Veja o que a ciência diz sobre teste da Covid pelo ânus, que começou na China
Enfermeiro passa por teste RT-PCR, para detectar a presença do coronavírus, em hospital de Arles, no sul da França, em foto de 28 de outubro — Foto: Daniel Cole/AP
Enfermeiro passa por teste RT-PCR, para detectar a presença do coronavírus, em hospital de Arles, no sul da França, em […]
Enfermeiro passa por teste RT-PCR, para detectar a presença do coronavírus, em hospital de Arles, no sul da França, em foto de 28 de outubro — Foto: Daniel Cole/AP
Uma notícia inusitada vinda da China chamou a atenção nos últimos dias: autoridades locais anunciaram que iriam começar a usar o swab anal para diagnosticar a Covid-19.
Em resumo, o método consiste em introduzir no ânus uma haste flexível para colher amostras de material orgânico, que depois serão analisados em laboratório para detectar (ou não) a presença do coronavírus.
Atualmente, o padrão é fazer o swab nasal, em que a haste é colocada no nariz e na boca para coletar amostras lá do fundo da garganta.
De acordo com especialistas chineses, o novo exame teria uma precisão maior, traria resultados mais confiáveis e seria particularmente útil em algumas situações especiais.
Mas o que a ciência diz sobre o assunto? E como os testes que diagnosticam a Covid-19 evoluíram nos últimos meses?
Via alternativa
A ideia de fazer testes laboratoriais pelo ânus não é particularmente nova.
Exames de fezes e colonoscopia, por exemplo, são métodos valiosíssimos para o diagnóstico de uma série de doenças — de infecções gastrointestinais ao câncer colorretal.
Até mesmo no contexto da Covid-19 o assunto não é uma novidade absoluta.
“Já sabemos há algum tempo que o intestino poderia funcionar como um santuário do coronavírus, como acontece com outras doenças virais. Ele poderia escapar do nariz e dos pulmões, ficaria em algumas regiões do sistema digestório e seria eliminado pelas fezes”, raciocina o infectologista Celso Granato, diretor clínico do Grupo Fleury.
Ainda nos primeiros meses de pandemia, os médicos notaram que a doença não se limitava aos sintomas respiratórios e muitos pacientes apresentavam incômodos gastrointestinais, como cólicas e diarreia.
Portanto, do ponto de vista das características da enfermidade, pensar num swab anal não é tão estranho assim — apesar de não existir nenhuma evidência contundente até o momento mostrando que ele seria superior ou traria resultados melhores do que a análise feita pelo nariz e pela garganta.
Barreiras naturais
Se os testes pelo ânus são aprovados na análise técnica, eles emperram em questões como comodidade, praticidade e conveniência.
“Há uma série de restrições de natureza cultural, de foro íntimo. Um exame desses envolve expor a própria genitália e a região anal, que são bastante sensíveis”, aponta o infectologista e epidemiologista Fernando Bellissimo Rodrigues, professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP).
Na própria China, o swab anal será usado por enquanto em situações muito específicas.
Segundo uma reportagem da Forbes, testes desse tipo estão sendo aplicados em passageiros que desembarcam no aeroporto de Pequim e em alguns centros de quarentena.
Há notícias de que um grupo de mil crianças e professores também precisaram fazer o exame depois que foram expostos ao coronavírus.
Especialistas ouvidos pela BBC News Brasil apontam que o método também poderia ser válido em pacientes com diarreia como sintoma principal ou em pessoas que apresentam alguma dificuldade para a coleta pelo nariz e pela garganta.
Mas essa não é a única novidade no mundo do diagnóstico da Covid-19: nos últimos meses, o conhecimento e a tecnologia avançaram bastante e hoje trazem uma série de opções diferentes que facilitam a vida de pacientes e profissionais da saúde.
Escrito nas moléculas
De forma geral, os exames para Covid-19 são divididos em dois grandes grupos: os testes virais e os de anticorpos.
O primeiro detecta o agente infeccioso (ou pedacinhos dele) e permite saber se a pessoa está com a doença “ativa” em seu organismo.
Já os testes de anticorpos medem a resposta do sistema imunológico e indicam se o indivíduo já teve a doença no passado — falaremos sobre eles em detalhes mais adiante.
De acordo com as principais diretrizes nacionais e internacionais, o método principal para diagnóstico do coronavírus continua a ser aquele conhecido pela sigla RT-PCR.
A coleta acontece por meio do swab nasal, em que a haste flexível raspa o fundo da garganta para colher o material que será analisado no laboratório.
“Sabemos que essa região costuma ter a maior concentração de vírus em infecções respiratórias e é relativamente fácil de acessar pelo nariz e pela boca”, explica o virologista José Eduardo Levi, da rede de laboratórios Dasa.
