Por Guilherme Tiezzi
Mariazinha é uma das 254 meninas, com idade entre 10 e 14 anos, moradora da cidade Tocantinense de Caseara. Filha da Jo e do Fabinho, uma jovem de 11 anos, estudava até o ano passado em uma escola rural localizada no PA ( Projeto de Assentamento ) Araguaia, um dos 9 assentamentos do Incra na cidade localizada às margens dos rios do Coco e Araguaia. A escola Adelina, que fica a 40 km da cidade e conta hoje com 3 educadoras e 15 alunos, está correndo o risco de ser fechada. Caso se confirme o fechamento da escola, Caseara, uma cidade essencialmente rural, não terá mais nenhuma escola do campo e os 15 alunos passarão a fazer parte de um grupo de mais de 300 jovens que passam em média 3 horas por dia dentro de ônibus escolares, que fazem diariamente o transporte das crianças dos assentamentos para as escolas da cidade.
Segundo o IBGE, Caseara apresenta uma estrutura demográfica caracterizada por ter uma população jovem, sendo 38,37% de seus habitantes crianças e jovens de até 19 anos. São 254 meninas e 251 meninos, entre 10 e 14 anos de idade, faixa onde se encontra a Mariazinha e o Weslley. O Weslley, filho de funcionários de uma fazenda localizada a 20 km da cidade, chega na sua casa, na roça, depois das 7 da noite, após quase 4 horas de viagem, entre ida e volta, para a escola da cidade todos os dias.
Uma curiosidade em relação à população jovem é que as meninas estão indo embora da cidade. De acordo com o Censo do IBGE de 2022, são 179 mulheres e 234 homens, de 15 a 19 anos, os residentes com essas idades em Caseara. Há ainda uma representatividade feminina de 43% contra 50,3% na faixa entre 10 e 14 anos. Por quê?
CASEARA
Caseara é o 8º município mais populoso da pequena região de Paraíso do Tocantins, localizado a 256 km da capital, Palmas-TO, na Região Norte do Brasil. A população é de 4.847 habitantes, segundo CENSO IBGE 2022. Com área territorial de aproximadamente 1.680,014 km² quilômetros quadrados, é dividida entre áreas urbanas e rurais, e está caracterizada por uma baixa densidade populacional. Praticamente metade da população vive no campo, nos assentamentos e fazendas do município.
A cidade enfrenta desafios relacionados aos níveis de pobreza. Considerando domicílios com rendimentos mensais de até meio salário mínimo por pessoa, tem 44,8% da população nessas condições, o que a coloca na posição 73 de 139, dentre as cidades do estado; e na posição 2167 de 5570, em meio das demais cidades do Brasil. Em 2021, o salário médio mensal era de 2 salários mínimos. A proporção de pessoas ocupadas em relação à população total era de 13,6%. Falta trabalho? Tem desemprego?
Segundo o portal “Caravela Dados e Estatística”, o município possui 850 empregos com carteira assinada, a ocupação predominante destes trabalhadores é a de tratorista agrícola (75), seguida de trabalhador agropecuário em geral (70), e de trabalhador de pecuária polivalente (67). A remuneração média dos trabalhadores formais do município é de R$ 2,2 mil, valor abaixo da média do estado, que é de R$ 3,2 mil.
Do total de trabalhadores, as três atividades que mais empregam são: cultivo de soja (283), administração pública em geral (183) e seleção e agenciamento de mão de obra (89). Dentre os setores característicos da cidade, também se destacam as atividades de cultivo de soja e transporte por navegação de travessia intermunicipal.
Se por um lado Caseara tem índice de pobreza elevado, quando considerada a renda familiar de seus moradores e trabalhadores, por outro lado a cidade destaca-se por ter o quarto maior PIB per capita do estado, sendo a cidade mais rica do Vale do Araguaia, quando analisado sob a perspectiva do produto interno bruto. Apresenta PIB per capita de R$ 82,5 mil, valor superior à média do estado (R$ 27,4 mil), da grande região de Palmas (R$ 33,2 mil) e da pequena região de Paraíso do Tocantins (R$ 36,4 mil). Caseara está entre as 170 cidades com maior índice nesse sentido, dentre as 5.570 cidades do Brasil.
O PIB da cidade é de cerca de R$ 448,9 milhões de reais, sendo que 74,3% do valor adicionado advém da agropecuária, na sequência aparecem as participações dos serviços (14,2%), da administração pública (9,3%) e da indústria (2,2%).
