Foto – Gettu Images/N. Momiyama

No mês da Consciência Negra foi registrado o dobro de falas racistas de autoridades públicas em comparação com novembro de 2019. De acordo com a Terra de Direitos e a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), nos primeiros 21 dias de novembro, foram assinaladas oito falas discriminatórias de autoridades públicas, contra quatro em todo o mês novembro passado. Contando de janeiro de 2019 a novembro deste ano, foram identificados 55 discursos racistas proferidos por 22 autoridades públicas. Nenhum autor dessas falas foi responsabilizado até o momento.

 

A Conaq e a Terra de Direitos monitoraram manifestações racistas de autoridades públicas como vereadores, prefeitos, deputados, presidente e juízes, entre outros, de 01 de janeiro a 21 de novembro. A partir de notícias dos principais órgãos de comunicação, notícias postadas na internet e redes sociais  o projeto Quilombolas contra racistas evidencia não apenas o aumento das manifestações racistas por autoridades públicas na comparação entre os dois anos, mas também o uso destes expedientes para negar ou diminuir a dignidade de pessoas e grupos, utilizando estereótipos negativos para marcar todo um grupo. Com isso, as autoridades têm questionado o papel do Estado em desenvolver politicas públicas e ações para enfrentamento do racismo e desigualdade racial.

 

 

A maioria das falas nesse período de monitoramento reforça estereótipos racistas (33%), seguido da incitação à restrição de direitos (27%). Nas manifestações deste ano, destacam-se as falas de negação do racismo.

Um dos mais recentes exemplos é a fala do vice-presidente Hamilton Mourão. “No Brasil não existe racismo”, disse o vice-presidente ao ser perguntado sobre o assassinato de João Alberto em uma das unidades do Carrefour, no dia 19 de novembro.

 

“A negação do racismo por parte da autoridade pública é um artifício de construção de políticas públicas que não contempla as necessidades da população quilombola e população negra em geral, tampouco procura combater as formas de violência que afeta negras e negros no Brasil”, comenta Givânia Silva, uma das fundadoras da Conaq.

 

Segundo ela, essa negação passa duas mensagens. A primeira é a de que autoridade pública não tem responsabilidade em combater o racismo. A segunda é o deslocamento da responsabilidade do Estado no enfrentamento do racismo para a vítima, retirando a dimensão estrutural do problema. Desta forma, reforça estereótipos e justifica que a vítima fez jus à violência e não mereceria o reconhecimento de direitos.

 

“Quando uma autoridade comete um discurso de ódio racial, ela se ampara em outras autoridades que também proferem essas ações. Na hierarquia das autoridades, temos um presidente que encabeça a maioria dos discursos, que somado à falta de responsabilização, reforçam a invisibilidade da necessidade do combate ao racismo por toda a sociedade”, explica Givânia.

 

A negação acontece todos os dias, segundo a coordenadora, mas no Novembro Negro, “as autoridades tentam deslocar a questão do racismo, que passa a ser considerado um problema de uma minoria negra insatisfeita. Essa estratégia tem o objetivo de justificar a restrição de direitos e a violência dirigida contra a população negra por parte do Estado”, acrescenta ela.

 

Falas registradas

Em 4 de novembro, o deputado federal Celso Russomano (Republicamos), que acabou de disputar a Prefeitura de São Paulo, disse que a homenagem ao movimento negro havia sido um ato de vandalismo. “Lutarei para que atos de vandalismo como esse aqui não ocorram novamente e para que não fiquem impunes”, publicou Russomano no Twitter.

 

Dois dias depois, em uma sabatina, Russomano respondeu sobre tema: “Eu não vou polarizar essa questão. Eu fui criado por uma mãe de leite negra. Eu sou uma pessoa que não vejo diferença entre os negros e os brancos. Os meus melhores, tenho grandes amigos que são negros. E tive namorada, inclusive. Eu não tenho problema nenhum com isso. Agora, a prefeitura é que não pode fazer uma campanha e não dizer para população o que é que ela está fazendo e colocar o punho cerrado nos semáforos, o que contraria inclusive a legislação de trânsito, eles vão responder inclusive por crime de improbidade.”

 

No Dia da Consciência Negra, 20/11, o vice-presidente da República, Hamilton Mourão, negou que haja racismo no Brasil, no auge da comoção pública com o espancamento e morte de um negro no supermercado Carrefour. “Lamentável, né? […]. Em princípio, é segurança totalmente despreparada para a atividade que ele tem que fazer […]. Para mim, no Brasil não existe racismo. Isso é uma coisa que querem importar aqui para o Brasil. Isso não existe aqui”, afirmou o general.

 

No mesmo dia, Sérgio Camargo, presidente da Fundação Palmares, também negou que haja discriminação racial. “Não existe racismo estrutural no Brasil; o nosso racismo é circunstancial – ou seja, há alguns imbecis que cometem o crime. A ‘estrutura onipresente’ que dia e noite oprime e marginaliza todos os negros, como defende a esquerda, não faz sentido nem tem fundamento.”

 

No dia 21, mais declarações do gênero, tanto do presidente da República quanto novamente do presidente da Fundação Palmares, que utilizou o Twitter. Lembrando que a instituição, fundada em 1988, diz, em seu site, que “tem trabalhado para promover uma política cultural igualitária e inclusiva”.

 

Declaração de Jair Bolsonaro, na reunião de cúpula do G20: “Enxergo todos com as mesmas cores: verde e amarelo”.

 

Por fim, as tuitadas de Sérgio Camargo:

•         “Somos um só povo e a cor da pele não importa.”

•         “O único ‘genocídio de negros’ no Brasil é o de policiais, que ocorre ante a indiferença do movimento negro, da mídia e dos artistas militantes. Vidas Honestas Importam!”

•         “As táticas extremistas e criminosas do Black Lives Matter, importadas para o Brasil, igualam o movimento negro aos neonazistas – objetivos e métodos de sinais trocados.”

 

Por Matheus Zanon