Em decisão unânime, o Supremo Tribunal Federal (STF), autorizou medida cautelar para suspensão dos efeitos de dispositivos da Portaria 43/2020 do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento/Secretaria de Defesa Agropecuária que libera o registro tácito de agrotóxicos e afins.

A decisão teve origem no julgamento das Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPFs) 656 e 658, ajuizadas, respectivamente, pelo partido Rede Sustentabilidade e pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL).

O voto do ministro-relator, Ricardo Lewandowski, foi seguido pelo Plenário, para suspender a eficácia dos itens 64 a 68 da Tabela 1 do artigo 2º da Portaria 43/2020, relativo aos prazos para a aprovação tácita de agrotóxicos, com liberação da análise pelos órgãos competentes de vigilância ambiental e sanitária.

Facilidade do acesso

Os dispositivos discutido determinam prazo prazo de 180 dias para o pronunciamento da autoridade sobre o registro de fertilizantes e prazo de 60 dias para o registro de agrotóxicos. Na falta de pronunciamento decisivo da Secretaria de Defesa Agropecuária sobre a liberação, considera-se a ocorrência da aprovação tácita.

Nas ações demandadas, os partidos sustentam que a medida estimula e facilita o acesso e o consumo desses produtos sem a realização de estudos relativos à saúde e ao meio ambiente.

De acordo com os partidos, Rede e PSOL, o país possui uma legislação firme para a regulação do uso de fertilizantes e agrotóxicos (Lei 7.802/1989 e Decreto 4.074/2002), entretanto, o Ministério do Meio Ambiente, sob o argumento de regulamentar a Lei de Liberdade Econômica (Lei 13.874/2019), flexibilizou a aplicação das regras, em afronta aos preceitos constitucionais de proteção à vida, à saúde humana, à função social da propriedade, à compatibilização entre a atividade econômica e a defesa do meio ambiente, entre outros argumentos.

Urgência

Desde março, o pedido liminar vem sendo analisado pelo Plenário. Entretanto, com o pedido de vista do ministro Luís Roberto Barroso, o julgamento foi interrompido, contudo, diante da urgência, pelo fato de que a Portaria 43/2020 do Ministério da Agricultura entraria em vigor em 01/44/2020, o relator, ministro Ricardo Lewandowski, deferiu liminar monocraticamente para suspender dispositivos da norma questionada, até a conclusão da análise da ação.

Lógica inversa

O ministro Lewandowski ressaltou que, é possível deduzir da Constituição Federal diversos princípios que traduzem um verdadeiro direito constitucional ambiental, dentre eles o da precaução.

“Isso significa que, onde existam ameaças de riscos sérios ou irreversíveis, não será utilizada a falta de certeza científica total como razão para o adiamento de medidas eficazes, em termos de custo, para evitar a degradação ambiental”, declarou.

O ministro-relator compreende que a portaria cria uma lógica inversa: frente a provável morosidade na análise de registros de agrotóxicos, fertilizantes e diversos produtos químicos obviamente prejudiciais à saúde, e encerrado o curto prazo para essa averiguação, considera-se tacitamente aprovada a sua liberação para utilização indiscriminada.

“A portaria ministerial, sob a justificativa de regulamentar a atuação estatal acerca do exercício de atividade econômica relacionada a agrotóxicos no país, para imprimir diretriz governamental voltada para maior liberdade econômica, feriu direitos consagrados e densificados após séculos de reivindicações sociais com vistas a configurar a dignidade humana como valor supremo da ordem jurídica e principal fundamento da República Federativa do Brasil”, afirmou.

Inaceitável

Diante dos fatos, o ministro decidiu que é inaceitável que uma norma posterior (e, sendo uma portaria, de hierarquia normativa inferior) determine a autorização tácita do registro de uma substância química ou agrotóxica sem analisar, com a devida rigidez, os quesitos básicos de segurança para sua utilização por seres humanos.

O relator ressaltou igualmente o risco de grave lesão à saúde pública que a utilização indiscriminada de agrotóxicos causaria, em momento de vulnerabilidade do sistema de saúde decorrente da pandemia da Covid-19. O Tribunal ainda irá julgar o mérito das ações em data a ser definida.

Texto original publicado em Noticias Concursos