O RT-PCR é o exame que possui atualmente a melhor sensibilidade entre as opções disponíveis.
Isso significa que ele é capaz de identificar, entre as pessoas com suspeita de estarem infectadas, aquelas que realmente estão doentes.
Na prática, o método deixa “escapar” poucos casos de Covid-19, o que dá uma grande confiança em seus resultados.
Mas, apesar da alta confiabilidade, essa opção apresenta algumas desvantagens.
A primeira delas é a demora para obter os resultados.
O RT-PCR também requer equipamentos, reagentes e profissionais especializados, o que torna todo o processo mais custoso.
Por fim, não dá pra ignorar o fato de a coleta ser incômoda — quem já precisou fazer sabe que o swab nasal não é nada agradável.
Mulher é submetida a coleta de material para teste de Covid-19 em Bogotá, na Colômbia, na quarta-feira (27) — Foto: Fernando Vergara/AP
Evoluções científicas
Foi pra resolver alguns desses pontos fracos do RT-PCR que outros três tipos de exames surgiram e já estão disponíveis em alguns laboratórios.
Eles também avaliam a presença do vírus no organismo e podem ajudar a fazer o diagnóstico da Covid-19.
Uma opção relativamente recente é o exame de saliva. Em vez de cutucar o fundo do nariz com uma haste flexível, a premissa aqui é cuspir num recipiente e esse material é analisado.
“Isso representa um avanço, particularmente para aquelas pessoas que necessitam repetir os testes com regularidade”, destaca Granato, que também é professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Depois de colhida, a saliva também passa pelo laboratório onde acontece aquele processo de busca por pedacinhos genéticos do coronavírus pela mesma tecnologia do RT-PCR.
Outra inovação dos últimos meses é o teste LAMP, disponível em locais como farmácias, estações móveis e centros de diagnóstico.
Ele também é feito por swab nasal e vasculha a presença de pistas genéticas do vírus.
A diferença está no custo: como exige equipamentos menos rebuscados e possui menos etapas, essa metodologia é mais barata.
Por fim, a última novidade é o teste de antígeno, que também carece da coleta de material no fundo da garganta.
“Em vez de detectar o material genético, essa tecnologia vai procurar outros pedacinhos da estrutura do vírus”, diz Levi, que também é pesquisador do Instituto de Medicina Tropical da USP.
Mais uma vez, o ganho aqui está no preço mais baixo e na rapidez em obter um laudo positivo ou negativo.
Apesar de todas as facilidades, esse trio de exames não supera o RT-PCR naquilo que é mais essencial: a sensibilidade.
Em outras palavras, os testes de saliva, de antígeno e o LAMP são validados cientificamente e podem sim ser úteis numa série de situações.
Mas eles deixam escapar com mais frequência alguns resultados positivos de Covid-19, o que pode fazer indivíduos infectados acharem que estão livres da doença.
Quando fazer o teste de Covid-19?
O Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC) destaca quatro situações em que é necessário passar por um exame desses:
Pessoas com sintomas de Covid-19 (febre, tosse, cansaço, dor, diarreia, perda de olfato e paladar…);
Indivíduos que tiveram contato próximo (menos de 1,5 metro por mais de 15 minutos) com pessoas com Covid-19 confirmada;
Quem esteve envolvido em atividades que aumentam o risco de uma infecção pelo coronavírus e não podem fazer isolamento preventivo (como em situações de viagens, aglomerações ou longos períodos em ambientes fechados com outras pessoas);
Quem é selecionado para estudos ou programas de testagem realizados por seguros de saúde, governos e institutos de pesquisa. Uma recomendação que existia até uns tempos atrás era a de esperar pelo menos três dias de sintomas antes de fazer a coleta do material para análise — mas isso caiu por terra recentemente.
“Quando a pessoa procura um serviço de saúde com sinais sugestivos, ela deve ser submetida ao exame imediatamente. Não faz sentido algum pedir para que ela volte dali a alguns dias”, indica Rodrigues.
“Um retorno posterior só significaria dupla carga de trabalho das unidades assistenciais e um maior risco de contágio para o próprio paciente, se ele não estiver com Covid-19, ou para todo mundo ao redor, se ele está realmente infectado”, completa o especialista.
Se ficar em dúvida de quando fazer o teste e qual dos tipos é o melhor para você, o ideal é buscar a orientação de um profissional de saúde, que poderá fazer uma avaliação e analisar os prós e contras antes de dar uma recomendação personalizada.
Quando NÃO fazer o teste de Covid-19?
Os exames utilizados atualmente para o diagnóstico da doença não foram desenvolvidos para grandes rastreamentos populacionais, em que milhares de pessoas são testadas — mesmo aquelas que não se encaixam nos quatro critérios descritos acima.
