Como tudo começou
O Jornal Nacional teve acesso, com exclusividade, a registros da portaria do Condomínio Vivendas da Barra, onde mora o principal suspeito de matar a vereadora Marielle Franco e o motorista Anderson Gomes, Ronnie Lessa – é o mesmo condomínio onde o presidente Jair Bolsonaro tem casa.
O porteiro contou à polícia que, horas antes do assassinato, em 14 de março de 2018, o outro suspeito do crime, Élcio de Queiroz, entrou no condomínio e disse que iria para a casa do então deputado Jair Bolsonaro, mas os registros de presença da Câmara dos Deputados mostram que Bolsonaro estava em Brasília no dia.
Reação do presidente
Na madrugada desta quarta-feira (30) na Arábia Saudita, onde está em visita oficial, o presidente Jair Bolsonaro reagiu às revelações do Jornal Nacional desta terça. Leia e veja a íntegra da reportagem.
“Fui surpreendido agora há pouco de uma matéria do Jornal Nacional sobre o depoimento de um porteiro de que, no dia 14 de março do ano passado, às 17h10, um dos suspeitos de ter executado a Marielle teria se apresentado na portaria, ligado pra minha casa, no caso o porteiro ter ligado pra minha casa, e o porteiro reconheceu como voz sendo a voz minha nessa quarta-feira, 18 de outubro, às 17h10, e autorizou então a entrada do mesmo no condomínio. Detalhe, quarta-feira, geralmente um parlamentar ele está em Brasília, 17h10. Eu tenho registrado no painel eletrônico da Câmara presença 17h41, ou seja, 31 minutos depois da entrada desse cidadão no condomínio. E tenho também às 19h36. E tenho também registrado no dia anterior e no dia posterior as minhas digitais no painel de votação.”
“Conclusão que se tira disso aí: esse processo está em segredo de Justiça. Como chega na Globo? Quem vazou para a Globo? Segundo a Veja, está publicado aqui, quem vazou esse processo pra Globo foi o senhor governador [Wilson] Witzel. O senhor governador Witzel que se explique agora como é que ele vazou esse processo. O quê que cheira isso daqui?”
“Eu não quero bater o martelo. O que que parece? Que ou o porteiro mentiu ou induziram o porteiro a conduzir um falso testemunho ou escreveram algo no inquérito que o porteiro não leu e assinou embaixo em confiança ao delegado ou aquele que foi ouvir na portaria.”
“Bem, a Globo diz que as minhas digitais estavam aqui de Brasília. Ela não nega isso daí. Mas sempre fica a suspeita na outra ponta da linha.”
Witzel nega
Depois dessas declarações, o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, reagiu. Em nota, afirmou: “Lamento profundamente a manifestação intempestiva do presidente Jair Bolsonaro. Ressalto que jamais houve qualquer tipo de interferência política nas investigações conduzidas pelo Ministério Público e a cargo da Polícia Civil. Em meu governo, as instituições funcionam plenamente e o respeito à lei rege todas nossas ações. Não transitamos no terreno da ilegalidade, não compactuo com vazamentos à imprensa. Não farei como fizeram comigo, prejulgar e condenar sem provas. Hoje, fui atacado injustamente. Ainda assim, defenderei, como fiz durante os anos em que exerci a Magistratura, o equilíbrio e o bom senso nas relações pessoais e institucionais. Fui eleito sob a bandeira da ética, da moralidade e do combate à corrupção. E deste caminho não me afastarei”.
Globo se manifesta por notas
Em relação às ofensas que o presidente Jair Bolsonaro dirigiu à Globo, a emissora divulgou a seguinte nota:
“A Globo não fez patifaria nem canalhice. Fez, como sempre, jornalismo com seriedade e responsabilidade. Revelou a existência do depoimento do porteiro e das afirmações que ele fez. Mas ressaltou, com ênfase e por apuração própria, que as informações do porteiro se chocavam com um fato: a presença do então deputado Jair Bolsonaro em Brasília, naquele dia, com dois registros na lista de presença em votações.
O depoimento do porteiro, com ou sem contradição, é importante, porque diz respeito a um fato que ocorreu com um dos principais acusados, no dia do crime. Além disso, a mera citação do nome do presidente leva o Supremo Tribunal Federal a analisar a situação.
A Globo lamenta que o presidente revele não conhecer a missão do jornalismo de qualidade e use termos injustos para insultar aqueles que não fazem outra coisa senão informar com precisão o público brasileiro. Sobre a afirmação de que, em 2022, não perseguirá a Globo, mas só renovará a sua concessão se o processo estiver, nas palavras dele, enxuto, a Globo afirma que não poderia esperar dele outra atitude. Há 54 anos, a emissora jamais deixou de cumprir as suas obrigações.”
Carlos Bolsonaro contesta versão do porteiro
O vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ) divulgou em suas redes sociais, na manhã desta quarta-feira (30), imagem e áudio que, segundo ele, foram tirados do sistema que grava as ligações feitas da portaria do Condomínio Vivendas da Barra. É lá que mora Ronnie Lessa, principal suspeito de matar a vereadora Marielle Franco e o motorista Anderson Gomes. O presidente Jair Bolsonaro (PSL), pai de Carlos, tem uma casa no local.
Carlos mostrou o material para contestar as informações fornecidas à polícia pelo porteiro do condomínio e o registro manual de entrada de visitantes, já analisado pelos investigadores.
Reações políticas
O procurador-geral da República, Augusto Aras, afirmou nesta quarta-feira (30) que o Supremo Tribunal Federal (STF) e a Procuradoria-geral da República (PGR) arquivaram uma notícia de fato, enviada à Corte pelo Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ), que informava a menção do nome do presidente Jair Bolsonaro (PSL) na investigação do assassinato da vereadora Marielle Franco e de Anderson Gomes.
A Rede Sustentabilidade vai pedir proteção para o porteiro responsável pelo depoimento que associa o presidente Jair Bolsonaro à investigação sobre a morte de Marielle Franco. O pedido, que será entregue ao governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, diz que o porteiro vem sofrendo “coação moral” por parte do governo federal desde que o seu depoimento foi tornado público – algo que, de acordo com o partido, permite sua inclusão no programa de proteção de testemunhas, que oferece proteção policial, mudança de endereço e às vezes até mudança de nome.
Oposição
Deputados da oposição afirmaram nesta quarta-feira (30) que vão apresentar um pedido de convocação ao ministro da Justiça, Sergio Moro, para que ele preste esclarecimentos sobre a solicitação que fez à Procuradoria-geral da República (PGR), no caso da menção do nome do presidente Jair Bolsonaro (PSL) na investigação que apura o assassinato da vereadora Marielle Franco.
A informação foi dada pelo senador Humberto Costa (PT-PE), em coletiva de imprensa nesta quarta-feira (30). Ele afirmou que os parlamentares da oposição entendem que houve um “equívoco” na atuação do ministro.