Sentença da 1ª Vara Criminal de Palmas condena à prisão um casal de empresários donos de uma clínica de reabilitação para tratamento de dependentes químicos e pessoas portadoras de deficiência mental pelos crimes de maus-tratos e cárcere privado, cometidos contra pacientes que buscavam tratamento no local, fechado desde uma operação policial em fevereiro de 2024. A decisão é do juiz Cledson José Dias Nunes, publicada na quarta-feira (26/3).
No processo, os proprietários da clínica, ambos com 38 anos, são acusados pelo Ministério Público de submeter os pacientes a condições degradantes e punições cruéis. Segundo o processo, os internos eram forçados a cavar buracos como forma de castigo, sofriam agressões físicas e psicológicas.
Os internos também eram obrigados a tomar um coquetel de remédios apelidado de “danone”. Composta por Amplictil, Haldol, Neozine, Clonazepam e Fenergan, em dosagens altas, a droga os deixavam “sedados a ponto de dormirem por dois ou três dias”, segundo a sentença.
Conforme a denúncia, o “danone” era prática comum para sedar pacientes que questionavam as ordens ou se recusavam a obedecer. Um enfermeiro da clínica afirmou à Justiça que o médico que atendia na clínica comparecia apenas a cada 40 ou 45 dias e que a administração do “danone” não era fiscalizada por médico ou enfermeiro.
A decisão do juiz
Quinze vítimas e 17 testemunhas prestaram depoimento ao juiz durante a instrução processual e seus relatos embasam a sentença de mais de 50 páginas do magistrado. São relatos de vítimas e testemunhas descrevendo quartos com grades e cadeados e que não podiam sair da clínica, mesmo quando manifestavam esta vontade.
Uma das mensagens extraídas do celular da acusada, apreendido na operação policial, trocada com um funcionário da clínica, é citada na decisão. Os dois sugerem amarrar um interno na cama até que ele dormisse.
O juiz cita documento da equipe técnica da Gerência da Rede de Atenção Psicossocial (GRAPS), da Secretaria de Saúde do Estado do Tocantins, constatando a presença de 68 internos, entre os quais os que “apresentavam machucados pelo corpo, marcas de terem sido amarrados com cordas”. Também aponta outros em estado de “desnutrição, com roupas sujas exalando forte odor de urina e fezes, além de estarem com estado de consciência alterado”.
Ao julgar o caso, Cledson Nunes reconheceu que os acusados, na condição de proprietários e gestores da clínica “expuseram a saúde e a vida de diversas pessoas que se encontravam sob sua vigilância para fins de tratamento, abusando dos meios de correção e disciplina”, configurando o crime de maus-tratos.
Além das agressões empregadas como forma de castigo, segundo o juiz, o conjunto de provas produzido no processo demonstra que os acusados também “não forneciam os cuidados necessários aos internos”.
O juiz observa ter sido comprovado o crime de cárcere privado, pois os acusados privaram diversas pessoas da liberdade “muitas delas conduzidas sem seu consentimento e, por vezes, mediante violência, ameaça ou sedação até a clínica” e ali “eram mantidas trancadas em seus quartos por longos períodos, sem qualquer justificativa razoável e, em alguns casos, impedidas de deixarem o local, mesmo quando manifestado este desejo pelos próprios internos ou seus responsáveis legais”.
Cledson Nunes juiz também considerou a quantidade de infrações cometidas pelo casal para reconhecer a “continuidade delitiva” – quando vários crimes são cometidos sob as mesmas condições de tempo, forma e lugar e a inexistência de prova de desígnios autônomos, isto quando há intenção de cometer mais do que um crime.
O magistrado fixou para o homem a pena de 8 anos, 9 meses e 21 dias de reclusão, além de 10 dias-multa, cada um no valor de 1/30 do salário mínimo pelos crimes de maus-tratos e cárcere privado. Para a mulher, o juiz estipulou a pena de 7 anos, 11 meses e 10 dias de reclusão, além de 10 dias-multa, também 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo.
Conforme a sentença, ao fixar a pena mais severa para o homem, o juiz considerou seu papel de liderança na clínica, como responsável por planejar e coordenar as ações dentro da casa de internação, dar ordens e instruir os demais sobre o que fazer, demonstrando maior grau de responsabilidade e envolvimento nos crimes comprovados no processo.
O homem não poderá recorrer em liberdade, pois teve a prisão preventiva mantida pelo juiz.
A mulher poderá recorrer contra a sentença em liberdade. Após o julgamento dos eventuais recursos, ela começa a cumprir a pena de prisão em regime semiaberto.
Furto de energia elétrica
Além dos crimes de maus-tratos e cárcere privado, o casal de proprietários da clínica também foram condenados por furto de energia elétrica.
Segundo a sentença, um laudo pericial juntado ao inquérito policial constatou um desvio de energia antes do medidor que alimentava diversos imóveis dentro das dependências da clínica, incluindo os dois motores de piscinas, sem registrar o consumo real de energia para a concessionária.
Para este crime, a pena imposta ao dono da clínica é de 1 ano e 20 dias de detenção, em regime aberto. Para a empresária, a pena é de 11 meses e 1 dia de detenção, também em regime aberto.
Cabe recurso ao Tribunal de Justiça.
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