Uma crônica Krahô de Marco Aurélio Jacob

Nos campos verdejantes do Cerrado brasileiro, onde a natureza se desdobra em cenários exuberantes, nos rincões da Kraholândia, terra indígena do povo Krahô, entre Itacajá e Goiatins, no centro-norte do Tocantins, tive a oportunidade de vivenciar uma experiência única e emocionante: a captura de sete bichos-de-pé.

Essas pequenas criaturas, também conhecidas como Tunga penetrans, nome científico desta espécie de pulga que tem origem nas Américas, mas foi levado para outros países por exploradores e viajantes tal qual o naturalista Francês Saint-Hilaire, estou me sentindo um grande explorador…

Em algumas regiões, estas espécies habitam as areias, em outras, áreas lamacentas, córregos e rios, e desperta a curiosidade de todos que têm a chance de encontrá-los.

Tudo começou em uma manhã ensolarada, quando decidi me aventurar pelas margens do rio da Aldeia Manuel Alves. O rio era o ponto de banho dos visitantes e da própria comunidade Krahô. Com o sol escaldante do Tocantins, mergulhei na água cristalina em busca desses animais misteriosos. A cada movimento, a correnteza me levava a um novo ponto, onde a expectativa de avistar um bicho-de-pé crescia dentro de mim.

Os primeiros minutos foram repletos de tentativas frustradas. Os bichos-de-pé, ágeis e esquivos, pareciam escapar habilmente dos meus pés, deixando-me com os pés vazios e uma sensação de desafio. No entanto, a perseverança e a determinação me impulsionaram a continuar.

Após algumas tentativas, finalmente consegui capturar meu primeiro bicho-de-pé. A sensação de tê-lo em meus pés foi indescritível. Sua pele áspera e textura única pareciam transportar-me para um mundo submarino repleto de coceira e mistério. Era como se eu tivesse mergulhado em um ecossistema desconhecido e fascinante.

Com o passar do tempo, a técnica de captura foi se aprimorando e minha habilidade em localizar os bichos-de-pé aumentava. A cada nova captura, minha admiração por essas criaturas crescia. Seu corpo pequeno, mas expressivo, pareciam penetrar meus dedos e meus pés e me despertavam curiosidade e um certo ar de desafio. Era como se eles estivessem me testando, provocando-me a continuar minha busca.

À medida que os dias avançavam, a coleção de bichos-de-pé aumentava. Cada captura era comemorada como uma pequena vitória pessoal, uma conquista que compartilhava comigo mesmo e com a natureza ao meu redor. A energia daquele lugar, permeada pelos sons dos pássaros e pelo frescor da água, era um lembrete constante do quão privilegiado eu era por fazer parte daquele momento.

No total, peguei seis bichos-de-pé, o sétimo era uma ferpa, mas deu o mesmo trabalho pra tirar, e a impressão de ser marcou o número de 7. Cada um deles era único, com suas próprias cores e padrões. Olhando para os meus pés, senti-me grato por ter tido a chance de entrar em contato tão próximo com a vida aquática e por ter experimentado uma pequena fatia da biodiversidade do nosso planeta.

Para libertar os bichos-de-pé contei com a ajuda e as mãos hábeis da filha de meu “tio” Cuxý (padrinho de nomeação, aguardem o texto da minha nomeação Krahô), senti uma mistura de felicidade e melancolia. Embora eu os tivesse capturado por um breve momento, sabia que aquele era o lugar deles, seu habitat natural. Eles deslizavam graciosamente em uma agulha de Pau Brasil, empunhada habilmente pela minha nova prima Krahô, que retirou logo dois deles dos meus pés, quando os olhei, ainda intactos, fiquei emocionado, como se quisesse dizer obrigado pelo encontro fugaz.

A experiência de pegar sete seis bichos-de-pé deixou uma marca profunda em mim. Aprendi que a natureza é cheia de maravilhas e surpresas, pronta para ser explorada e apreciada. E, acima de tudo, aprendi a importância de respeitar e preservar os habitats naturais dessas criaturas, garantindo que as gerações futuras também possam vivenciar momentos de admiração e conexão com o mundo natural.

E para os leitores atentos, principalmente para aqueles que fazem contas, onde foram parar os outros cinco quatro bichos-de-pé. Bem, estes eu trouxe pra casa mesmo. Ainda eram muito pequenos quando voltei da aldeia, só fui sentir mesmo em casa, mas ai já não tinha as mãos habilidosas da minha parente Krahô e tive que pegar meu kit sobrevivência, com meu bisturi e a pinça e eu mesmo “retalhei” os meus pés, incrível que com a minha prima, não saia uma gota de sangue. E comigo, já foi diferente.

Mas essa experiência única me fez lembrar das histórias de minha mãe, que adorava pegar um bicho-de-pé e ter aquela coceirinha para passar o tempo… rsrsrs. Disse que adora “criar” estes notáveis bichinhos.

E você, já teve a oportunidade de levar alguns destes exemplares para casa?

Marco Aurélio Jacob é sócio fundador da Gazeta do Cerrado, publicitário, documentarista e expedicionário amante da natureza e dos povos indígenas, esta epopeia em terras indígenas, esteve acompanhando a festa de fim de luto do ancião e grande liderança indígena Getúlio Krahô, e pode ter esta vivencia com as pequenas criaturas da natureza exuberante brasileira.