
Em uma contundente demonstração de força, unidade e indignação, integrantes da Comunidade Quilombola Rio Preto, ladeados por lideranças de movimentos negros e frentes de Direitos Humanos, ocuparam hoje a entrada da Justiça Federal em Palmas. O ato público é uma reação direta à sentença proferida no último dia 15 de dezembro, que autorizou a reintegração de posse do Lote 173 em favor da empresa Lagoa Dourada Participações e Serviços SC Ltda, ignorando a ancestralidade de um povo que ocupa o território desde 1911.
Paralelamente, mais de 25 entidades e organizações da sociedade civil subscreveram uma Nota de Repúdio e Solidariedade, classificando a decisão da magistrada Carolynne Souza de Macedo Oliveira como “contraditória” e um retrocesso civilizatório que ameaça a sobrevivência de dezenas de famílias tradicionais.
Sentença Contraditória e o “Apagamento Judicial”
Para os movimentos sociais, a decisão judicial padece de vício de origem ao priorizar um título de propriedade recente (2015) em detrimento de uma ocupação secular, exaustivamente comprovada por relatórios. Embora a comunidade detenha a certificação da Fundação Cultural Palmares, o Judiciário optou por uma lógica estritamente civilista, desqualificando o caráter coletivo e sagrado da terra para os quilombolas.
“É inadmissível que o sistema de justiça ignore a posse imemorial e o processo de titulação que tramita no INCRA” , afirma a nota das entidades. A crítica central recai sobre a “asfixia do direito de defesa”, dado que a ordem foi expedida às vésperas do recesso forense.
Ato na Porta da Justiça Federal
A mobilização em Palmas também expôs as chagas de um conflito marcado pela violência física e institucional. Segundo os relatos apresentados, a comunidade Rio Preto vive um cenário de “terrorismo agrário” promovido pelo grupo empresarial, que inclui:
Episódios de disparos de armas de fogo, incêndios criminosos contra residências quilombolas e ameaças ostensivas por milícias privadas travestidas de segurança armada.
O desmonte de equipamentos públicos, como o fechamento da Escola Municipal Bibiano Ferreira Lopes e da Casa de Farinha, ações que visam asfixiar a economia local e apagar a identidade cultural do grupo.
O aterramento criminoso de áreas de brejo e nascentes, perpetrado pela empresa Lagoa Dourada, o que compromete o ecossistema do Cerrado e a soberania hídrica das famílias.
Abaixo a Nota dos Movimentos Sociais Negros, Quilombolas e de Defesa dos Direitos Humanos.
NOTA DE REPÚDIO: CONTRA O APAGAMENTO JUDICIAL E O DESPEJO DO
QUILOMBO RIO PRETO
“Florescemos em meio às terras arenosas do Cerrado. Descobrimos nos animais as experiências das histórias contadas e as certezas de estratégias montadas” (SILV A, Claudiana Matos da, apud MUMBUCA, Ana Claudia Matos da Silva, 2019, p. 92)
O Movimento Negro Tocantinense, as Comunidades Quilombolas e as Organizações de Defesa dos Direitos Humanos e Socioambientais vêm a público manifestar seu mais profundo REPÚDIO à sentença proferida em 15 de dezembro de 2025 pela Juíza Federal Carolynne Souza de Macedo Oliveira, titular da 1ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária do Tocantins. A decisão, tomada no âmbito do Processo nº 1013274-44.2023.4.01.4300, decreta a reintegração de posse do Lote 173 em favor da empresa LAGOA DOURADA PARTICIPAÇÕES E SERVIÇOS SC LTDA, empresa que atenta violentamente contra as famílias quilombolas, ordenando o despejo de famílias que compõem o Quilombo Rio Preto, uma comunidade tradicional quilombola com mais de cem anos de existência.
1. A invisibilização da Territorialidade Quilombola
Sob o pretexto de um aspecto técnico, a sentença apresenta graves equívocos que ferem o ordenamento jurídico brasileiro e os tratados internacionais. Ao condicionar a proteção do território à conclusão do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) pelo INCRA, o Juízo converte um direito fundamental originário em mera expectativa administrativa. O Supremo Tribunal Federal (ADI 3.239) já consolidou que o direito territorial quilombola éautoaplicável e o Estado apenas o reconhece, não o cria. A decisão ignora que a posse quilombola é coletiva e ancestral. Ao desconsiderar a certidão da Fundação Cultural Palmares, a sentença aplica uma lógica civilista inadequada para conflitos que envolvem comunidades quilombolas.
