
No Tocantins, desde 2006, nenhum governador eleito pelo voto direto conseguiu concluir o mandato. Cassações, afastamentos, prisões e até pedidos de impeachment, quase sempre ligados a investigações de corrupção e outros crimes, marcaram a política estadual nesse período. O último a completar o ciclo foi Marcelo Miranda (MDB), que, paradoxalmente, também inaugurou a sequência de gestores que não chegaram ao fim do mandato.
Nesta quarta-feira (3), foi a vez de Wanderlei Barbosa (Republicanos) deixar o cargo, após decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ). O governador é investigado por suspeita de participação em um esquema de aquisição irregular de cestas básicas com recursos públicos durante a pandemia de Covid-19
Veja quem são os governadores e como aconteceram os afastamentos, cassações e renúncias do histórico sobre a situação política e ‘rotatividade’ no comando do Executivo Estadual nos últimos anos.
Marcelo Miranda – 1ª cassação
Marcelo Miranda foi eleito governador do Tocantins em 2002 e cumpriu integralmente o primeiro mandato, exercido de 2003 a 2006, após suceder José Wilson Siqueira Campos.
Reeleito em 2006, iniciou o segundo mandato em 2007, mas sua permanência no cargo foi interrompida em 2009. Naquele ano, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) cassou o mandato do governador ao constatar irregularidades na campanha eleitoral que garantiu sua reeleição. Além da perda do cargo, Marcelo Miranda foi declarado inelegível por oito anos.
Carlos Gaguim
Com a cassação também do vice-governador Paulo Sidnei, o comando do Estado passou para Carlos Gaguim, então deputado estadual e presidente da Assembleia Legislativa. Ele foi eleito em votação indireta e permaneceu no cargo até o fim de 2010, mas não conseguiu se reeleger, sendo sucedido por Siqueira Campos.
Siqueira Campos
De volta ao governo, Siqueira Campos (PSDB) também não concluiu o mandato. Diferentemente dos governadores anteriores, tanto ele quanto o vice, João Oliveira (DEM), optaram por renunciar. A decisão, oficializada no Diário Oficial em 4 de abril de 2014, teve como objetivo abrir caminho para a candidatura do filho do governador, Eduardo Siqueira Campos.
Com a saída de ambos, novamente o presidente da Assembleia Legislativa assumiu o Executivo estadual. Dessa vez, o cargo foi ocupado pelo deputado Sandoval Cardoso (SD).
Sandoval Cardoso
Sandoval Cardoso assumiu o governo em 4 de maio de 2014, após ser eleito indiretamente pela Assembleia Legislativa. Sua gestão foi a mais breve no Palácio Araguaia e também a primeira de um governador do Tocantins a terminar em prisão.
Em 2016, ele foi detido por 16 dias na Casa de Prisão Provisória de Palmas, acusado de irregularidades em licitações para serviços de terraplanagem e pavimentação. O processo ainda tramita na Justiça, mas Sandoval responde em liberdade, afastado da política e reiterando sua inocência.
Marcelo Miranda – 2ª cassação
Com a saída de Sandoval, Marcelo Miranda retornou ao comando do Estado, cinco anos depois da primeira cassação. Ele venceu as eleições de 2014 ao lado da vice, Cláudia Lélis.
O segundo mandato, porém, foi interrompido em 2018, quando a Polícia Civil apreendeu em Piracanjuba (GO) um avião com R$ 500 mil em espécie e material de campanha da chapa Miranda-Lélis. O episódio resultou em nova cassação, tornando Marcelo o único governador do país, até hoje, a perder o mandato duas vezes no mesmo cargo.
Em setembro de 2019, ele voltou a ser preso, desta vez pela Operação 12º Trabalho da Polícia Federal, que apurava um desvio estimado em R$ 300 milhões dos cofres estaduais. Marcelo permaneceu 147 dias preso, sendo liberado apenas em fevereiro de 2020.
Com a cassação também da vice Cláudia Lélis, pela terceira vez um deputado estadual na condição de presidente da Assembleia Legislativa assumiu interinamente o governo do Tocantins.
Mauro Carlesse
Após a segunda cassação de Marcelo Miranda, o comando do Estado passou interinamente para Mauro Carlesse (Agir), então deputado de primeiro mandato e recém-eleito presidente da Assembleia Legislativa. Em 2018, ele conquistou duas vitórias nas urnas: primeiro na eleição suplementar de junho e, em seguida, na eleição geral de outubro.
Durante sua gestão, no entanto, Carlesse se viu envolvido em controvérsias e investigações que o impediram de concluir o mandato. O período foi marcado por operações policiais em âmbitos estadual e federal, que o apontaram como suspeito de corrupção e de tentativa de interferência política na Polícia Civil. Em 2021, acabou afastado do cargo por decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Diante da perda de apoio político e de um processo de impeachment em andamento, renunciou em 2022.
No final de 2024, Carlesse foi preso sob a acusação de planejar fuga para o exterior em meio às investigações. Ele deixou a prisão em fevereiro de 2025, beneficiado por medidas cautelares. O ex-governador nega todas as acusações, afirmando que jamais teve a intenção de sair do país e que “sempre esteve à disposição da Justiça e assim permanecerá”.