No ponto de vista educacional, Caseara tem um excelente índice de 98,7% de escolarização, indicando que praticamente todas as crianças da cidade vão para a escola, o que a coloca na posição 17 de 139 dentre as cidades do estado; e na posição 982 de 5570, dentre as cidades do Brasil e a primeira no Vale do Araguaia na Taxa de Escolarização de 6 a 14 anos, aproximadamente 1.000 crianças, incluindo a Mariazinha e o Weslley, estudando nas escolas da cidade, havendo 15 das crianças ainda estudando próximo de suas residências, na escola de campo Adelina do PA Araguaia.
Não só nos aspectos econômicos Caseara apresenta contrastes e grande contradição, sendo ao mesmo tempo a cidade mais rica do Vale do Araguaia, com seu alto PIB per capita e, ainda assim uma cidade pobre, com 44,8% da sua população com rendimento nominal per capita de até meio salário mínimo por mês, também nos aspectos Educacionais encontramos contrastes e grande contradição quando comparados a Taxa de Escolarização com o Ideb.
IDEB – Ministério da Educação
O Ministério da Educação apresenta o Ideb como o
“Índice de Desenvolvimento da Educação Básica, criado em 2007, pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), formulado para medir a qualidade do aprendizado nacional e estabelecer metas para a melhoria do ensino”.
A pasta explica ainda que o funcionamento do Ideb é no sentido de ser
“Um indicador nacional que possibilita o monitoramento da qualidade da Educação pela população por meio de dados concretos, com o qual a sociedade pode se mobilizar em busca de melhorias. Para tanto, o Ideb é calculado a partir de dois componentes: a taxa de rendimento escolar (aprovação) e as médias de desempenho nos exames aplicados pelo Inep. Os índices de aprovação são obtidos a partir do Censo Escolar, realizado anualmente”.
Caseara apresenta um índice Ideb de 4,2 para anos finais do ensino fundamental, o que a coloca na posição 77 de 139, dentre as cidades do estado e na posição 4.001 de 5.570, dentre as cidades do Brasil, concluindo que, em Caseara as crianças estão matriculadas nas escolas, mas aprendem muito abaixo do que poderiam aprender. Mariazinha e Weslley, ambos com 11 anos, ainda apresentam dificuldades para leitura e escrita básicas e fazer contas elementares.
Mariazinha adora peixes, fazer passeios de rio e acompanhar as trilhas na floresta com turistas que visitam as belezas do Rio Araguaia, Rio do [retire] do Coco e do Parque Estadual do Cantão. Ela gostaria de ser guia de turismo e trabalhar estudos de peixes, animais silvestres e conhecer muitas árvores. O Weslley já é um jovem apaixonado pelas cavalgadas, adora cuidar do gado e pescar. Além disso, os dois gostam de ajudar seus pais a cuidarem das galinhas, porcos e no cultivo da horta.
As escolas do campo, que foram criadas na década de 90 nos assentamentos de Caseara, tinham o objetivo de endereçar uma demanda educacional para a família campesina, fortalecendo a autonomia das famílias agrícolas e criando possibilidades para a permanência dos jovens do campo, na roça, com uma vida digna. Com o avanço do modelo da agricultura industrial, em especial a monocultura da soja, aliados a outros velhos problemas e desafios enfrentados pela agricultura familiar, com a crescente escassez de água, pouco crédito, falta de assistência técnica e dificuldades de acesso a mercado, a vida do campo está cada vez mais comprometida. Jovens como Mariazinha e Weslley acompanham a crescente dificuldade e grandes esforços de seus pais na busca pela permanência no campo com autonomia e segurança.
Com o fechamento das escolas do campo em Caseara, praticamente não há alternativas para uma educação local destinada às reais necessidades educacionais do jovem campesino. Este, sem opção, passa a frequentar a escola da cidade, distanciando-se do convívio e cuidado familiar, de seus sonhos e de sua propriedade, praticamente direcionando seu futuro para um mercado de trabalho nas cidades ou nas grandes fazendas da região. Por outro lado, o negócio familiar, a roça e propriedade da família, vê seu futuro comprometido, sem sucessão e envelhecendo. Será o caminho de Caseara, um caminho sem agricultura familiar? Sem escola do campo? Sem produção de alimentos agroecológicos locais?
Uma alternativa encontrada foi através da Escola Família Agrícola de Porto Nacional ( EFAPN ) que, apesar de estar a mais de 4 horas de ônibus de Caseara, hoje acolhe mais de 40 jovens alunos através de sua pedagogia da alternância.
A Pedagogia da Alternância, modelo adotado pela EFAPN, baseia-se em um método “fazer para compreender”, ou seja, primeiro praticar, para depois teorizar sobre a prática, tendo por base o tripé “ação – reflexão – ação” ou “prática – teoria – prática”. Para potencializar essa práxis, na escola existem diversos espaços, cuidados pelos estudantes com acompanhamento dos professores de cada área, que permitem a realização de aulas práticas, como: unidade de Sistemas Agroflorestal; horta mandala integrada com peixe; unidade de pastagem, forragem; criação de animais como bovinos, suínos, aves e minhocas; unidades de processamento de carne e leite e outras estruturas que favorecem a integração do estudante com a teoria e prática.
