Agronegócio e capital estrangeiro pressionam modos de vida tradicionais no Cerrado, aponta ActionAid

No país prestes a sediar a COP30 e interessado em protagonizar a agenda climática, uma
silenciosa contradição acontece: o agronegócio financiado por capital estrangeiro domina as
terras brasileiras, enquanto povos e comunidades tradicionais veem suas florestas e modos
de vida sob ataque.

Relatório da ActionAid Brasil denuncia a dinâmica da expansão de tradings agrícolas que
devasta biomas como o Cerrado, especialmente na região do MATOPIBA — formada pelos
estados do Tocantins, Maranhão, Piauí e Bahia. O estudo foca nos impactos e ameaças
sofridos pelas quebradeiras de coco babaçu, que incluem graves intimidações territoriais e, há
pelo menos três anos, ataques químicos ao solo das regiões onde vivem as mulheres
extrativistas.

Desmatamento financiado

No relatório “Desmatamento financiado: Quebradeiras de Coco na Mira do Agronegócio
Global”, a ActionAid analisa as relações entre os investimentos de grandes instituições
financeiras nas tradings agrícolas — multinacionais especializadas na compra, venda e
exportação de produtos do agronegócio — atuantes no Brasil e o agravamento da crise
climática. O estudo aprofunda casos denunciados no documento Who Pays The Price?, da
ActionAid Reino Unido, que abrange impactos climáticos de financiamentos de bancos
globais a indústrias de combustíveis fósseis e de agronegócio em três países: Brasil, Tanzânia
e Bangladesh. Um dos exemplos são os aportes do HSBC à Cargill, maior empresa de capital
fechado do mundo, que desempenha papel relevante na consolidação e expansão do
agronegócio brasileiro e global.

De acordo com Junior Aleixo, coordenador de Políticas e Programas da ActionAid Brasil, o
estudo brasileiro se concentra no MATOPIBA porque sua ocupação tem intensificado de
forma brutal a concentração fundiária e gerado conflitos agrários e fundiários, além de
impactos ambientais diversos. Só em 2023, o Cerrado, bioma preponderante na região,
respondeu por 61% de todo o desmatamento no país, segundo o MapBiomas. A maior parte
dessa devastação foi causada pela expansão agrícola, incluindo em comunidades onde a
ActionAid atua.

Assim, o estudo analisa os impactos e revela os principais atores envolvidos, ao mesmo tempo
em que denuncia a responsabilidade do Estado brasileiro por incentivar um modelo de
desenvolvimento que agrava a crise climática. A ActionAid defende que recursos públicos
sejam direcionados para práticas sustentáveis, que cuidem da terra, reduzam as emissões e
gerem renda no campo, como a agroecologia.

“O Estado brasileiro tem incentivado fortemente a expansão do agronegócio no MATOPIBA,
numa lógica de ocupação que escancara nossas portas para a financeirização da terra e entrega
nossos territórios ao capital estrangeiro. Mas esse sistema não distribui riqueza, não alimenta,
não combate a fome. Pelo contrário: o que vemos é a substituição de áreas nativas por
monoculturas, o avanço do desmatamento e a violação do direito à sobrevivência das
comunidades locais. Trata-se de uma engrenagem que concentra lucros nas mãos de poucos e
amplia desigualdades”, afirma Junior Aleixo, coordenador de Políticas e Programas da
ActionAid Brasil.

Uso indiscriminado de agrotóxicos é uma estratégia de expulsão de comunidades tradicionais e um método de desmatamento

Essa fronteira agrícola do MATOPIBA tem se deslocado em direção ao oeste e à leste do
Maranhão, ocupando territórios da Região Ecológica do Babaçu, que tem notável diversidade
biológica. O estudo traz casos emblemáticos e mostra que o uso indiscriminado de agrotóxicos
tem sido uma estratégia do agronegócio para a expulsão de povos tradicionais e um método
de desmatamento progressivo de áreas nativas, que ameaça as matas dos babaçuais e,
assim, extingue as condições de existência dessas populações. Em Timbiras, um dos
municípios abordados, agricultores familiares locais registraram perda estimada entre 50% e
70% da produção agrícola em 2024, e o veneno atingiu árvores frutíferas, babaçuais e
igarapés, comprometendo a segurança alimentar e o acesso à água de ao menos 120 famílias.