O grande risco dessa estratégia é sofrer com uma alta taxa de resultados falso negativos, em que as pessoas estão infectadas com o vírus, mas ele não é detectado na análise laboratorial.
Hoje em dia, sabe-se que entre 40 e 50% das pessoas que pegam Covid-19 não apresentam sintoma algum.
Se elas não tomarem os cuidados básicos (uso de máscaras, lavagem de mãos, distanciamento físico…), podem transmitir o vírus para outros e criar novas cadeias de transmissão.
Portanto, um resultado falso negativo pode reforçar uma falsa sensação de segurança, quando todo mundo deve seguir as recomendações para evitar uma proliferação ainda maior da pandemia.
Os especialistas também contra-indicam a realização dos testes como um salvo-conduto para se aglomerar em festas e outros eventos sociais.
“O resultado do exame é sempre um retrato até aquele momento. Nada garante que você se infecte alguns minutos ou dias depois”, reforça Levi.
O passado te condena?
Como comentamos no início da reportagem, os testes sorológicos (ou de anticorpos) são um segundo tipo disponível desde o primeiro semestre de 2020, quando a pandemia se alastrou para todos os continentes.
Realizados por meio de uma coleta de sangue, eles quantificam a produção de anticorpos conhecidos como IgA, IgG e IgM contra uma infecção pelo coronavírus.
Os anticorpos são substâncias produzidas pelo nosso sistema imunológico, que ajudam a neutralizar uma segunda invasão viral.
O problema é que essa reação de defesa do organismo demora um pouquinho para acontecer. Portanto, os testes sorológicos só dão um resultado válido dez dias ou mais após o início dos sintomas.
Eles não servem, então, para diagnosticar a doença ativa e tomar as medidas contra a Covid-19, como uma quarentena ou um tratamento para os casos mais graves.
“Por essas razões, a utilidade desses testes é um pouco mais restrita. Eles podem ser valiosos, por exemplo, em inquéritos populacionais e estudos epidemiológicos que vão medir a porcentagem da população que já foi exposta ao vírus”, conta Rodrigues.
Deturpação do uso
Apesar de indicarem quem já teve Covid-19, um resultado positivo no exame sorológico não é passaporte para voltar à “vida normal”.
Em primeiro lugar, a ciência ainda não sabe quanto tempo dura a imunidade após um primeiro episódio da doença.
Apesar de todos os avanços, a metodologia dos anticorpos também não é 100% à prova de falhas e pode dar resultados “errados”.
Por fim, a detecção de novas variantes no Reino Unido, na África do Sul e em Manaus abre uma possibilidade de quadros de reinfecção que não podem ser ignorada.
As recomendações de distanciamento físico, uso de máscaras, lavagem de mãos e preferência por locais arejados e ventilados continuam essenciais para todo mundo.
Avanços e descobertas
Os exames de anticorpos também evoluíram bastante de uns tempos para cá.
“Uma coisa importante que aprendemos com a experiência é que não basta fazer um teste só, porque nenhum deles é capaz de identificar toda a gama de respostas imunológicas que o ser humano apresenta. É importante que as amostras passem por dois métodos diferentes para um resultado melhor”, informa Granato.
Um passo relevante nessa área é a chegada de métodos que avaliam os anticorpos neutralizantes.
“Eles nos certificam que o indivíduo tem anticorpos e que eles são realmente capazes de proteger contra o vírus”, explica Levi.
As opções disponíveis até então avaliam substâncias com o IgA, o IgG e o IgM, mas elas dão menos certeza sobre a efetividade da resposta imune diante de uma nova infecção quando comparadas aos tais anticorpos neutralizantes.
Outra novidade que deve chegar nos próximos meses são os testes que avaliam a reação das células do sistema imunológico após um quadro de Covid-19.
“Essa tecnologia analisa os glóbulos brancos, que em laboratório são estimulados com pedaços do coronavírus. Se essas células reagem, significa que há uma resposta imunológica mais completa”, projeta Levi.
Acesso no Brasil
Os especialistas entrevistados para essa reportagem sinalizam que a disponibilidade dos testes de Covid-19 no país melhorou significativamente.
“No início, havia uma grande limitação, porque os insumos necessários nem chegavam até aqui”, lembra Granato.
Mas ainda há problemas na compra de substâncias essenciais para a realização do RT-PCR, por exemplo.
“Nós perdemos a oportunidade lá atrás de criar uma política de usar os testes para rastrear os primeiros casos positivos e isolá-los. Isso nunca foi feito de forma organizada no país”, lamenta Levi.
No início da pandemia, programas desse tipo foram implementados com enorme sucesso em países como Nova Zelândia e Coreia do Sul.
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