento de salas de cinema públicas ou privadas, assim como cinemas de rua e itinerantes, incluindo o custo para adequação a protocolos sanitários relativos à pandemia de Covid-19

  • R$ 224,7 milhões para capacitação, formação e qualificação, apoio a cineclubes e à realização de festivais e mostras, para a memória, a preservação e a digitalização de obras ou acervos, ou ainda para apoiar observatórios, publicações especializadas e pesquisas.

Ao receber o dinheiro, o beneficiário deverá pactuar com o gestor cultural contrapartida social, incluindo obrigatoriamente a realização de exibições gratuitas dos conteúdos selecionados, com acessibilidade de grupos com restrições e direcionamento à rede de ensino da localidade.

No caso das salas de cinema, haverá obrigação de exibir obras nacionais em um número de dias 10% superior ao estabelecido pelo regulamento da Medida Provisória 2.228-1/01. Para o grupo alvo, o regulamento estipula um mínimo que varia de 27 a 41 dias ao ano de exibição de filme nacional por sala.

Do total a ser liberado pelo Poder Executivo, outro R$ 1,065 bilhão será repartido igualmente entre estados (50%) e municípios (50%), com rateio pelos mesmos critérios (FPE ou FPM e população). Sem especificar um valor para cada grupo, serão contempladas ações de:

  • Apoio ao desenvolvimento de atividades de economia criativa e de economia solidária

  • Apoio a cursos, produções ou manifestações culturais, inclusive que possam ser transmitidas pela internet ou redes sociais e outras plataformas digitais

  • Desenvolvimento de espaços artísticos e culturais, microempreendedores individuais, microempresas e pequenas empresas culturais, cooperativas, instituições e organizações culturais comunitárias que tiveram as suas atividades interrompidas por força das medidas de isolamento social para enfrentamento da pandemia de Covid-19.

O texto define como espaços culturais todos aqueles organizados e mantidos por pessoas, organizações da sociedade civil, empresas culturais, organizações culturais comunitárias, cooperativas com finalidade cultural e instituições culturais, com ou sem fins lucrativos.

Para esses espaços, o repasse, a título de subsídio mensal, poderá custear despesas gerais e habituais, vencidas ou a vencer até 31 de dezembro de 2022, e relacionadas a serviços recorrentes, transporte, manutenção, atividades artísticas e culturais, tributos e encargos trabalhistas e sociais, além de outras despesas comprovadas.

De acordo com o projeto, os instrumentos de seleção deverão estar disponíveis em formatos acessíveis, como audiovisual e audiodescrição, e outros específicos para pessoas com deficiência, como braile, daisy e libras.

São listadas várias atividades passíveis de serem contempladas pelos editais, como artes visuais, música, teatro, dança, circo, livro, leitura e literatura, artesanato, carnaval, escolas de samba, blocos e bandas carnavalescos e toda e qualquer outra manifestação cultural.

No caso dessas outras ações culturais, as contrapartidas gratuitas deverão ser na forma de atividades destinadas, prioritariamente, aos alunos e professores de escolas ou universidades públicas, assim como universidades privadas com estudantes do Programa Universidade para Todos (ProUni).

Outro público prioritário são profissionais de saúde, preferencialmente aqueles envolvidos no combate à pandemia, e pessoas integrantes de grupos e coletivos culturais e de associações comunitárias. Esse público contará ainda com ingressos gratuitos em intervalos regulares em exibições públicas.

Todas as contrapartidas previstas no projeto deverão ocorrer em prazo determinado pelo respectivo ente da Federação, observadas a situação epidemiológica e as medidas de controle da Covid-19.

O projeto concede prazo de 60 dias para estados, Distrito Federal e municípios apresentarem plano de ação após abertura de plataforma eletrônica federal referente ao repasse. O prazo é aplicável inclusive para municípios que queiram somar suas parcelas no âmbito de gestão consorciada na área de cultura.

Quando um determinado município ou consórcio não pedir a verba no prazo, o dinheiro deverá ser redistribuído pela União aos municípios que realizarem o pedido com os mesmos critérios de partilha estabelecidos na distribuição original. Os municípios que receberem os recursos deverão incluí-los em sua programação orçamentária em 180 dias, contados do repasse, sob pena de devolução aos respectivos estados.

No caso dos estados e do DF, o prazo será de 120 dias, sob pena de devolução à União.

Os estados deverão ainda estimular a desconcentração territorial das ações apoiadas, contemplando em especial as cidades que perderem o prazo de solicitação e os municípios que devolverem recursos aos fundos estaduais.

Fonte: Agência Senado