Décadas de investigação
Essa história começa há cerca de três décadas, quando cientistas do Instituto Butantan fizeram uma série de expedições pelo litoral de São Paulo.
Outro integrante dessas expedições era o aracnólogo Rogério Bertani, também do Butantan, que fez estudos e reclassificações taxonômicas da Vitalius wacketi — e outras aranhas — da década de 1990 em diante.
Alguns anos depois, entrou em cena o bioquímico Thomaz Rocha e Silva, que hoje trabalha no Einstein. Quando ele estava terminando a formação acadêmica, no início dos anos 2000, resolveu investigar as possíveis atividades farmacológicas de algumas substâncias encontradas no veneno dessas espécies.
Os cientistas resolveram fazer um painel de testes e análises para avaliar as toxinas encontradas em várias aranhas do gênero Vitalius.
Essa molécula foi isolada e purificada por Rocha e Silva — depois, Silva Junior conseguiu sintetizá-la, ou seja, criou uma versão química idêntica, sem a necessidade de extraí-la diretamente da aranha.
Na sequência, essa substância passou por testes in vitro. Na bancada do laboratório, ela foi colocada junto de células cancerosas, para ver qual ação teria.
O veneno foi extraído da aranha — para depois de estudado ser sintetizado em laboratório — Foto: Thomaz Rocha e Silva/Einstein/BBC
E a atividade da molécula contra as unidades doentes foi considerada “importante” para os especialistas.
Isso porque o candidato a fármaco causou a morte das células cancerosas por meio de um processo chamado apoptose — geralmente, os tratamentos oncológicos mais tradicionais provocam uma necrose.
“Quando ocorre a necrose, a célula sofre um colapso, o que gera uma reação inflamatória com efeitos no organismo”, explica Rocha e Silva.
“Já a apoptose, ou a morte programada das células, é um processo muito mais limpo. É como se as células implodissem de forma controlada”, compara ele.
Na apoptose, o sistema imunológico “é avisado” sobre o colapso dessas células — e isso gera uma reação bem mais controlada, sem grandes impactos para outros órgãos e tecidos.
Até existem opções terapêuticas capazes de provocar a tal da apoptose nas células do câncer — é o caso, por exemplo, dos anticorpos monoclonais. Mas esses fármacos são mais difíceis de produzir e costumam ter um preço elevado.
A molécula desenvolvida a partir do veneno de aranha é sintética, o que facilita a fabricação (e reduz os custos).
“Além disso, ela possui algumas características físico-químicas que facilitam a permanência no sangue e depois a excreção com facilidade pelos rins”, acrescenta Rocha e Silva.
A poliamina foi testada inicialmente contra a leucemia, mas há uma expectativa de analisar qual será a atividade dela contra outros tipos de tumores.