Wanderlei Barbosa é afastado por 180 dias
Wanderlei Barbosa, que assumiu o comando do Tocantins em 2021 após a saída de Mauro Carlesse e venceu as eleições de 2022, foi afastado do cargo de governador nesta quarta-feira (3). Político de carreira, ele é alvo de investigação por suspeita de envolvimento em um esquema de desvio de recursos destinados à compra de cestas básicas durante a pandemia de Covid-19. Parte do dinheiro teria sido utilizada na construção de uma pousada de luxo em Taquaruçu.
A primeira-dama, Karynne Sotero, secretária extraordinária de Participações Sociais, também foi afastada. Ambos negam as acusações.
O afastamento, determinado pelo ministro Mauro Campbell, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ocorreu no âmbito da segunda fase da Operação Fames-19. Segundo a Polícia Federal, as investigações apontam indícios de que, entre 2020 e 2021, os investigados se aproveitaram do estado de emergência em saúde e assistência social para fraudar contratos relacionados ao fornecimento de cestas básicas.
Foram firmados contratos que ultrapassaram R$ 97 milhões, sendo o prejuízo estimado aos cofres públicos de mais de R$ 73 milhões. Os valores desviados, conforme a apuração, teriam sido ocultados por meio da construção de empreendimentos de luxo, aquisição de gado e pagamento de despesas pessoais.
Mais de 200 policiais federais participaram da operação, cumprindo 51 mandados de busca e apreensão em Palmas, Araguaína, Distrito Federal, Paraíba e Maranhão. A investigação também envolve dez deputados estaduais, relacionados a contratos de R$ 38,2 milhões para fornecimento de cestas básicas.
A Assembleia Legislativa do Tocantins (Aleto) declarou ter colaborado integralmente com as autoridades, fornecendo documentos, equipamentos e informações solicitadas. Ressaltou ainda que não recebeu qualquer intimação judicial diretamente relacionada ao caso.
Com o afastamento, o vice-governador Laurez Moreira assumiu interinamente o Executivo, tornando-se o 13º governador do Tocantins.
A defesa do ex-governador Mauro Carlesse, que estava no cargo no período investigado, afirmou em nota que ele não teve qualquer participação nos fatos apurados.
Íntegra da nota de Wanderlei Barbosa
Recebo a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) com respeito às instituições, mas registro que se trata de medida precipitada, adotada quando as apurações da Operação Fames-19 ainda estão em andamento, sem conclusão definitiva sobre qualquer responsabilidade da minha parte. É importante ressaltar que o pagamento das cestas básicas, objeto da investigação, ocorreu entre 2020 e 2021, ainda na gestão anterior, quando eu exercia o cargo de vice-governador e não era ordenador de despesa.
Reforço que, por minha determinação, a Procuradoria-Geral do Estado (PGE) e a Controladoria-Geral do Estado (CGE) instauraram auditoria sobre os contratos mencionados e encaminharam integralmente as informações às autoridades competentes.
Além dessa providência já em curso, acionarei os meios jurídicos necessários para reassumir o cargo de Governador do Tocantins, comprovar a legalidade dos meus atos e enfrentar essa injustiça, assegurando a estabilidade do Estado e a continuidade dos serviços à população.
Íntegra da nota de Karynne Sotero
Reitero meu respeito à decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e às instituições, ressaltando que irei dedicar-me plenamente à minha defesa, convicta de que conseguirei comprovar minha total ausência de participação nos fatos que estão sendo apontados.
Desejo que tudo seja esclarecido e reestabelecido com brevidade e justiça, pelo bem do povo tocantinense, a quem dedico meu trabalho e compromisso.
Íntegra da nota da Assembleia Legislativa
A Assembleia Legislativa do Estado do Tocantins (Aleto) informa que prestou nesta quarta-feira, 3, colaboração total e irrestrita ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e à Polícia Federal (PF), no cumprimento integral das determinações contidas em dez mandados de busca e apreensão, com a devida disponibilização de todos os equipamentos, documentos e informações solicitados.
Informa ainda que a Procuradoria Geral da Casa não teve acesso aos autos, portanto, desconhece-se o que motivou a expedição dos referidos mandados. Além disso, a Aleto não foi intimada de nenhuma decisão judicial relacionada ao caso, que ainda está em curso.
Os mandados de busca e apreensão aos quais a Aleto teve acesso foram direcionados aos gabinetes parlamentares dos deputados Amélio Cayres, Claudia Lelis, Cleiton Cardoso, Ivory de Lira, Jorge Frederico, Léo Barbosa, Nilton Franco, Olyntho Neto, Valdemar Júnior e Vilmar de Oliveira.
Íntegra da nota de Mauro Carlesse
A defesa do ex-governador Mauro Carlesse lamenta os recentes acontecimentos envolvendo o Estado do Tocantins e esclarece que, durante todo o período em que Mauro Carlesse exerceu o mandato, inexistiu qualquer ato ou decisão de sua responsabilidade relacionado aos fatos apurados.
Ressalta, ainda, que o ex-governador não figura como investigado, réu ou alvo de quaisquer medidas decorrentes da operação, não havendo, portanto, qualquer imputação contra sua pessoa.
Por fim, a defesa reafirma sua confiança nas instituições e no pleno esclarecimento dos fatos, convicta de que a apuração confirmará a total ausência de envolvimento de Mauro Carlesse com os acontecimentos sob investigação.
Fonte: g1 Tocantins