
Mara Gabrilli em pronunciamento no Plenário do Congresso (foto: Roque de Sá/Agência Senado)
Uma violinista de 26 anos protagonizou em 2019 um caso de capacitismo evidente no aeroporto Guararapes, em Recife. A história ganhou repercussão nacional porque Uli Firmino foi impedida de viajar sozinha, mesmo apresentando laudo médico que atestava sua autonomia. O constrangimento ocorreu quando ela pediu mudança do assento próximo às turbinas do avião por causa da sensibilidade auditiva provocada pela síndrome de Asperger, um transtorno enquadrado no espectro autista (TEA).
Apesar de argumentar que viaja desde os 10 anos de idade sem nunca passar por problema semelhante, a violinista foi obrigada a enfrentar uma enorme burocracia por ter declarado a sua deficiência. Perdeu a data de uma cirurgia em Fortaleza, que foi remarcada posteriormente. E a companhia aérea foi multada em R$ 500 mil pelo órgão de Proteção e Defesa do Consumidor do estado (Procon-PE), fato amplamente noticiado.
O caso de Uli Firmino está entre os muitos episódios diários de preconceito e de discriminação envolvendo pessoas com deficiência no país. A violinista possui a mesma síndrome observada em talentos como o craque de futebol argentino Lionel Messi, diagnosticado aos oito anos; o ator britânico Anthony Hopkins e o falecido gênio da Física Albert Einstein.
A violinista Uli Firmino, vítima de capacitismo por parte de uma companhia aérea (foto: Taísa Guedes/Divulgação)Segundo a senadora Mara Gabrili (PSDB-SP), que ficou tetraplégica aos 26 anos em decorrência de um acidente, ainda hoje é comum chamar de “pessoas normais” aquelas que não têm uma deficiência. Daí, ressalta a parlamentar, a importância da sociedade brasileira debater o capacitismo:
— Isso acontece por conta da construção social de um “corpo padrão”. Muitos ainda subestimam a capacidade de uma pessoa em função de uma deficiência. O capacitismo define erroneamente a pessoa pela sua deficiência. Mas a pessoa é muito mais do que aquele impedimento físico, sensorial, intelectual ou mental, que adquiriu ao longo da vida ou nasceu com ele — explica Mara, que foi relatora na Câmara dos Deputados da Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (PcD), também conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146, de 2015).
Ela chama a atenção para o fato de que a acessibilidade não beneficia só a PcD. Quando a cidade constrói e mantém rampas de acesso, proíbe estacionar nesses locais e preserva calçadas, os benefícios alcançam outras faixas da população, como os idosos com pouca mobilidade, os pais que usam carrinhos para os seus bebês e mesmo as crianças pequenas que ainda não adquiriram segurança para andar. Mara reforça que não é a pessoa que tem um defeito, como muitos achavam antigamente, mas a sociedade é que precisa se conscientizar e implementar políticas públicas adequadas para um vasto rol de indivíduos com diferentes capacidades.
Origem
O termo capacitismo é relativamente novo e pouco utilizado no Brasil. Ganhou notoriedade nos Estados Unidos na década de 1980 durante os movimentos pelos direitos das PcD, segundo o senador Flávio Arns (Podemos-PR), que preside a Subcomissão Permanente da Pessoa com Deficiência.
— Desconheço o seu registro na legislação brasileira. No entanto, a Lei Brasileira de Inclusão (LBI) estabelece no seu artigo 4º que “toda pessoa com deficiência tem direito à igualdade de oportunidades como as demais pessoas e não sofrerá nenhuma espécie de discriminação” — sublinha o parlamentar, que há 40 anos luta por uma sociedade mais inclusiva.
Arns lembra que como o termo foi criado no contexto de um outro país, independentemente do uso dele no Brasil, o importante é conhecer a realidade brasileira das PcD. A sociedade, acrescenta, precisa conhecer as normas vigentes, as lutas, as conquistas e avançar nas políticas públicas inclusivas.
— Precisamos ouvir as pessoas com deficiência, as suas famílias, os seus anseios e as suas necessidades. E lutarmos para que todos sintam-se cidadãos de direito — enfatiza.
A socióloga mineira Camila Lanhoso cita em artigo sobre capacitismo que, no Brasil, o termo foi registrado pela primeira vez nos anais da II Conferência de Políticas Públicas para LGBTs ocorrida em 2011. Ela reconhece que pode parecer algo desconexo que um termo para nomear formas de opressão dirigidas a pessoas com deficiência tenha surgido numa conferência voltada para lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transgêneros. De todo modo, foi nesse encontro que uma mulher branca surda lésbica se pronunciou sobre a existência do capacitismo.