A magistrada, em sua sentença eivada de contradições, indeferiu pedidos de provas, não designou audiências e manteve o processo paralisado por dois anos sem despachar, mesmo sob sucessivos alertas de violências graves. O indeferimento da perícia antropológica e da inspeção judicial in loco impediu a reconstrução fiel da realidade histórica e social da comunidade que habita o território há mais de um século, priorizando uma análise meramente documental em benefício do autor.
2. O silenciamento diante da violência e dos atentados
Politicamente, esta decisão premia a violência e serve de combustível para o agravamento de conflitos agrários. Dados da CONAQ e Terra de Direitos indicam que a violência letal contra quilombolas dobrou entre 2018 e 2022, atingindo majoritariamente lideranças envolvidas na defesa de territórios tradicionais onde o Estado se omite. A sentença ignora que a comunidade é alvo de atentados, incluindo incêndios criminosos, fechamento de escolas e intervenção de fazendeiros junto ao erário municipal. Despejar a comunidade neste contexto é expor famílias ao risco iminente de morte.
3. Racismo ambiental e seletividade jurídica
Proferir tal ordem a apenas cinco dias do recesso forense asfixia o direito de defesa. A fragmentação artificial do território (separando os lotes 172 e 173) privilegia a acumulação de terras pelo latifúndio em detrimento da sobrevivência física e cultural da comunidade, desconsiderando o artigo 68 do ADCT da Constituição Federal.
4. Nossa luta é por vida e território
O Movimento Negro Tocantinense e as frentes de Direitos Humanos não aceitarão passivamente essa agressão que barbariza os direitos tradicionais. O RACISMO ESTRUTURAL não passará impune. O sistema de justiça precisa promover justiça, e não ser o braço executor da injustiça contra o povo negro.
O território quilombola Rio Preto existe antes do próprio Estado do Tocantins. É o berço da nossa ancestralidade e o escudo contra a ganância do agronegócio. A terra é quilombola por direito, por história e por destino. Exigimos a suspensão imediata dos efeitos desta sentença e a celeridade do INCRA na conclusão da titulação.
Palmas – TO, 17 de dezembro de 2025.
ASSINAM ESTA NOTA:
1. COLETIVO ENEGRECER TOCANTINS
2. COLETIVO FEMINISTA DE MULHERES NEGRAS DO TOCANTINS, AJUNTA
PRETA3. COORDENAÇÃO ESTADUAL DAS COMUNIDADES QUILOMBOLAS DO
TOCANTINS- COEQTO
4. IERÊ – Núcleo de Igualdade Étnico-Racial e Educação da UFT
5. GRUPO DE CONSCIÊNCIA NEGRA DO TOCANTINS- GRUCONTO
6. INSTITUTO ART’ AFRO E DIREITOS HUMANOS DE MIRACEMA
7. Coordenadoria Ecumênica de Serviço – CESE
8. Paróquia Anglicana do Bom Pastor – Salvador – Bahia
9. Coletivo de Mulheres, Políticas Públicas e Sociedade – MUPPS
10. DIVERSIFICA (UFRB)
11. Marcha Mundial das Mulheres – Núcleo Lélia Gonzalez
12. Batalha das Mil / Cerrado Rap
13. MOVIMENTO KIZOMBA
14. Coletivo Julho das Pretas Karen Luz
15. Conselho Estadual de Promoção da Igualdade Racial – CEPIR/TO
16. Movimento Negro Unificado – MNU TO
17. Articulação Tocantinense de Agroecologia – ATA
18. Alternativas Para a Pequena Agricultura no Tocantins – APA-TO
19. Comissão Pastoral da Terra – Regional Araguaia Tocantins
20. Coalizão Vozes do Tocantins por Justiça Climática
21. Universidade Federal do Tocantins (UFT)
22. ADINKRA – Grupo de Estudos de Mulheres Negras
23. Movimento de direitos humanos do Tocantins MEDH – TO
24. Conselho Municipal de Promoção da Igualdade Racial de Palmas – COMPIR
25. Núcleo de Pesquisa e Extensão em Saberes e Práticas Agroecológica
26. SINTET – Regional de Palmas
27. Brcidades núcleo Tocantins