O grupo de alunos da EFAPN é formado por jovens camponeses, filhos e filhas de agricultores familiares, são estudantes na faixa etária de 10 a 40 anos de idade, de ambos os sexos, tendo em sua maioria sexo masculino (75%). Os estudantes são oriundos de 27 municípios, provenientes de famílias que foram assentadas em programas de reforma agrária, reassentadas, empregadas rurais, meeiras, quilombolas, donas de pequenas propriedades familiares, servidores públicos e outros profissionais que vivem no campo, em terras pequenas (em média 48 hectares), e que trabalham essencialmente com agricultura e pecuária de subsistência na produção de arroz, milho, mandioca, feijão, pequenas criações de bovinos, suínos, aves e outros para a sua alimentação.
CENSO AGROPECUARIO
Segundo os dados do Censo Agropecuário de 2017, o Brasil possui 5.073.324 estabelecimentos agropecuários, sendo que, destes, apenas 1,98% (100.354) estão ocupados por jovens de até 24 anos de idade, enquanto no Estado do Tocantins os números apresentam 63.808 propriedades, e, destas, 1,31% (837) são ocupados por jovens de até 24 anos.
Dentre os dados que mais chamam atenção, um diz respeito ao fato de que os jovens de 25 a 30 anos de idade que estão no campo representam apenas 9,48% da população que vive no campo, o que revela uma queda de mais de 4% nos últimos dez anos. Outro grupo que encolheu foi aquele com idade entre 34 a 45 anos, que no Censo anterior era 21,99%, e que no Censo Agropecuário de 2017 reduziu para 18,29%. A faixa etária que mais predomina no campo é a de pessoas com mais de 65 anos de idade, chegando a 21,4% dos moradores, sendo que em 2006 estes eram 17,52%.
Estes dados apresentados são preocupantes por demonstrar o esvaziamento e envelhecimento do campo, tendo como alegações desta triste estatística: a descapitalização de propriedades rurais, falta de educação formal, dificuldade para acessar as tecnologias de comunicação e informação, deficiência na gestão econômica administrativa da propriedade rural, a falta de perspectivas e condições de vida no campo e de qualificação profissional, o que justifica realizar uma análise mais profunda dos desafios encontrados pelos jovens campesinos, como também pensar na criação de políticas públicas que contemplem a juventude rural, pois, analisando os dados de permanência do jovem, percebemos que o êxodo rural volta a assolar o campo.
Analisando os dados obtidos na Secretaria da EFAPN, referentes ao ano de 2020, verifica-se que foram matriculados 32 estudantes nos cursos ofertados, os quais têm sua origem no município de Caseara-TO, distante cerca de 300km da Escola, e que fizeram essa opção devido ao fato daquele município não dispor de uma escola que atenda às necessidades daquele público, ou seja, com currículo específico para a Educação do Campo.
Nesse sentido, reforça-se a necessidade em ofertar uma educação que seja propulsora da emancipação do jovem, a partir de um processo educacional que busca aliar os potenciais locais aos vocacionais de seus povos. A continuidade dos trabalhos da EFAPN está intimamente relacionada com a necessidade das famílias camponesas em se auto organizarem e serem eficientes na empreendizagem (aprender-empreender-aprender).
Muitos jovens vinculados à EFAPN, assim como outros jovens do campo, alimentam o desejo de permanecer na terra, de desenvolver atividades agropecuárias mesmo em meio às mudanças contextuais vivenciadas nas últimas décadas, desde que haja políticas públicas que potencializem o desenvolvimento de seus projetos profissionais, o que pode refletir na decisão de permanecer no campo. Dos 139 municípios tocantinenses, dos 5.570 municípios do Brasil, quantos pequenos municípios rurais poderiam voltar a desenvolver uma nova educação no campo e para o campo?
Esperamos com esse artigo trazer esperança aos muitos Mariazinhas e Weslleys, jovens campesinos, a seguirem acreditando, apoiados pelas suas famílias e escolas, em uma vida digna, abundante e sustentável no campo. A esperança é de que o caminho da roça volte a ser uma opção de vida, família e prosperidade. Esperança para que novos modelos educacionais, em meio a inúmeras possibilidades metodológicas e tecnológicas, possam voltar a ser implementados nos campos deste Brasil Rural. E Viva o Agro!
Por Guilherme Tiezzi
Ago 2023
Saiba mais em: http://portal.mec.gov.br/conheca-o-ideb.