O agro alimenta a crise climática

No Brasil, o agronegócio é o setor que mais gera impactos socioambientais, contribuindo de
forma central para o agravamento da crise climática. Segundo dados do Observatório do Clima,
o desmatamento e a agropecuária foram responsáveis, respectivamente, por 48% e 27% das
emissões brutas de gases de efeito estufa (GEE), em 2022. Esses dados confirmam a relação do
agronegócio, especialmente voltado para exportação, com a degradação do Cerrado e no
comprometimento de áreas vitais para a estabilidade climática e a preservação da
sociobiodiversidade brasileira.

Campanha Fund our Future pressiona desfinanciamento de setores que ampliam a crise climática

O lançamento do estudo é parte da campanha global Fund our Future, da ActionAid, que tem
como objetivo pressionar o desfinanciamento de setores que colaboram, aprofundam e
ampliam a crise climática e as desigualdades em todo o globo. Aleixo reforça a existência da
relação direta entre as instituições financeiras e as tradings agrícolas. E, pensando no caso do
Brasil, a Cargill exemplifica bem essa relação, tanto pelo financiamento recebido do HSBC,
quanto pelo tempo de atuação no território brasileiro.

“A partir do início dos anos 2000, existe um cenário internacional propício para investimentos
na expansão do agronegócio na produção de grãos em commodities. Desde então, instituições
financeiras integradas às grandes tradings agrícolas internacionais constroem um monopólio
de influências, por exemplo, sobre sistemas agroalimentares, sobre políticas públicas
relacionadas à mudança do clima e sobre as narrativas do impacto do agronegócio globalizado
nos países em que elas atuam”, aponta o especialista.

A fala delas: O impacto do agronegócio sob a ótica de uma liderança quebradeira de coco babaçu

Para Maria Alaídes, quebradeira de coco babaçu e coordenadora geral do Movimento
Interestadual das Mulheres Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB), grupo fundado em 1991
que luta por justiça ambiental, social, econômica e acesso livre ao babaçual, a expansão da
produção agrícola no MATOPIBA simboliza a chegada de grandes produtores que promovem
uma monocultura de grande escala, diferente das mulheres quebradeiras, que vivem do
extrativismo do coco babaçu e da produção agroecológica e de subsistência.

“O agronegócio promove o desmatamento desordenado e impacta a natureza, as águas e
nossos corpos. Adoecemos ao consumir água poluída. Nossa agricultura é atingida pela
pulverização aérea de agrotóxicos. Em Lago do Junco, ele está chegando com força impondo
monoculturas de soja, milho e algodão, sem respeito ao nosso modelo de cultivo sem veneno e
sem mecanização pesada. Além disso, concentra o capital em poucas mãos, uma riqueza que
não é circulada nem distribuída no município onde é implantada”, explica Maria Alaídes.

A agroecologia é a saída

Por meio do movimento, as mulheres quebradeiras de coco babaçu já elaboraram mais de dez
projetos de lei entregues a legisladores. Hoje, ao menos 18 leis municipais e duas estaduais
foram aprovadas, enquanto pelo menos cinco outros projetos estão em andamento e buscam
garantir o direito de acesso dessas mulheres aos babaçuais. A organização, que tem apoio da
ActionAid há 25 anos, defende a regularização fundiária e a proteção do acesso às florestas de
babaçu, assegurando os direitos das comunidades extrativistas e combatendo a expansão
predatória da agricultura.

O relatório da ActionAid demanda que o Estado brasileiro enfrente a expansão dessas tradings
agrícolas, financiando um desenvolvimento mais sustentável e equitativo para todas as
pessoas.

“Uma Transição Justa de verdade precisa colocar em evidência as práticas agroecológicas. Isso
precisa entrar de vez na agenda da COP30 e nas políticas do governo brasileiro. O que a gente
propõe é que esses processos que já existem em vários territórios possam ser legitimados e
demonstrados não só como alternativas, mas como imperativos”, afirma Aleixo.

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Assessoria de Imprensa/Usina da Comunicação